Civilização romana/Imprimir

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A fundação de Roma

A fundação de Roma[editar | editar código-fonte]

A tradição dos historiadores antigos situa a Fundação de Roma em meados do século VIII a.e.c., cerca do ano 754. Durante muito tempo aceita sem discussão, depois severamente criticada, esta tradição é confirmada pelas descobertas arqueológicas, se admitirmos a existência de um primeiro período de povoamento pré-urbano, antes da criação da cidade propriamente dita que teria surgido no inicio do século VI a.e.c. Uma necrópole muito mais antiga escavada no Fórum no inicio deste século, e depois, mais recentemente, a retomada sistemática das escavações no Palatino mostraram que havia habitantes no local onde se encontra a cidade a partir de meados do século VIII a.e.c., ou seja, desde o tempo em que os primeiros colonos helenos criaram os seus estabelecimentos históricos, na Itália Meridional (Magna Grécia) e na Sicilia.

Na Itália, a situação é complexa. Distinguimos diversos grupos de povos instalados nas diferentes regiões; mas os dados brutos da pré-história e da proto-história, isto é, a descrição dos facies de civilização, dão lugar a grandes divergências de interpretação. Todavia, alguns fatos parecem adquiridos: uma primeira vaga de povos incineradores (isto é, que queimam os seus mortos) e conhecem o uso e a técnica do cobre no Norte da Itália no segundo milênio antes de da era cristã; concentram-se em aldeias de forma regular (geralmente trapezoidal), por vezes instaladas em zonas pantanosas. Constituem aquilo a que chamamos a "civilização das terramaras", e admite-se, geralmente que representam os primeiros invasores indo--europeus, vindos dos países transalpinos. Uma segunda vaga, também de povos incinerantes, veio mais tarde (no final do segundo milênio antes da era cristã) sobrepor-se aos Terramaricolas. Esta civilização, revelada pela primeira vez em meados do século passado, pela descoberta da rica necrópole de Villanova, perto de Bolonha, caracteriza-se pelos seus ritos funerários: as cinzas dos mortos eram depositadas em grandes urnas de terracota e cobertas por uma espécie de escudela que se enterrava no fundo de um poço. A técnica industrial dos Villanovenses marca um avanço em relação a dos Terramaricolas; caracteriza-se pelo emprego do ferro. Os Villanovenses ocuparam uma zona muito mais vasta do que os seus antecessores.

O seu centro de difusão parece ter sido a costa tirrena da Itália Central e só muito tarde devem ter atingido a planície do Pó, no momento do seu apogeu, mas a sua origem étnica não deixa por isso de ser setentrional.

Terramaricolas e Villanovenses não tinham chegado a uma Itália deserta. Já Ia encontraram outras populações, aparentemente de origem mediterrânea, que continuavam as civilizações neolíticas. Estes "primeiros" habitantes eram inumadores e tinham sofrido, em alguns locais, a influência da civilização egeia. Fosse como fosse, estas populações, em contato com os imigrantes, não tardaram a evoluir, dando origem a civilizações originais diferentes consoante as regiões. Foi assim que a costa adriatica viu desenvolver-se uma cultura típica, que muito deve, sem dúvida, as relações estabelecidas com as populações iliricas. Esta civilização, dita "picentina" (por o seu centro se situar no antigo Piceno), é um exemplo do particularismo de povos que, na época histórica, resistiram à conquista romana e só se integraram verdadeiramente em Roma no inicio do século I antes da nossa era, e após sangrentas lutas.

No Lácio, uma civilização de tipo villanovense estava solidamente implantada no inicio do primeiro milênio antes da era cristã. Contudo, a raça latina, aquela que deu origem a Roma, não é um grupo étnico puro, mas o resultado de uma síntese lentamente realizada em que os invasores indo-europeus assimilaram os Mediterrânicos para dar origem a um novo povo. Como acontecera na Grécia, a língua que triunfou foi a dos Arianos, mas a adoção de um dialeto não pressupõe o desaparecimento radical dos primeiros habitantes do país. Esta realidade complexa e expressa, de forma mítica, pelos historiadores romanos: contavam que o povo latino resultava da fusão de duas raças, os Aborigenes, rudes habitantes do Lácio, caçadores semi-nômades, adoradores das forças naturais dos bosques, eles próprios saídos de troncos de árvores, e os Troianos, companheiros de Eneias, vindos da longínqua Frigia depois do desastre que se abateu sobre a sua Própria pátria. Esta lenda está, sem dúvida, muito longe dos dados arqueológicos. Fixemos, porém, esta concepção da origem mista do povo latino, onde os elementos "nascidos do solo" teriam sido civilizados, vivificados por estrangeiros. Talvez tenha acontecido o mesmo com a civilização etrusca, muito próxima de Roma, e depois chamada a exercer sobre a cidade nascente uma tão profunda influência. Veja mais...


Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • J. BERNARD, La Conlonisalion grecque de l'Italie méridionale et de la Sicile dans l'Antiquité, l'histoire et la légende: 2 ed., Paris, 1957;
  • J. WHATMOUGH, The Foundations of Roman Italy: Londres, 1937;
  • R. BLOCH, Le Mystère étrusque: Paris, 1957;
  • R. BLOCH, Les Origines de Rome: Paris, 1965.

A fundação mítica de Roma

A Fundação Mítica de Roma[editar | editar código-fonte]

A fundação de Roma está rodeada de lendas. Os historiadores contam que Rômulo e o seu irmão, Remo, abandonados nas margens do Tibre pouco depois de nascerem, foram milagrosamente amamentados por uma loba saída dos bosques. Ela fora, evidentemente, enviada pelo deus Marte, que era o pai dos Gêmeos, e os Romanos, até ao final da sua história, gostarão de se chamar "os filhos da Loba". Recolhidos por um pastor, o bom Fáustulo - cujo nome é por si só um augúrio favorável, já que deriva defavere -, Rômulo e Remo foram criados por sua mulher, Acca Larentia. Por detrás dos nomes de Fáustulo e da mulher escondem-se nomes de divindades; o primeiro assemelha-se muito a Fauno, o deus pastoril que habitava os bosques do Lacio, o segundo recorda o dos deuses lares, protetores dos lares romanos, e em Roma existia mesmo um culto a uma tal Mãe dos Lares que bem poderia ter sido, afinal, a excelente ama dos Gêmeos - a não ser que, como é mais provável, a lenda tenha utilizado nomes divinos para conferir uma identidade aos seus heróis.

A cabana de Fáustulo, segundo a tradição, erguia-se no Palatino e, no tempo de Cícero, os Romanos apontavam-na orgulhosamente, ainda de pé com o seu telhado de colmo e as suas paredes de adobe. Pode pensar-se que a lenda de Fáustulo se incrustou nesta cabana, último vestígio da mais antiga aldeia de pastores que se fixaram na colina e conservada como testemunho sagrado da inocência e da pureza primitivas. A cabana do Palatino não era, de resto, a única que subsistia da Roma arcaica. Havia outra no Capitólio, em frente do templo "maior" da Cidade, o de Júpiter Muito Bom e Muito Grande, e como as lendas não tem quaisquer preocupações de coerência, garantia-se que esta cabana capitolina também abrigara Rômulo ou o seu colega na realeza, o sabino Tito Tácio. Não foi só desta vez que se multiplicaram as relíquias sagradas. No entanto, neste caso, as recordações lendárias são plenamente confirmadas pela arqueologia. Os restos de aldeias postos a descoberto no Palatino e necrópole do Fórum remontam, como demonstram os caracteres da cerâmica encontrada no local, a meados do século VIII a.e.c. e esta data corresponde à primeira ocupação do solo romano.

É sabido que, depois de adultos, os Gêmeos se fizeram reconhecer pelo avô, cujo reinado restabeleceram, e partiram para fundar uma cidade no local que tão favorável lhes fora. Para consultar os deuses, Rômulo escolheu o Palatino, berço da sua infância. Remo, porém, instalou-se do outro lado do vale do Grande Circo, no Aventino. Os deuses favoreceram Rômulo enviando-lhe o presságio extraordinário de um vôo de doze abutres. Remo, por seu lado, viu apenas seis. Coube, portanto, a Rômulo a glória de fundar a Cidade, o que fez de imediato, traçando, a roda do Palatino, um sulco com uma charrua; a terra revolvida simbolizava a muralha, o próprio sulco o fosso e, no local das portas, a charrua erguida simulava uma passagem.

É certo que os Romanos não acreditavam nesta história, mas aceitavam-na; sabiam que a sua cidade não era apenas um conjunto de casas e templos, mas um espaço de solo consagrado (o que as palavras pomerium e templum exprimem, em diversos casos), um local dotado de privilégios religiosos, onde o poder divino se encontra particularmente presente e sensível. A continuação da lenda afirmava, de forma dramática, a consagração da Cidade: Remo, trocista, escameceu da "muralha" de terra e do seu ridiculo fosso; transpô-los de um salto, mas Rômulo lançou-se sobre ele e imolou-o, dizendo: (Assim morrerá quem, de futuro, transpuser as minhas muralhas). Gesto ambíguo, criminoso, abominável, já que se tratava do assassínio de um irmão e atribuía ao primeiro rei a mancha de um parricídio, mas gesto necessário, pois determinava de forma mistica o futuro e assegurava, talvez para sempre, a inviolabilidade da Cidade. Deste sacrificio sangrento, o primeiro oferecido a divindade de Roma, o povo guardará para sempre uma recordação assustadora. Mais de setecentos anos depois da Fundação, Horácio ainda o considerará uma espécie de pecado original cujas conseqüências provocariam, inevitavelmente, a perda da cidade ao levarem os seus filhos a massacrarem-se uns aos outros.

Em todos os momentos críticos da sua história, Roma interrogar-se-á angustiadamente, julgando sentir pesar sobre si uma maldição. Tal como, ao nascer, não estivera em paz com os homens, também não o estava com os deuses. Esta ansiedade religiosa pesará sobre o seu destino. É fácil - demasiado fácil - opô-la a boa consciência aparente das cidades gregas. E, no entanto, Atenas também conhecera crimes: na origem do poder de Teseu estava o suicídio de Egeu. A própria história mítica da Grécia está tão repleta de crimes como a lenda romana, mas os Gregos devem ter considerado que o funcionamento normal das instituições religiosas bastava para apagar as maiores manchas. Orestes foi absolvido pelo Areópago, sob a presidência dos deuses. E, além disso, a mácula que Edipo inflige a Tebas é limpa pelo banimento do criminoso; o sangue que, mais tarde, correrá como expiação, será apenas o dos Labdácidas. Roma, pelo contrário, sente-se desesperadamente solidária com o sangue de Remo. Parece não ter sido capaz do otimismo grego; Roma treme, tal como mais tarde Eneias, no qual Virgilio quererá simbolizar a alma da sua pátria, tremerá perante a. expectativa de um presságio divino.

A lenda dos primeiros tempos de Roma está, assim, repleta de "sinais" que os historiadores atuais tentam decifrar. Seja qual for a origem das diferentes lendas (o rapto das Sabinas, o crime de Tarquínio, a luta dos Horácios e dos Curiácios e muitas outras), quer se trate de recordações de fatos reais, de velhos rituais interpretados ou de vestígios ainda mais antigos, provenientes de teogonias esquecidas, estes relatos refletem outras tantas convicções profundas, atitudes determinantes para o pensamento romano. É por isso que todo aquele que tente descobrir o segredo da romanidade os deve ter em conta, já que representam outros tantos estados de consciência sempre presentes na alma coletiva de Roma. Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • J. BERNARD, La Conlonisalion grecque de l'Italie méridionale et de la Sicile dans l'Antiquité, l'histoire et la légende: 2 ed., Paris, 1957;
  • J. WHATMOUGH, The Foundations of Roman Italy: Londres, 1937;
  • R. BLOCH, Le Mystère étrusque: Paris, 1957;
  • R. BLOCH, Les Origines de Rome: Paris, 1965.

Geografia do Lácio

Geografia do Lácio[editar | editar código-fonte]

A característica mais importante da geografia histórica da Itália é a estreita interação entre planície, piemonte e montanha. Somente cerca de um quinto da superfície total da Itália é considerada oficialmente como planície (quer dizer, terras que não superam Os 300 metros de altura); dela, mais de 70% se encontra no Vale do Pó. O restante, cerca de dois quintos, é classificado como montanha (acima de 1.000 metros de altura), e as demais partes do território como piemonte (entre 300 e 1.000 metros de altura). A alternância desses tipos de relevo e sua distribuição por todo o país criam uma grande diversidade de condições climáticas e grandes contrastes paisagísticos entre uma região e outra.

A Itália é separada da Europa central pela grande barreira dos Alpes. Apesar de sua altura, essas montanhas não a mantiveram isolada do restante do continente. Embora as neves invernais os tenha tornado impraticáveis durante mais da metade do ano, a maioria das passagens de montanha era conhecida desde os tempos mais remotos. Durante toda a história, tiveram lugar movimentos de povos através dos Alpes, as vezes em grande escala, como, por exemplo, as incursões dos celtas e dos cimbrios no período republicano e as invasões bárbaras dos séculos V e VI da nossa era.

Ainda que não haja nenhuma dúvida quanto à unidade geográfica do território italiano ao sul dos Alpes, é conveniente fazer uma distinção entre a "Itália continental", formada pelo Vale do Pou e suas hordas montanhosas (os Alpes no Norte, as Apeninos no Sul), e a "Itália peninsular", que compreende o restante do país a exceção das ilhas. Essas duas regiões são diferentes em clima e em topografia, bem como em seu desenvolvimento cultural e econômico.

A Itália peninsular desfruta de um clima tipicamente mediterrâneo, caracterizado por invernos temperados, verões quentes e uma pluviosidade anual moderada; essa, no entanto, se concentra em fortes precipitações durante os meses de inverno, enquanto em junho, julho e agosto se experimenta uma seca extrema. A Itália continental, em contrapartida, pertence climaticamente à Europa central. Tem temperaturas extremas mais acentuadas; o frio do inverno contrasta com o intenso calor do verão, em que as temperaturas são tão altas quanto as da Península. A pluviosidade anual não é mais elevada que em algumas partes da Itália peninsular, mas é mais equitativamente distribuída entre todas as estações. O exemplo mais evidente do contraste entre as duas regiões é a oliveira, que cresce em quase toda a Itália peninsular e ao longo da costa liguriana, enquanto não se encontra ao norte dos Apeninos.

Na atualidade, o Vale do Pou é a região agrícola mais produtiva da Itália. Seu predomínio econômico remonta a tempos antigos; escritores como Estrabão falam de sua fertilidade, da importância de sua população e da prosperidade de suas cidades. As comunicações eram feitas com facilidade através do próprio rio, então como na atualidade navegável até Turim. Na Antiguidade, a região era cheia de bosques, e suas abundantes bolotas alimentavam os rebanhos de porcos, que proporcionavam a maior parte da carne consumida na cidade de Roma. No entanto, o curso inferior do Pan corre por uma vasta planície sujeita a freqüentes e extensas inundações que só puderam ser evitadas mediante canais e diques. É evidente que na época pré-romana a parte inferior do Vale do Pou era pantanosa e estava freqüentemente inundada, especialmente na Emília e no Vêneto; os pântanos do lado sul do rio implicaram um sério obstáculo ao exército invasor de Aníbal em 218 a.e.c. Depois da conquista romana, as terras foram dessecadas mediante um sistema de canais e diques que o censor M. Emilio Escauro construiu em 109 a.e.c. na área situada entre Parma e Módena. Outros trabalhos de dessecação foram levados a cabo par Augusto e seus sucessores, e durante o século I de nossa era a Itália setentrional foi uma das regiões mais prósperas do Império. Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • C.McEVEDY Penguin Atlas of Ancient History: Harmondswoth, 1976;
  • H.KIEPERT, O Atlas of the Classical World: Berlín, 1882;
  • M. e R. BECKINSALE, Southern Europe: The Mediterranean and Alpine Lands: Londes, 1975.

Agricultura

Agricultura[editar | editar código-fonte]

Gravura que mostra dois romanos fazendo a colheita na Roma Antiga: a agricultura era a atividade econômica fundamental da época.

A civilização romana apresenta-se hoje, a séculos de distância, como uma civilização essencialmente urbana. Não era porém assim que os Romanos tinham par hábito considerá-la. Ao longo da sua história, apesar do desmentido fornecido pelos fatos, sempre gostaram de se julgar "camponeses".

No momento em que nasce o Império, depois de Roma se tornar a maior cidade do mundo, mais vasta do que Pérgamo, Antioquia ou mesmo Alexandria, Virgílio não é capaz de conceber felicidade mais perfeita à superfície da terra do que a vida campestre. No entanto, por comovedor que seja este elogio do campo, evocação do "lazer nos vastos domínios, entre a abundância, as fontes de água pura, os frescos vales e os mugidos dos bois, e a tranqüilidade do sono debaixo de uma árvore...", não podemos deixar de recordar que os escravos, nas peças de Plauto e Terêncio, se aterrorizavam, como diante do castigo supremo, ao serem enviados "para o campo". Contradição evidente, mal-estar que seria inútil negar: a vida rústica não é, aos olhos dos poetas, o que é para as trabalhadores. No entanto, seria errado pensar que a imaginação de Virgilio é a única causa de uma idealização falaciosa e que o autor das Bucólicas, para fins de propaganda política, pretendeu dourar com encantos imaginários uma realidade dolorosa e sórdida. Os Romanos, mesmo no tempo da sua grandeza, sempre sentiram a nostalgia do torrão natal e é sabido que os campos italianos forneceram às legiões os melhores soldados, a cidade os magistrados mais enérgicos e mais clarividentes. Mesmo durante a primeira guerra púnica, os chefes militares ainda são camponeses preocupados com o seu domínio e os historiadores gostam de evocar a grande figura do ditador Cincinato que, segundo a tradição, cultivava o campo junto ao Janiculo quando o vieram procurar para lhe confiar a chefia do Estado. Veja Mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • R. BLOCH, Le Mystère étrusque: Paris, 1957;
  • R. BLOCH, Les Origines de Rome: Paris, 1959.

Agricultura/A quinta romana

A quinta romana[editar | editar código-fonte]

Ao terminar a conquista romana, a Itália encontrava-se, portanto, nas mãos de duas espécies de exploradores: um campesinato de modesta condição que prosseguia os métodos ancestrais e poderosos proprietários, senadores romanos ou ricos burgueses locais que consideravam a terra a sua principal fonte de rendimentos. O contato com os países helenísticos ensinara, de fato, aos Romanos, que existiam no Oriente, na África (nas terras ocupadas por Cartago) explorações de alto rendimento. Por outro lado, o crescimento da população urbana exigia abastecimentos cada vez mais consideráveis, o que abria à agricultura italiana vias até então desconhecidas. É verdade que o trigo era importado da Sicilia, da África, em grandes quantidades e a preços que não podiam concorrer com os produtores italianos, mas as cotações do vinho e do azeite continuavam a ser remuneradoras. Por todas estas razões, assiste-se então ao nascimento de uma agricultura capitalista que se implantou em Itália, sem suplantar inteiramente as formas de exploração mais modestas, nas mãos dos pequenos e médios proprietários.

Temos a sorte de possuir uma obra que constitui o mais curioso testemunho desta transformação econômica. Escrita por Catão, um camponês de origem modesta que conseguira desempenhar um papel político de primeiro plano depois da vitória sobre Anibal, informa-nos sobre a concepção que os proprietários romanos então formavam sobre a vida rural: uma mistura de preconceitos tradicionais e novas ambições; é verdade que a vida no campo é considerada o ideal mais nobre que se pode apresentar ao homem, o que forma as naturezas mais enérgicas e mais virtuosas; mas, a par deste idealismo inegável, Catão atribui uma grande importância à atração do lucro. Muito realista, ele sabe bem que o proprietário romano, ocupado na sua atividade política, não pode viver na sua casa de campo; o patrão só lá pode ir em ocasiões importantes, quando se trata de orientar o trabalho para a estação seguinte, mas é ai que passa todos os momentos de lazer e, diz Catão, a sua estada será tanto mais agradável quanto melhor souber preparar uma casa confortável e aprazível. Assim, poderá vigiar o seu intendente (vilicus), escravo ou antigo escravo libertado, que é o seu representante quando se encontra ausente e dirige todo o pessoal.

Embora Catão pretenda considerar que um domínio de cem jugera (cerca de 25 hectares) tem uma extensão suficiente, torna-se evidente no seu tratado que pensa em extensões mais vastas, incluindo vinhas ou olivais que só por si atingem esta extensão. Da tradição, Catão conserva a idéia de que o domínio se deve bastar a si mesmo. Segundo uma fórmula que se tornou célebre, o proprietário deve "vender sempre, e nunca comprar". Tudo será feito em casa: utensílios, arreios, cestos, carroças, vestuário dos operários. Como antigamente, as mulheres fiarão a lã dos tosões fornecidos pelos rebanhos e tecê-la-ão durante o Inverno; naturalmente, é na quinta que se espremera a azeitona e se fabricara o azeite, é na quinta que se moerão os cereais. Assim, a propriedade deve compreender, para além das terras destinadas a dar lucro (olivais e vinhas), uma horta bem irrigada (os legumes excederão, rios serão vendidos no mercado), prados para alimentar os bois, campos de trigo para alimentar o pessoal (o trigo excedentário será vendido), um vimeiro para confecção de cestos e sebes, árvores para as construções e para o fabrico das charruas (a lenha para aquecimento será reservada ao patrão, os ramos serão transformados em carvão para venda), um pomar, carvalhos que produzem bolotas para os porcos. Veja Mais...

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • GRENIER, Bologne villanovienne et etrusque: Paris, 1912;
  • P. FRANCISCI, Primordia civitatis: Roma, 1959;
  • R. BLOCH, Le Mystère étrusque: Paris, 1957;
  • R. BLOCH, Les Origines de Rome: Paris, 1959.

A agricultura romana no séc. I a.e.c.

A agricultura romana no séc. I a.C.[editar | editar código-fonte]

Os proprietários italianos não se resignaram facilmente perante a diminuição do rendimento das suas terras e, a partir do século I a.e.c., assistimos aos seus esforços para adaptar a exploração do solo às necessidades do mercado. O tratado Sobre a Agricultura escrito por M. Terêncio Varrão, quando tinha cerca de 9O anos (em 37 a.e.c., aproximadamente), informa-nos de modo muito preciso sobre o estado da terra italiana no inicio do Império e sobre os problemas que se colocavam aos exploradores. Oficialmente, corre tudo pelo melhor e Virgílio, mais ou menos pela mesma altura, concorda com Varrão: qual é a terra mais fecunda, melhor cultivada que a Itália, onde as vinhas dão mais de 210 hectolitros por hectare, em que a qualidade do trigo é das melhores? A fruta vende-se bem: na Sacra Via, os compradores estão prontos para a pagar <>. Mas estes são alguns exemplos privilegiados, destinados sobretudo a mostrar o que pode ser a agricultura em mãos hábeis, em domínios geridos por conta de proprietários que não residem no local e dispõem de uma mão-de-obra inesgotável. Não se trata das aldeias perdidas nos Apeninos, mas das planícies férteis da costa adriática ou da Campânia - terras senatoriais, em qualquer dos casos. A Itália tal como a concebe Varrão (porta-voz dos grandes proprietários romanos) reduz-se a distritos abençoados; o resto, tudo o que não se presta a elevados rendimentos, são terrenos de pastagens, abandonados aos pastores e aos rebanhos. As exigências da cultura intensiva, calculada tendo em vista o máximo lucro possível, determinam que se desprezem as terras com exposição deficiente. Varrão observa com satisfação que "os antepassados, na mesma extensão de terreno, produziam menos vinho e trigo, e de qualidade inferior". É certo, mas a extensão total das terras cultivadas era mais considerável e a Itália conseguia então alimentar os seus habitantes, sem recorrer à importações onerosas.

A preocupação quase exclusiva do rendimento comercial conduziu Varrão a recomendar a criação de animais de luxo: não só patos e galinhas, mas também pavões, grous, marmotas, javalis e toda a espécie de animais de caça, que eram consumidos em grande quantidade em Roma e pela aristocracia dos municípios. Uma quinta da Sabina, citada como exemplo, rendia, unicamente com a venda de tordos criados em viveiro, cerca de 60 000 sestércios (ou seja, 15 000 francos-ouro) por ano. A multiplicação dos banquetes oficiais, dos festins privados, o luxo da mesa sempre crescente, ofereciam saídas inesgotáveis para a criação destes animais, desconhecidos no tempo de Catão. As residências à beira-mar dispunham de outros recursos, como o dos viveiros de peixes, abundantemente consumidos, talvez preferidos à carne de açougue, pouco apreciada. Mas, como é evidente, estes recursos estão dependentes da riqueza da capital e da prosperidade do Império; dizem respeito apenas a um punhado de privilegiados e o seu desenvolvimento, tornando-se excessivo, ameaçava seriamente o equilíbrio agrícola da Itália.

Referências[editar | editar código-fonte]

Cotidiano

Cotidiano[editar | editar código-fonte]

Horácio, ao atingir os 40 anos, não se resignava a viver na cidade. Passava a maior parte do tempo no campo, em Tibur, ou a beira-mar e na tranqüila cidade de Tarento, Mas o escravo que encarregara de cultivar os seus domínios de Tibur não partilhava do entusiasmo do amo. Outrora, tinha certamente desejado viver mais a vontade do que na cidade, sonhara nas longas noites de Inverno, em que se dorme a sociedade, com provisões acumuladas no celeiro mas, depois de se tornar vilicus, mudara de idéias e por mais de uma vez lamentara não gozar os prazeres da cidade. Horácio recorda-lhe ironicamente:

"Agora", diz-lhe, "aspiras a Cidade, e aos jogos, e aos banhos, agora que és rendeiro... Eu e tu não apreciamos as mesmas coisas... Um local mal freqüentado, uma taberna de cozinha gordurosa recordam-te a cidade, bem o vejo, e também pensas que este pequeno domínio produziria pimenta e incenso mais rapidamente do que vinho, que não tens ao teu alcance uma taberna para te fornecer de vinho, nem uma jovem complacente que toque flauta para dançares até caíres redondo no chão..."

Os gostos do rendeiro de Horácio podem parecer-nos vulgares. Mas são os da plebe romana, ávida de prazeres fáceis que não se encontram no campo: para ela, beber sem restrições entre mulheres, dançar, freqüentar os jogos, os banhos são características da vida urbana, assim como, talvez, essa espécie de prazer mais difícil de definir que se experimenta ao contatar com outros seres humanos: a plebe romana - e não só a plebe - é geralmente sociável. Não é verdade que já Catão proibia os seus rendeiros, sobretudo as rendeiras, de receberem liberalmente nos seus domínios os vizinhos conversadores em busca de companhia? Para o Romano, o principal prazer consiste em encontrar-se com os amigos no Fórum, no Campo de Marte, junto aos pórticos das praças públicas, nas termas e em casa, se é rico e pode entregar-se, à noite, aos intermináveis jantares a que se seguem prolongados serões bem regados; se, pelo contrário, a sua condição não lhe permite este luxo, gosta, pelo menos, de se regalar num cabaré.

Os encontros entre amigos eram freqüentes, obrigatórios numa cidade que, apesar de tudo, era pequena e cujo centro foi, durante muito tempo, uma única praça pública e onde, apesar do crescimento da população, um dos principais deveres dos homens de elevada condição consistia em saber o nome de cada um dos cidadãos que encontrasse ao longo do dia. É verdade que, no fim da República e durante o Império, os romanos ricos se faziam acompanhar por um escravo especialmente encarregado de lhes recordar os nomes que pudessem ter esquecido: o nomenclator (assim se chamava o secretario de infalível memória) não existia no século II a.e.c. e a sua intervenção testemunha apenas a fidelidade dos Romanos ao velho principio segundo o qual não devia haver desconhecidos no Fórum. Uma boa parte dos costumes romanos explica-se assim: a vida social baseia-se, em primeiro lugar, em relações pessoais. Cada individuo existe em relação a família, aos aliados, aos amigos, e também em relação aos inimigos; há alianças tradicionais e inimizades que não o são menos. Os princípios políticos contam menos, afinal, do que a relação de homem para homem. A vida da cidade assentava, pelo menos tanto como nas leis, nestas relações regidas pelos costumes. Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • A.FERRUA, Nuove tabulae lusoriae Iscritte, in Epigraphica 1964, pp. 3-44;
  • H.A.SANDERS, Swimming Among the Greeks and the Romans, in Classical Journal XX, pp. 566-568;
  • L.ROBERT, Les Gladiateurs dans l'Orient grec: Paris, 1940.

As virtudes romanas

As virtudes romanas[editar | editar código-fonte]

É muito provável que esta concepção tirânica do dever cívico tivesse sido imposta sobretudo pela sociedade patrícia que tomou o poder em 509 a.e.c.; foi a gens que contribuiu para manter a hierarquia estrita dos elementos sociais, assegurando materialmente a dependência dos indivíduos em relação do clã, perpetuando a autoridade do paterfamilias fornecedor do alimento quotidiano, encerrando os membros da casa numa rede de práticas religiosas que simbolizavam o caráter eminente da gens em relação a cada um deles. E foi nesse momento que se impuseram, vindas de um meio rural, as grandes virtudes romanas. A virtude essencial, capital, para um romano, é precisamente a que responde mais diretamente ao ideal camponês: a virtude de "permanência". Considera-se conforme com o bem tudo o que tenha por efeito manter a ordem existente, a fecundidade da terra, a esperança de uma boa colheita, a repetição dos anos, a renovação regular da raça, a estabilidade da propriedade. Condena-se, pelo contrário, tudo o que seja anárquico, inovador, tudo o que ameace a regularidade dos ritmos, tudo o que desenraize.

A história de um termo significa que uma grande fortuna, a palavra luxus, permite compreender este estado de espírito. O termo começa por pertencer a língua camponesa: designava a vegetação espontânea e indesejável que, por "indisciplina", compromete a colheita. Exuberância do trigo, demasiado denso; exuberância da vinha, com todas as suas folhas, em detrimento dos cachos. Luxus (ou luxuries) é tudo o que excede as marcas; pode ser, por exemplo, o pinote de um cavalo mal adestrado; mas é também, para o homem, todo o excesso que o leva a procurar uma abundância de prazer, ou mesmo, simplesmente, a afirmar-se de forma demasiado violenta, no fausto, no vestuário, no apetite de viver. é, sem dúvida, o luxo, no sentido moderno, condenado pelos efeitos morais, porque desenvolve o gosto pelo lucro, porque desvia o individuo das suas verdadeiras tarefas, favorecendo a preguiça. Mas estas razões são secundárias: a moral romana não se teria mostrado tão severa contra todos os abusos na vida quotidiana se não assentasse na desconfiança, essencialmente camponesa, em relação a toda a inovação, a toda a fuga à disciplina ancestral, a tudo o que tende a ultrapassar o âmbito da cidade. Quem se abandona ao luxo mostra que carece de disciplina, que cederá aos instintos: a atração do prazer, a avidez, a preguiça e, sem dúvida, no campo de batalha, também ao medo - que não passa, afinal, do naturalissimo instinto de conservação. Veja Mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • E. BADIAN, Publicans and sinners. Private Entreprise in the Service of the Roman Republic: Oxford, 1972;
  • STANLEY F. BONNER, Education in Ancient Rome, Londres 1977.

A educação romana

A educação romana[editar | editar código-fonte]

Apesar de todos os seus defeitos e até, por vezes, dos vícios, da cobardia, da complacência para com os Príncipes (mas que fazer contra um senhor que dispõe de toda a forca?), o Senado, no Império, contribuiu para manter os antigos valores morais. Mesmo depois de a aristocracia verdadeiramente romana ter desaparecido, as elites provinciais que a substituíram empenharam-se em perpetuar um ideal que, para elas, era inseparável do nome romano. No tempo de Domiciano e de Trajano, os dois novos-ricos Plinio, o Moço, e Tácito, dois cisalpinos (a origem do primeiro é conhecida, a do segundo é apenas objeto de conjectura), mostravam-se mais intransigentes no respeito pela tradição do que os últimos representantes das famílias celebres desde o tempo de Aníbal. Este sentimento decorria sem dúvida da admiração que lhes inspiravam o passado de Roma e as tradições provinciais da sua pequena cidade, muitas vezes assentes num ideal próximo do dos Romanos, mas também ihes era transmitido pelo ensino dos retóricos e dos filósofos. Jovens, tinham celebrado nas suas declamações as virtudes de Fabrício, de Fabio, o Temporizador, de Cipião, amaldiçoando os Gracos, acusando Catilina.

Os antigos valores morais impuseram-se-lhes no tempo da escola e o ensino dos filósofos veio confirmar aquilo que se tinham habituado a considerar um ideal natural do homem. A influência do ensino foi certamente um dos fatores que mais contribuíram para estabilizar e conservar o espírito romano tradicional. Dirigindo-se sobretudo aos filhos das classes "esclarecidas", formava os futuros governadores de província, os grandes administradores, os chefes militares, os juízes, todos os homens que um dia entrariam no Senado para representarem a elite do Império. Os senadores, impregnados de Tito Livio, de Virgilio, para quem o ideal romano tradicional se aliava à espiritualidade helênica, não podiam deixar de traduzir na prática - isto é, na própria administração do mundo - esse humanismo iluminado que acabara, lentamente, por se libertar dos antigos constrangimentos da cidade e que se perpetuou até aos nossos dias.

Para este escol do humanismo romano, o fim essencial do homem era a sabedoria, o aperfeiçoamento interior que conduzia à pratica das grandes virtudes de justiça, de energia, de coragem perante a morte - e não nos faltam exemplos comprovativos de que foram efetivamente praticadas. O lugar dos deuses, neste ideal, e o que lhes é apontado pelos filósofos: a minúcia das práticas religiosas é respeitável na medida em que cabe a ordem da cidade e contribui para manter a coesão social; algumas delas possuem um valor inegável porque respondem a determinadas exigências divinas, como a oração, "proferida de coração puro", o sacrifício, que é a oferta voluntária, a homenagem livremente prestada pela criatura ao Criador. De resto, este racionalismo moral na o exclui a crença no sobrenatural: Plinio, o Moço, conta imperturbavelmente as mais incríveis histórias de fantasmas, cita coincidências fantásticas e bons espíritos acreditam firmemente na influência dos astros sobre os destinos e as almas dos seres humanos. Estoicismo e platonismo estão de acordo em estabelecer constantemente trocas entre o divino e o humano. As divindades da religião oficial são aceitas a titulo de símbolos ou de aproximações. Os próprios epicuristas, indevidamente acusados de ateismo, apresentam-nas como símbolos da felicidade suprema e pensam que a suã contemplação serena pode contribuir para conduzir a alma à felicidade. Quanto ao resto daquilo que, boje, e considerado a força da religião, o problema da sobrevivência e do além, fica ao cuidado de cada um: o reconhecimento do divino não implica então, de modo algum, que se acredite na persistência da pessoa depois da dissolução do corpo. As doutrinas mais espiritualistas aceitam a divinização da alma liberta do invólucro terrestre: a alma suficientemente purificada pela prática da virtude, suficientemente disciplinada para ter distinguido e desenvolvido dentro de si os germes do divino, voara para as altas esferas do céu e contemplará as verdades eternas. Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • A. GWYNN, Roman Education from Cicero to Quintilian, Oxford, 1926;
  • A. M. DUFF, Freedmen in the Early Roman Empire: Oxford, 1928;
  • E. BADIAN, Publicans and sinners. Private Entreprise in the Service of the Roman Republic: Oxford, 1972;
  • STANLEY F. BONNER, Education in Ancient Rome, Londres 1977.

Paterfamilias

Paterfamilias[editar | editar código-fonte]

Durante muito tempo, pensamos que a base da sociedade romana fora a família. Importa, portanto, saber como evoluiu, ao longo da história romana, a própria vida familiar e em que medida se manteve fiel aos velhos imperativos ou se conseguiu libertar-se deles.

Primitivamente, a vida familiar é dominada pela onipotência do pai que se exerce legalmente sobre os escravos da casa, e também sobre a mulher e os filhos. O paterfamilias pode, a seu bel-prazer, reconhecer os filhos que a mulher lhe dá (neste caso, no momento do nascimento, pega na criança e levanta-a num gesto que lhe confere legitimidade), ou expô-los fora de casa, abandonando-os a quem os queira, o que, na prática, equivalia a condená-los à morte ou, quando muito, à escravatura. Além disso, até mesmo o filho reconhecido pelo pai pode ser expulso de casa; é então vendido "para Iá do Tibre" - mas o filho que tivesse sido assim vendido três vezes encontrava-se legalmente emancipado da patria potestas. Nos casos particularmente graves, o pai podia condenar à morte os filhos e a mulher, mas ditavam os costumes que esta decisão atroz fosse tomada por um conselho de família expressamente reunido para o efeito. É sabido que esta velha prática ainda persistia no tempo de Nero, já. que um senador cuja mulher fora acusada de "superstições estrangeiras" foi obrigado a reunir o tribunal familiar para a julgar. O Estado conservou até ao fim a maior repugnância em intervir no seio da família e, por conseguinte, em limitar a autoridade do pai. Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • J.P.V.D.BALSDON, Roman Woman: Londres, 1962;
  • P.E.CORBETT, The Roman Law of Marriage: Oxford, 1930;
  • P. GRIMAL, O Amor em Roma: Edições 70, 2005.

Moradias

Moradias[editar | editar código-fonte]

Nesta Roma tão diversa, que aliava os conjuntos monumentais mais grandiosos, os edifícios mais gigantescos onde se reuniam multidões, e os serviços de limpeza mais primitivos, como se encontravam instalados os simples cidadãos?

Ainda há menos de um século, os arqueólogos admitiam que as casas de Roma eram todas casas com atrium e os testemunhos dos textos pareciam corroborados pelas escavações das cidades campanienses, isto é, essencialmente pelas escavações de Pompéia. Hoje, o desenvolvimento dos trabalhos de pesquisa empreendidos em Herculano e em Óstia, assim como na própria Roma, alterou a nossa perspectiva. A casa com atrium clássica foi, sem dúvida, e durante muito tempo, a residência romana típica, mas também desde muito cedo - talvez desde o século II a.e.c. - começaram a ser construídas casas de habitação muito diferentes, que se tornaram rapidamente as mais numerosas e que desde a Antiguidade eram designadas pelo termo insula (ilhéu). Durante o Império, as casas de Roma pertenciam a outro tipo, e existia, naturalmente, um grande número de formas intermédias, mas podemos afirmar que as domus, isto é, as casas com atrium, que exigiam uma superfície relativamente vasta e só podiam alojar uma família, regridem constantemente perante as insulae, muito mais econômicas e muito mais rendáveis para os proprietários.

Conhecemos, pelas antigas residências de Pompéia, o tipo clássico da domus, que não pode deixar de recordar, em certos aspectos, algumas formas da casa grega e anuncia a casa moura, de épocas mais próximas de nós. O seu caráter essencial reside no fato de ser fechada sobre si mesma; toda a vida se centra no atrium, recinto a céu aberto no meio do qual a água das chuvas é acolhida num tanque. Este atrium pode ser mais ou menos vasto; o telhado, inclinado para o interior, pode apoiar-se numa estrutura simples ou pode inclinar-se para o exterior para escorrer a água, não para o tanque (impluvium), mas para canais que a conduzam para a rua; também pode ser suportado por colunas que transformem o atrium num verdadeiro peristilo. Mas, seja qual for o dispositivo adotado, a planta mantém-se idêntica, como idêntica se mantém a função do atrium, que se destina a fornecer luz a casa, sem que seja necessário abrir janelas para o exterior. Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • A. BOETHIUS e J.B. WARD PERKINS, Etruscan and Roman Architetcture: Harmondsworth, 1970;
  • B. GUEGAN, Les Diz Livres de cuisine d'Apicius: Paris, 1933;
  • F. COARELLI, Guida archeologica di Pompei: Roma, 1976.

Jogos gladiatórios

Jogos gladiatórios[editar | editar código-fonte]

Os combates de gladiadores foram introduzidos em Roma nos jogos fúnebres de Junio Bruto, em 264 a.e.c. Tratava-se então apenas de um rito funerário, mas os Romanos tornaram-lhe rapidamente o gosto. Enquanto nos jogos de 264 se exibiram apenas três pares de gladiadores, viram vinte e dois cinqüenta anos mais tarde, nos de Emílio Lépido. Com a ajuda da emulação, em breve se enfrentaram na arena centenas de gladiadores. Os grandes senhores quiseram possuir as suas tropas pessoais, que treinavam nos seus domínios, longe da Cidade. Assim, no tempo de César, foi necessário limitar, por uma consulta ao Senado, o número de gladiadores pertencentes ao mesmo particular. Pretendia evitar-se a formação de bandos armados, inteiramente dedicados ao amo e prontos para todos os golpes. A guerra de Spartacus já mostrara a gravidade do perigo, uma vez que foram gladiadores evadidos de uma escola de Cápua que formaram o primeiro núcleo da rebelião. Os principais mentores das guerras civis, Milao e Clódio, um do lado do Senado, o outro do lado dos populares, não se coibiram de empregar gladiadores que lhes serviam de guarda-costas e também de bravi. Mas também existiam empresários profissionais de espetáculos que contratavam bandos de gladiadores que depois alugavam - por vezes a elevado preço - aos magistrados encarregados de organizar jogos. No Império, existiram gladiadores imperiais.

Pertenciam à casa do Príncipe, tal como o resto das suas gentes, e serviam para ilustrar os jogos organizados pelo próprio Imperador.

Nem todos os combatentes da arena eram gladiadores profissionais. Muitas vezes, utilizavam-se condenados a morte que enfrentavam, quase sem armas, adversários armados ou feras. Tratava-se de uma forma de execução praticada durante largos tempos, mas só eram expostos às feras os escravos e os homens livres que não possuíam o direito de cidadania romana. Alguns condenados, escolhidos entre os mais jovens e mais vigorosos, em vez de serem simplesmente conduzidos à morte, eram recrutados para uma escola e submetidos a um treino, tornando-se profissionais. Tinham, assim, o direito, se não de se "resgatarem" pela coragem, pelo menos de escapar ao suplicio se, após três anos desta vida, tivessem tido a habilidade ou a sorte de sobreviver. Recebiam então, como todos os outros gladiadores "reformados", a espada sem ferro que os libertava.

Ao lado dos condenados de direito comum também apareciam muitas vezes na arena prisioneiros de guerra: no reinado de Cláudio, o massacre dos prisioneiros bretões, em 47, tornou-se célebre. Também é sabido, pelo testemunho de Josefo, que Tito se libertou dos prisioneiros judeus no decorrer de vários espetáculos: em Berytus, em Cesareia da Palestina e em várias cidades da Síria. Este costume perpetuou-se por toda Europa, já que vemos Constantino tratar da mesma maneira os Brúcteros vencidos. Veja mais...

Referências Bibliográfias[editar | editar código-fonte]

  • A.FERRUA, Nuove tabulae lusoriae iscritte, in Epigraphica 1964, pp 3-44.
  • A.PIGANIOL, Recherches sur les jeux romains (acima, VIII);
  • G.JENNISON, Animals for Show And Pleasure in Ancient Rome: Manchester, 1937.

Corridas de quadrigas

Corridas de quadrigas[editar | editar código-fonte]

Foi na atmosfera de feérico e de realismo, de poesia e de trivialidade que se desenvolveram os jogos romanos. Mesmo as corridas de carros ou os combates de gladiadores pareciam impregnados: nada, no circo, no anfiteatro, no teatro, é apenas o que parece ser; apresentava-se tudo aureolado de uma certa extravagância e assumia uma importância sem relação com a simples realidade. A vitória de um cocheiro de carros assumia proporções de vitória nacional e, para os vencidos, de catástrofe pública. Cremos que o espírito desportivo não basta para explicar estas paixões. No Império estavam representadas quatro facções: os Brancos, os Antis, os Verdes e os Vermelhos. E o público favorecia uma ou outra, e não - como aconteceria se se tratasse de simples atração desportiva - este ou aquele cocheiro. Estas facções permaneciam, mesmo quando mudavam os condutores encarregados de fazer triunfar a sua cor. E eram sempre os mesmos fautores (hoje diríamos apoiantes) que aplaudiam. Afirmou-se recentemente que só podia haver uma razão para tal fato. Cada cor fora adotada por uma classe social, que a tomara como símbolo e se identificava com ela. Assim, verifica-se que Calígula, Nero, Domiciano, Lucio Vero, Cômodo e Elagábalo, que foram os mais "democráticos" dos Imperadores, favoreceram os Verdes.

O que implica, evidentemente, que a massa popular estava empenhada na facção verde. O Senado, pelo contrário, e a aristocracia tradicionalista identificavam-se com os Antis e é sabido que o imperador Vitélio puniu com a morte partidários dos Verdes por terem "dito mal dos Azuis". Sob a aparência de uma simples competição desportiva, estavam em jogo interesses muito mais graves: os deuses não atribuíam a vitória a quem bem entendiam? E esta vitoria não era a prova de que os deuses tinham querido favorecer, além dos cocheiros e das parelhas, todos aqueles que se tinham voluntariamente identificado com eles e lhes tinham confiado a sua sorte? Veja mais...

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

  • A.FERRUA, Nuove tabulae lusoriae iscritte, in Epigraphica 1964, pp 3-44;
  • A.PIGANIOL, Recherches sur les jeux romains (acima, VIII);
  • R.AUGUET, Cruauté et civilisation, Les Jeus romains: Paris 1970;
  • R.GOOSSENS, Note sur les factions du Cirque à Rome, in Byzantion, 1939, pp. 205-209.