Retórica e argumentação/Figuras de estilo/Analogia e argumentos analógicos (homoiotes)

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Uma analogia é a transferência de informação de um assunto para outro por meio de comparações que focam na similaridade entre as coisas comparadas. Um argumento analógico, também chamado de homoiotes, é um argumento no qual a premissa descreve semelhanças reconhecidas entre dois assuntos e a conclusão afirma a existência de mais semelhanças. “Se somos como vós no resto, também nos assemelharemos nisto.”(Shakespeare, O Mercador de Veneza). Basicamente, o raciocínio analógico segue o esquema: ‘X e Y tem tais e tais propriedades em comum. X tem uma propriedade P. Logo, Y também tem a propriedade P.’

Dos exemplos abaixo, (3) e (4) são argumentos analógicos, enquanto os demais são meras analogias sem a pretensão de se extrair uma conclusão.

Exemplo 1: Uma tensão elétrica (voltagem) alta pode não ser danosa se a corrente (amperagem) for baixa, assim como uma mangueira de jardim jorrando molha mais que uma mangueira de incêndio gotejando.

Exemplo 2: Guerrear pela paz é como fornicar pela castidade.

Exemplo 3: Eu já demonstrei, por meio de álgebra, que, dados um quadrado e um retângulo irregular de perímetros idênticos, o quadrado encerra a maior área. Isto me leva a crer que eu também possa demonstrar que, dado um cubo e um prisma de base retangular não-regular cujas áreas de superfície são idênticas, o cubo encerra o maior volume.

Exemplo 4: “Em sua declaração você alega que nossas ações, ainda que pacíficas, devem ser condenadas por precipitarem violência. Contudo, isto é uma alegação lógica? Isto não é como condenar a vítima de assalto por sua posse de dinheiro precipitar o ato vil do assalto? Isto não é como condenar Sócrates por seu inabalável comprometimento com a verdade e suas investigações filosóficas precipitarem o ato da população equivocada que o forçou a tomar cicuta? Isto não é como condenar Jesus por sua consciência divina única e sua incessante devoção à vontade de Deus precipitarem o ato vil de sua crucificação? Devemos enxergar que, assim como os tribunais federais consistentemente afirmaram, é errado exigir que um indivíduo cesse seus esforços em obter seus direitos constitucionais básicos por sua busca poder precipitar violência” (Martin Luther King, Letter from Birmingham Jail)

Exemplo 5: “Empirismo puro está para o pensamento como comer está para a digestão e absorção. Quando o empirismo se vangloria que sozinho, por meio de suas descobertas, fez progredir o conhecimento humano, é como se a boca se vangloriasse que a existência do corpo fosse trabalho só seu.” (Arthur Schopenhauer, Parerga e Paralipomena)

Exemplo 6: “O soberano que governa por meio da virtude é como a estrela polar que permanece no seu lugar, enquanto as demais lhe giram em torno.” (Confúcio, Analectos)

Uso retórico: O uso mais óbvio de uma analogia é efetuar argumentos analógicos. Deve-se tomar cuidado com este tipo de argumento pois eles não são dedutivos, ou seja, mesmo que as premissas sejam verdadeiras, não há garantias que a conclusão também o seja. Com base na analogia do exemplo 1, alguém poderia erroneamente concluir que a tensão elétrica pode ser aumentada pelo aumento da espessura da fiação.

O que um bom argumento analógico garante é que a conclusão é plausível em vista da verdade das premissas. Contudo, plausibilidade é altamente subjetiva. Considere o exemplo 1 do tópico anterior, perguntas retóricas. Na citação de Shakespeare, o personagem Shylock efetua um argumento analógico: dadas as semelhanças anatômicas entre judeus e cristãos, a vontade desses de vingar uma ofensa será semelhante a destes. Alguém que considere que a psicologia e o comportamento humanos são predominantemente influenciados pela biologia, consideraria a analogia boa. Já alguém que considere que a psicologia e o comportamento humanos são predominantemente influenciados pela cultura e pelo ambiente, consideraria a analogia ruim.

No final das contas, precisamos utilizar do nosso bom–senso para avaliar argumentos analógicos. Ainda assim, algumas heurísticas podem ser delineadas:

  • Quanto mais forte a relação entre as semelhanças reconhecidas nas premissas com a semelhança concluída, mais forte é a analogia. De nada adianta levantar um monte propriedades em comum entre duas coisas se essas nada tem a ver com a propriedade que se deseja concluir que estas tenham em comum.
  • A força do argumento analógico é proporcional à proximidade dos assuntos comparados. Por exemplo, uma analogia entre dois assuntos de biologia é mais forte que uma analogia comparando um assunto de biologia com uma de astronomia.
  • Argumentos analógicos com conclusões modestas são mais fortes que argumentos analógicos com conclusões presunçosas.
  • Argumentos analógicos envolvendo similaridades estruturais são mais fortes que aqueles envolvendo similaridades superficiais.

Sobre a uso de analogias sem a pretensão de extrair uma conclusão, analogias podem conferir um teor poético ou humorístico a um discurso. Uma analogia bonita, engraçada ou intelectualmente estimulante será mais lembrada e reproduzida que outra sentença que expresse a mesma ideia. Certamente, o exemplo 2 é mais memorável que a sentença ‘guerrear pela paz é uma atitude incoerente’.

Ademais, analogias possuem um alto potencial didático, na medida que estas permitem transportar informação de assuntos conhecidos e familiares para assuntos insólitos, tal como foi feito nos exemplos 1 e 5.