A Cidade do Rio de Janeiro no Século XVII/A Cidade Desce o Morro

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No início do século XVII, a cidade do Rio de Janeiro começou a descer o morro do Castelo, no qual havia se instalado no século anterior, e começou a ocupar a várzea que ficava localizada entre quatro grandes morros: o morro do Castelo, o morro de Santo Antônio, o morro de São Bento e o morro da Conceição.

Mapa de 1713 da cidade do Rio de Janeiro delimitada pelos morros do Castelo e de Santo Antônio, à esquerda, e pelos morros da Conceição e do São Bento, à direita

O morro do Castelo, também chamado morro do Descanso, morro de São Januário, alto da Sé ou alto de São Sebastião, havia sido ocupado no século anterior. Lá, já se localizavam: a igreja de São Sebastião (a sé da cidade); a casa da Câmara e Cadeia; a casa do Governador; a igreja dos Jesuítas; e o colégio de São Sebastião. Os dois últimos, pertencentes aos padres jesuítas. A estrutura defensiva que protegia o morro era constituída por: uma muralha de taipa, pedra e entulho; um fosso com 1 408 metros de extensão; um forte no alto do morro, chamado de reduto de São Januário ou fortaleza de São Sebastião do Castelo; e um forte no porto, chamado forte de São Tiago, que correspondia à antiga bateria de Santiago, após esta ter sido ampliada em 1603.[1]

Antiga Sé, no alto do morro do Castelo, em pintura do século 19
Morro do Castelo, em pintura do século 19
Museu Histórico Nacional. Em primeiro plano, os resquícios do forte de São Tiago.

O forte de São Tiago, após sucessivas ampliações e reformas, daria origem ao atual prédio do Museu Histórico Nacional. A construção de tais estruturas defensivas havia sido iniciada no século XVI pelo governador Mem de Sá, mas só veio a ser concluída no início do século XVII pelo governador Martim Correia de Sá (1602-1608). Deveu-se ao aspecto militar gerado por esta estrutura defensiva a designação popular do morro como "Morro do Castelo".[2] O morro do Castelo se ligava ao Engenho do Rei, às margens da lagoa de Amorim Soares ou lagoa de Sacopenapã (a atual lagoa Rodrigo de Freitas), pelo caminho do Catete (atual rua do Catete), trilha indígena que acompanhava o rio Catete e que já existia desde antes da chegada dos portugueses à região.

A atual Rua do Catete

Aliás, o idioma predominante na cidade, até o século anterior, havia sido o idioma dos índios locais: o tupi, que somente veio a ser suplantado na cidade pelo português no início do século XVII.[3] Entre 1602 e 1608, no primeiro mandato de Martim Correia de Sá como governador da Capitania do Rio de Janeiro (era a primeira vez que um natural da terra ocupava o posto), foi construído o fortim de Santa Cruz, na várzea entre os quatro morros da cidade. Mais tarde, no segundo mandato de Martim, o fortim foi substituído pela igreja de Santa Cruz dos Militares. Em 1602, a igreja no alto do morro de São Bento, que era dedicada a Nossa Senhora da Conceição, passou a ser dedicada a Nossa Senhora do Monte Serreado, a pedido do governador-geral do Brasil, dom Francisco de Souza, que era devoto da mesma.[4]

Por volta de 1603, foi construída, no engenho do Rei, uma capela consagrada a Nossa Senhora da Cabeça. A capela existe até hoje no número oitenta da Rua Faro, no bairro do Jardim Botânico.[5] Entre 1606 e 1620, a velha casa de pedra na foz do rio Carioca, que havia sido construída por Gonçalo Coelho no século anterior e que havia sido destruída por uma ressaca e reconstruída, foi ocupada pelo sapateiro Sebastião Gonçalves. Por esse motivo, a praia da região, que já era conhecida como praia do Flamengo, também ficou conhecida como praia do Sapateiro.[6] Em 1608, os padres franciscanos começaram a construir o convento de Santo Antônio, no morro de mesmo nome. As obras terminaram em 1620.

Convento de Santo Antônio
Em pintura do século 19, monges franciscanos no morro de Santo Antônio. À direita, o morro do Castelo.

O morro da Conceição localiza-se próximo ao morro de São Bento. Seu nome vem de uma capela construída no alto do morro no final do século XVI e dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

Vista do Rio de Janeiro, a partir do Morro da Conceição, em pintura do século 19

No início do século, foi aberta a rua dos Pescadores, a atual rua Visconde de Inhaúma, no Centro. Os viajantes estrangeiros a consideravam "a pior rua do Rio de Janeiro".[7]

Em 1609, a atual lagoa Rodrigo de Freitas se chamava lagoa de Amorim Soares, mesmo nome do proprietário das terras ao redor da lagoa. A região era ocupada pela cultura da cana-de-açúcar, com mão de obra escrava. Nesse ano, as terras foram vendidas para Sebastião Fagundes Varela, que passou a ter a posse de toda a região desde o atual bairro do Humaitá até o bairro atual do Leblon. A lagoa, então, passou a se chamar lagoa do Fagundes.

Lagoa Rodrigo de Freitas, em foto do século 21

No mesmo ano, teria sido construída uma pequena ermida em homenagem a Nossa Senhora da Candelária por um casal de espanhóis que teria se salvado miraculosamente do naufrágio de um navio chamado Candelária. Essa ermida seria posteriormente ampliada, vindo a constituir-se na atual Igreja de Nossa Senhora da Candelária. Em 1613, foi construída a capela de Nossa Senhora da Apresentação, em torno da qual se formaria o atual bairro de Irajá.

Igreja de Nossa Senhora da Apresentação

Em 1618, foi construído o reduto de São Diogo, na Cidade Velha (local de fundação da cidade no século anterior, no sopé do morro Cara de Cão). A partir de então, o complexo de redutos na Cidade Velha passou a ser chamada de fortaleza de São João da Barra do Rio de Janeiro. Tal fortaleza tinha, por missão, a proteção da entrada da baía de Guanabara, junto com as fortalezas de Santa Cruz da Barra, do outro lado da baía, e o forte da Laje, no meio da entrada da baía.

Entrada da baía de Guanabara. Em primeiro plano, a fortaleza de Santa Cruz.

Em 1619, os frades da Ordem do Carmo foram autorizados a iniciar a construção de uma igreja no lugar de uma antiga ermida dedicada a Nossa Senhora do Ó à beira-mar. Para a construção, foram utilizadas pedras da ilha das Enxadas, na baía de Guanabara. Com o tempo, a cidade foi aterrando a região em frente à igreja, originando, assim, a atual praça 15 de Novembro.[8] Era nesse local que os os escravos africanos eram desembarcados, vindos de Angola.[9] Eles eram negociados logo adiante, na então rua Direita (a atual rua 1º de Março).[10]

Em 1622, foi inaugurada a igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho, que daria origem ao bairro da Tijuca. Na época, o santo espanhol acabara de ser canonizado pelo papa Gregório XV.[11]

Igreja de São Francisco Xavier do Engenho Velho

Em 1624, o temor de um ataque neerlandês à cidade levou à construção de uma fortaleza na ilha das Cobras, ao lado do morro de São Bento: a fortaleza de São José da Ilha das Cobras. Em 1624, foi construída a capela de São Gonçalo, em Jacarepaguá, que existe até hoje.[12]

Em 1627, os padres jesuítas construíram a igreja de São Cristóvão, que viria a dar origem ao atual bairro homônimo. Na época, a igreja ficava à beira-mar, situação que viria a ser alterada posteriormente devido aos inúmeros aterros[13]. Em 1628, foi construída a igreja de Nossa Senhora do Desterro, em Pedra de Guaratiba, por Jerônimo Velozo Cubas. A igreja continua de pé até hoje, sendo a terceira igreja mais antiga da cidade.[14] Em 1633, começaram as obras de ampliação da igreja e do mosteiro dos monges beneditinos no morro de São Bento. A pedra utilizada na obra era procedente do morro da Viúva, no atual bairro do Flamengo. O projeto da igreja havia sido feito em 1617 pelo engenheiro militar Francisco de Frias da Mesquita, que já havia orientado a construção de vários fortes ao longo do litoral brasileiro desde 1603. O trabalho braçal, no entanto, foi executado por escravos.[15] Em 1634, foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no alto do Morro da Conceição[16]. Em 1635, foi construída uma pequena e rústica igreja no alto de um rochedo, dedicada a Nossa Senhora da Penha de França, por iniciativa do capitão Baltazar de Abreu Cardoso, com mão de obra escrava. Essa igreja, com escadaria cavada na pedra, viria posteriormente a nomear o bairro da Penha.[17].

Em 1636, a casa de Câmara e Cadeia se transferiu do morro do Castelo para uma casa térrea ao lado da igreja de São José, no sopé do morro.[18] O principal porto da cidade era o utilizado pelos jesuítas e se localizava no local atual da praça 15 de Novembro. Em 1637, a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso foi trazida de Portugal e instalada na igreja da Misericórdia, na Santa Casa da Misericórdia, na base do morro do Castelo. Por este motivo, a igreja mudou sua denominação para igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso.[19].

Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso
Interior da Igreja da Nossa Senhora do Bonsucesso

Em 1638, passou, pela cidade, o padre jesuíta peruano Antonio Ruiz de Montoya em sua viagem até a Europa, procedente das missões jesuíticas do Paraguai. Montoya iria se queixar, perante as autoridades europeias, sobre os ataques dos bandeirantes paulistas às missões jesuítas no interior do continente. Montoya se notabilizaria por ter escrito a primeira gramática da língua guarani, o Tesoro de la Lengua Guaraní, que viria a ser publicada no ano seguinte, em Madri, na Espanha. Em 1639, novamente o temor de um ataque neerlandês levou à reforma da fortaleza na Ilha das Cobras, que passou a se chamar fortaleza de Santa Margarida da Ilha das Cobras, em homenagem à vice-rainha de Portugal, Margarida de Saboia. No mesmo ano, negros (escravos e alforriados) fundaram a confraria de Nossa Senhora do Rosário, tendo, como santa de devoção, a imagem de Nossa Senhora do Rosário que se localizava na igreja de São Sebastião, no morro do Castelo.[20] Em 1641, a cidade comemorou a coroação de dom João V como rei de Portugal com a encenação de uma peça no largo do Paço.[21]

Dom João V de Portugal

Em 1644, foi criada a freguesia de Irajá.[22]

Brasão de Irajá, da época em que o bairro fazia parte do estado da Guanabara (1960-1975). A abelha presente no brasão se refere à origem etimológica do topônimo "Irajá", eíraîá, termo tupi que significa "que está repleto de mel".[23]

Em 1645, uma expedição chefiada por Francisco de Souto Maior partiu da cidade para lutar contra a dominação neerlandesa de Angola.[24] Em 26 de novembro de 1646, a câmara de vereadores da cidade decidiu angariar recursos através de doações e da venda de terrenos no litoral entre a Praia de Santa Luzia e o Morro de São Bento, objetivando a ampliação da fortaleza na ilha da Lage, na entrada da baía de Guanabara. A medida era preventiva contra uma eventual invasão neerlandesa, já que estes haviam acabado de invadir o nordeste brasileiro.[25]

Em 1648, uma frota de quinze navios com 1 400 homens sob o comando de Salvador Correia de Sá e Benevides, filho de Martim Correia de Sá, partiu da cidade com destino a Angola e São Tomé e Príncipe, na África. O seu objetivo era recuperar essas possessões portuguesas, então sob controle neerlandês. A população da cidade financiou a expedição com a quantia de 60 000 cruzados. Era importante recuperar o controle português em Angola, pois era de lá que vinha a maior parte dos escravos utilizados nos engenhos de cana-de-açúcar brasileiros da época: era o chamado "ciclo de Angola" do tráfico negreiro, que durou todo o século 17.[26]

A expedição foi vitoriosa, desfechando um poderoso golpe contra as possessões neerlandesas no nordeste brasileiro, que perderam sua principal fonte de mão de obra escrava. Durante todo o século, a cidade teve papel destacado na luta contra as invasões neerlandesas na África e no nordeste brasileiro.[27][28] Salvador Correia de Sá e Benevides fazia parte da família do fundador da cidade, Estácio de Sá. A família Sá possuía extensas plantações de cana-de-açúcar na região do atual bairro de São Conrado, geridas com mão de obra escrava.[29]

Em meados do século, a rua Antônio Nabo, que ligava o porto ao morro de Santo Antônio, passou a ser chamada de rua São José, por passar ao lado da igreja homônima.[30]

Em 1667, a confraria de Nossa Senhora do Rosário se uniu à confraria de São Benedito (também formada por negros) para formar a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, também sediada no morro do Castelo.[31]

Ao longo do século, foi formada, por aterro, a praia Vermelha, na Urca. Ela uniu, ao continente, a ilha que era constituída pelos morros Cara de Cão, Pão de Açúcar e Urca.[32]

Referências

  1. http://www.museuhistoriconacional.com.br/
  2. http://www.marcillio.com/rio/encechil.html
  3. http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/brasil/idioma-do-brasil.php
  4. ROCHA, M. R. The Church of the Monastery of Saint Benedict of Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Studio HMF: Lúmen Christi, 1992. p. 28
  5. http://rio-curioso.blogspot.com/2009/03/capela-nossa-senhora-da-cabeca.html
  6. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hisfla1.htm
  7. http://www.marcillio.com/rio/encerbes.html
  8. http://www.jblog.com.br/rioantigo.php
  9. BUENO, E. Brasil: uma história. 2ª edição. São Paulo. Ática. 2003. p. 115.
  10. Guia do estudante. Disponível em http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/saiba-tudo-cais-valongo-local-onde-entravam-africanos-escravos-brasil-seculo-xix-731373.shtml. Acesso em 24 de janeiro de 2014.
  11. http://www.metrorio.com.br/estacao_saofranciscoxavier.htm
  12. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hrsxvii.htm
  13. http://rio-curioso.blogspot.com/2008/09/igreja-de-so-cristvo.html
  14. http://www.portalguaratiba.com.br/2010/noticias/170505_a+historia+da+igreja+de+nossa+senhora+do+desterro+em+pedra+de+guaratiba.html
  15. ROCHA, M. R. The Church of the Monastery of Saint Benedict of Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Studio HMF: Lúmen Christi, 1992. p. 14
  16. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hrsxvii.htm
  17. http://www.rio.rj.gov.br/riotur/pt/atracao/?CodAtr=3905
  18. http://www.camara.rj.gov.br/historia_imperio.php?m1=acamrio&m2=historia
  19. http://www.marcillio.com/rio/enceprma.html
  20. http://www.irmandadedoshomenspretos.org.br/igreja_de_nossa_senhora_do_rosario.htm
  21. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hrsxvii.htm
  22. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hrsxvii.htm
  23. NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 570.
  24. http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/hrsxvii.htm
  25. http://www0.rio.rj.gov.br/rio_memoria/
  26. BUENO, E. Brasil: uma história. 2ª edição. São Paulo. Ática. 2003. p. 115.
  27. http://www.marcillio.com/rio/hisxviis.html#ang
  28. http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=131&breadcrumb=1&Artigo_ID=1775&IDCategoria=1851&reftype=1
  29. http://www.marcillio.com/rio/ensconra.html
  30. http://www.flickr.com/photos/leo_museu/4334668104/
  31. http://www.irmandadedoshomenspretos.org.br/igreja_de_nossa_senhora_do_rosario.htm
  32. http://www.amabotafogo.org.br/2006/historia/guanabara.asp