Culinária gaúcha/A Ovelha

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A ovelha.

No Rio Grande do Sul o ovino é abatido quando jovem (cordeiro) e quando adulto (ovelha ou capão). O cordeiro serve para ensopados e assados sensacionais, verdadeiras delícias dos deuses. A ovelha e o capão fornecem variados pratos.

O ovino é pendurado pela pata esquerda num galho de árvore e morre sangrado nas carótidas. Se berra ao ser pendurada não morre, porque o gaúcho acredita que foi escolhido por Nossa Senhora.

Ao ser sangrado escorre muito sangue que muita gente aproveita, aparando-o numa bacia onde já tem pouco de limão e vinagre, mexendo-o constantemente. Com esse sangue se prepara o sarrabulho. Morta a ovelha, é riscada e carneada imediatamente, com muita facilidade porque o couro se despega facilmente da carne, ficando apenas com couro a pata esquerda pela qual o animal está pendurado.

Coureada a ovelha cortam-lhe as patas, com as quais se faz um excelente mocotó. Aí o animal é aberto com um risco vertical de baixo para cima com todo cuidado para que não se corte alguma tripa, que estragaria a carne. As frissuras (as vísceras) são retiradas, primeiro as tripas e a buchada, depois os bofes, coração, fígado, a goela e a cabeça. Finalmente os rins, envoltos em gordura. Tudo isso é depositado cuidadosamente sobre o couro do animal que está estendido no chão com o carnal para cima. Esse ato tem que ser cheio de atenção para que nada toque a lã da ovelha, o que estragaria tudo pelo mau cheiro assim ocasionado.

Normalmente algum guri pede nessa hora os rins, o coração e a tripa gorda para assar. O carneador comumente reserva para si o sangrador, carne fibrosa e rija da base inferior do pescoço, mas muito saborosa. O bofe, o fígado e a passarinha se dão para os pobres, que os aferventam preparando vários pratos deliciosos. As tripas, depois de aferventados também fornecem a base para pratos fritos ou assados, embora não sejam tão populares no RS como no Prata. O mondongo é um caso à parte. Não há gaúcho que o dispense, rico ou pobre. Tem que ser pelado e limpo com o máximo cuidado e depois de aferventado é cortado em tiras ou guisado. Ou então é recheado com miúdos e, atado na boca formando uma sacola, fervido em grande panela de ferro num caldo com vegetais onde entra até a raiz de caraguatá e mamão verde. Esse tem o nome de chôto e pode ser servido frio ou em fatias, o caldo tomado como sopa.

A cabeça é sempre assada, com língua, miolos e olhos, no forno ou enterrada e saboreada quente ou fria.

Tudo é tirado da ovelha a ponta de faca. Para se comerem os miolos abre-se a cabeça a machado ou serrote.

Da carcaça pendurada da ovelha tiram-se os dois costilhares (quarto, costela e paleta) restando apenas o espinhaço desde o rabinho até o pescoço. O espinhaço se usa para sopas e para canjicas e até no feijão. Prato especialmente delicioso é a canjica de trigo com espinhaço.

Os quartos e a paleta podem ser charqueados (e para muitos gaúchos esse é o melhor charque), fornecendo a base de pratos muito variados. Mas podem também servir como churrasco, assado, carne assada ou frita. Também fornecem bifes deliciosos. Assar um quarto de ovelha inteiro é façanha de grandes assadores, porque a carne da ovelha não pode ser saboreada sangrando (tem que ser assada parelha) e porque o sal não chega facilmente ao interior do quarto.

As costelas dão excelente churrasco, assados, carne de panela e fritadas, aparecendo também em sopas, feijão e até no arroz.

  • Observação: a gordura ovina merece cuidados especiais, porque é mais indigesta que qualquer outra.