Saltar para o conteúdo

Topologia/Grupo livre e apresentação de um grupo

Origem: Wikilivros, livros abertos por um mundo aberto.

Monóide livre gerado por um conjunto

[editar | editar código-fonte]

Sejam um espaço vetorial e uma base de . Dado qualquer espaço vetorial e quaisquer elementos , existe uma aplicação linear tal que . Poderíamos dizer que isto acontece porque os elementos de uma base não estão "relacionados" uns com os outros (formalmente, são linearmente independentes). De fato, se, por exemplo, tivéssemos a relação para algum escalar (e então já não seriam linearmente independentes), então a aplicação linear podia não existir.

Consideremos um problema semelhante com grupos: dado um grupo gerado por um conjunto e dados um qualquer grupo e um qualquer conjunto , existirá sempre um morfismo de grupos tal que ? A resposta é não. Por exemplo, consideremos o grupo que é gerado pelo conjunto , o grupo (com a operação de adição) e o conjunto . Se existisse um morfismo de grupos tal que , então , o que é impossível. Mas se tivéssemos escolhido , então tal morfismo de grupos existiria e seria dado por . De fato, dado qualquer grupo e qualquer , temos um morfismo de grupos definido por (em notação multiplicativa) que verifica . De certo modo, podemos pensar que isto acontece porque os elementos do conjunto (que gera ) não verificam relações como (como ) ou . Portanto, parece que é um grupo mais "livre" do que .


O nosso objetivo nesta seção vai ser, dado um conjunto , construir um grupo gerado pelo conjunto e que seja o mais "livre" possível, no sentido de não ter de obedecer a relações como ou . Para isso, vamos começar por definir um monóide "livre" (no mesmo sentido). Informalmente, este monóide vai ser o monóide das palavras escritas com letras do "alfabeto" , onde a identidade vai ser a palavra sem letras (a "palavra vazia"), e a operação binária do monóide vai ser "juntar" duas palavras para forma uma nova palavra. A notação que vamos usar para os elementos deste monóide vai ao encontro da ideia de que os elementos deste monóide são palavras onde são letras do alfabeto . Segue-se a definição formal deste monóide.


Definição Seja um conjunto.

  1. Denotamos os -uplos (com e ) por .
  2. Denotamos , isto é, com , por .
  3. Denotamos por o conjunto .
  4. Definimos em a operação de concatenação por .


De seguida provamos que este monóide é efetivamente um monóide. Trata-se de um resultado de demonstração simples.


Proposição é um monóide com elemento neutro .

Demonstração A operação é associativa porque, dados quaisquer temos

.

É óbvio que tem elemento neutro .


Seguindo a ideia de que o monóide é o monóide mais "livre" gerado por , vamos chamar-lhe monóide livre gerado por .


Definição Seja um conjunto. Ao monóide (FM(X),*) chamamos monóide livre gerado por .


Exemplos

  1. Seja . Então e, por exemplo, .
  2. Seja . Então e, por exemplo, .


Grupo livre gerado por um conjunto

[editar | editar código-fonte]

Passemos agora à construção do grupo mais "livre" gerado por um conjunto . Informalmente, o que vamos fazer é introduzir no monóide os elementos inversos que lhe faltam para ser um grupo. Concretizando um pouco mais, vamos tomar um conjunto equipotente a , escolher uma bijecção de em e deste modo ficar com uma "associação" entre os elementos de e os elementos de . Então encaramos o elemento (com ) como tendo o elemento (com ) como inverso, onde os estão associados a , respectivamente. Notemos que a ordem dos elementos em está "invertida" porque o inverso do produto tem de ser , e os serão, respectivamente, os . A forma de fazemos com que seja o inverso de é tomar uma relação de congruência que identifica com , e passar ao quociente por esta relação (definindo depois nesse quociente, de forma natural, a operação binária do grupo, ). Ao passarmos ao quociente, estamos a formalizar a ideia intuitiva de identificar com , pois no quociente temos a igualdade . Passemos então à definição formal.


Definição Seja um conjunto. Tomemos um outro conjunto equipotente a e disjunto de e seja uma aplicação bijectiva.

  1. Para cada denotemos por , para cada denotemos por e para cada denotemos por .
  2. Seja a relação de congruência em gera por , isto é, é a interseção de todas as relações de congruência em que contêm . Denotamos o conjunto quociente por .


Frequentemente, por abuso de notação, denotamos um elemento simplesmente por .

Uma vez que a operação que queremos definir em está definida à custa de representantes particulares e das classes de equivalência e , um primeiro cuidado a ter é verificar que a definição não depende dos representantes escolhidos. Trata-se de uma verificação simples.


Lema Seja um conjunto. Fica bem definida em a operação binária por (onde é a relação de congruência de definição anterior).

Demonstração Sejam quaisquer tais que e , isto é, e . Por se relação de congruência em , temos , isto é, .


Visto então que a definição é legítima, apresentamo-la.


Definição Seja um conjunto. Definimos em a operação binária por .


Finalmente, verificamos que o grupo que construímos é efetivamente um grupo.


Proposição Seja um conjunto. é um grupo com elemento neutro e onde .

Demonstração

  1. é associativo porque
  2. Vejamos que é elemento neutro de . Seja qualquer. Temos e, analogamente, .
  3. Seja qualquer e vejamos que . Temos e, por definição de , , isto é, , logo e, analogamente, .


Analogamente ao que fizemos com o monóide livre, ao grupo mais "livre" gerado pelo conjunto vamos chamar grupo livre gerado por .


Definição Seja um conjunto. Ao grupo chamamos grupo livre gerado por .


Exemplo Seja . Escolhamos um qualquer conjunto disjunto (e equipotente) de . Seja uma (na verdade, a única) aplicação bijectiva de em . Então denotamos por e denotamos por . Passamos a encarar e como elementos inversos. Seja a relação de congruência de gerada por . é o conjunto das "palavras" escritas no alfabeto . Por exemplo, .

Temos e, por exemplo, , pois de (logo ) e de ser relação de congruência, vem que podemos "multiplicar" ambos os "membros" da relação e obter . Encaramos como significando que em temos (em rigor, ), e pensamos nesta igualdade como sendo resultado de um "anular-se" com em .

Dado , denotemos o número exato de vezes que a "letra" ocorre em por e denotemos o número exato de vezes que a "letra" ocorre em por . Então "cortando" 's com 's ficamos com uma palavra reduzida com vezes a letra (se , entendamos que não há letras e fica vezes a letra ). Denotemos este número por . Temos

  1. se e só se e
  2. .

Assim, cada elemento fica determinado pelo número inteiro e o produto de dois elementos corresponde à soma dos seus inteiros associados e . Assim, parece que o grupo é "semelhante" a . Com efeito é isomorfo a e a aplicação é um isomorfismo de grupos.

Apresentação de um grupo

[editar | editar código-fonte]

Informalmente, parece que é obtido do grupo "livre" impondo a relação . Vamos tentar formalizar esta ideia. Partimos de um conjunto que gera um grupo que queremos criar e de um conjunto de relações (tais como ou ) que os elementos de devem verificar e obtemos o grupo gerado por e que verifica as relações . Mais precisamente, escrevemos cada relação na forma (por exemplo, escreve-se na forma ) e encaramos como uma "palavra" de . Como não tem necessariamente de ser um subgrupo normal de , não podemos considerar o quociente , pelo que consideramos o quociente onde é o subgrupo normal de gerado por . Em , vamos ter , o que encaramos como significando que em os elementos e são o mesmo. Assim, vai verificar todas as relações que queremos e vai ser gerado por (mais precisamente, por ). Formalizamos de seguida esta ideia.


Definição Seja um grupo. Chamamos apresentação de , e denotamos por , a um par ordenado onde é um conjunto, e , onde é o subgrupo normal de gerado por . Numa apresentação , a chamamos conjunto gerador e a chamamos conjunto das relações.


Vejamos exemplos de apresentações do grupo livre e dos grupos , , e . Aproveitamos também os exemplos para expor alguma notação usual e mostrar que a apresentação de um grupo não tem de ser única.


Exemplos

  1. Seja um conjunto. é uma apresentação de porque , onde é o subgrupo normal de gerado por . Em particular, é uma apresentação de , mais usualmente denotada por . Outra apresentação de é , mais usualmente denotada por . Informalmente, na apresentação introduzimos um novo elemento no conjunto gerador, mas depois impomos a relação , isto é, , o que na prática é o mesmo que nem ter introduzido e ter ficado pela apresentação .
  2. Seja . (onde vezes) é uma apresentação de . Com efeito, o subgrupo de gerado por é e , logo . É mais usual denotar por .
  3. Sejam (com e distintos) e . é uma apresentação de . Informalmente, o que fazemos é impor em que haja comutatividade, isto é, , ou seja, , obtendo um grupo isomorfo a . É mais usual denotar por .
  4. Sejam e . é uma apresentação de . Informalmente, o que fazemos é impor a comutatividade da mesma forma que no exemplo anterior, e impomos ainda e para obtermos em vez de . É mais usual denotar por .
  5. , mais usualmente escrito , é uma apresentação de , o grupo das permutações de com a composição de aplicações. Para verificar isto, podemos verificar que qualquer grupo com apresentação tem exatamente seis elementos , , , , , e , e que a multiplicação destes elementos resulta na seguinte tabela de Cayley que é igual à tabela de Cayley de . Apenas para dar uma ideia de como o podemos fazer, um grupo com apresentação tem exatamente os elementos , , , , , e porque nenhuns destes elementos são iguais (as relações não permitem concluir que dois destes elementos são iguais) e porque "outros" elementos como são na realidade alguns dos elementos anteriores (por exemplo, de temos , e tomando inversos de ambos os membros, temos , que, usando , isto é, , e , resulta em ). Então, usando as relações da apresentação, podemos calcular a tabela de Cayley. Por exemplo, porque temos a relação . Outro exemplo: temos porque podemos multiplicar ambos os membros da relação por e então usar . Podíamos ter suspeitado desta representação tomando , e e depois, tentando construir a tabela de Cayley de , descoberto que tal era possível se soubéssemos que .


É natural perguntar se todo o grupo tem uma apresentação. O teorema seguinte diz-nos que sim, e dá-nos até uma apresentação.


Teorema Sejam um grupo.

  1. A aplicação definida por (onde ) é um epimorfismo de grupos.
  2. é uma apresentação de .

Demonstração

  1. está bem definida porque todo o elemento de tem uma representação única na forma com , a menos de surgir várias vezes na representação, o que não afeta o valor de . Sejam quaisquer, onde . Temos , logo é morfismo de grupos. Como , então é epimorfismo de grupos.
  2. Pelo primeiro teorema do isomorfismo (para grupos), temos , logo é uma apresentação de .


O teorema anterior, embora dê uma apresentação do grupo , não nos dá uma "boa" apresentação, pois o conjunto gerador é usualmente bastante maior do que outros conjuntos geradores, e o conjunto das relações é também usualmente bastante maior do que outros conjuntos de relações suficientes (é até um subgrupo normal de , quando bastava que gerasse um subgrupo normal apropriado).