Uma História do Japão até 1334/Capítulo XX - Após a Invasão Mongol/1. As consequências Econômicas
1. As Conseqüências Econômicas
[editar | editar código-fonte]A notícia de que segunda invasão dos mongóis foi repelida chegou a Corte em Quioto em 23 de setembro de 1281 e foi rapidamente transmitida para Kamakura. O Imperador Aposentado Kameyama peregrinou para o Santuário Iwashimizu, onde a vitória foi celebrada pela leitura de passagens do Cânone budista.
O sucesso do Exército Japonês foi além de todas as expectativas, e embora a Corte e o Bakufu estivessem muito dispostos a fazer eco ao clero dando graças aos poderes divinos que salvaram o país, não há dúvida de que a causa direta da vitória foi a coragem e a disciplina de uma classe militar que havia sido formada e nutrida por Minamoto no Yoritomo e seus sucessores. Nos dias que antecederam a vitória, os partidários fervorosos da Corte culparam os samurais pelos infortúnios que atingiram a dinastia reinante, mas o certo é que se Go-Toba em 1221 - ou qualquer outro soberano durante os séculos XII ou XIII - conseguissem restaurar o poder ao trono, não haveria dinastia para proteger em 1281, pois não haveria um exército numeroso ou samurais suficientes para repelir os ataques mongóis. O desenvolvimento de um estado feudal bem organizado foi, portanto, organizado no tempo certo para o Japão, e muito crédito é devido aos líderes que o construíram, desde Yoritomo até os Regentes Hōjō, em particular Hōjō Tokiyori e Hōjō Tokimune.
Mas o Bakufu Kamakura teve que pagar um alto preço por salvar o país. A mobilização de uma grande força e sua manutenção no campo de batalha sobrecarregaram os recursos do país e colocaram um grande fardo de responsabilidade sobre os líderes militares. A repulsa dos invasores não pôs fim à responsabilidade do Bakufu, pois eles se sentiram obrigados a continuar mobilizando as tropas por vários anos. Pouco depois de receber a notícia da vitória, em 1281, enviaram um oficial de alta patente para supervisionar os trabalhos de defesa na Província de Harina, na entrada leste do Mar Interior de Seto. Os samurais no Circuito Ocidental (San'yōdō, o lado sul da cadeia de montanhas que corta a ilha de Honshū) foram colocados sob seu comando, enquanto isso em Kyūshū o líder do Clã Shoni e outros comissários de defesa receberam ordens para impedir que os vassalos da ilha deixassem seus feudos e garantissem que todos os Daimiôs (Senhores de Terra) e outros oficiais estivessem constantemente preparados para as hostilidades. Todos os navios de alto mar deveriam ser cuidadosamente examinados e, em geral, medidas rigorosas deveriam ser tomadas para impedir a fuga de prisioneiros de guerra. Assim Kyūshū permaneceu em alerta, como se um estado de guerra ainda estivesse em vigor.
Esta linha tomada pelo Bakufu foi importante. Nenhum comando militar poderia se dar ao luxo de relaxar as precauções, desde que a ameaça de invasões permanecesse. Durante alguns anos, o perigo de um terceiro ataque mongol foi real o suficiente para tornar prudente, se não essencial, que o Bakufu continuassem a fortalecer os trabalhos de defesa e a manter os vassalos mobilizados. Os relatos destas precauções continuadas alcançaram os coreanos. Que já estavam alarmados com as surtidas e incursões lideradas por chefes guerreiros japoneses coroadas com seus sucessos recentes, que ganharam algum lucro com a navegação à costa da Coréia. Os oficiais da Coréia até temiam um desembarque em larga escala e pediram aos mongóis que enviassem tropas para reforçar suas próprias defesas. O rei da Coréia chegou a pressionar os mongóis para atacar o Japão mais uma vez e se ofereceu para construir 150 navios de guerra para esse fim. Os mongóis começaram a construir mais navios para esse fim, usando madeira da Região de Yalu (fronteira da Coréia com a China).
Notícias dessas atividades chegaram ao Japão e deram aval a resolução do Bakufu em manter as defesas ativadas. Em 1282, Hōjō Tokisada foi enviado à Província de Chikuzen para fortalecer a linha de defesa. Este montou seu quartel-general perto de Hakata. Enquanto isso, os mongóis estavam se preparando. Eles montaram um plano de invasão e ordenaram que a Coreia preparasse uma base para suprimentos, com um grande estoque de provisões. Foi decidido preparar a invasão para o outono de 1823. A notícia dessa intenção chegou aos ouvidos dos japoneses em junho daquele ano, e um emissário especial foi enviado a Província de Harina para cuidar das defesas costeiras das províncias, onde um ataque inimigo poderia colocar em risco a capital Quioto e a Corte Imperial. Todos os guerreiros de Kyūshū foram colocados em alerta por Tokisada em Hakata e todos os homens disponíveis foram chamados para o serviço ativo. [1]
No final de 1282, o ataque era esperado a qualquer momento. Mas não veio, por razões das quais os japoneses não sabiam. Eles tinham relatórios de inteligência sobre a Coréia, mas não sabiam nada do que ocorria em outros lugares do Grande Império Mongol que se estendia pela Ásia e pela maior parte da Europa, e não podiam prever que a grande estratégia de seus governantes deixaria o Japão sem serem perturbados. Consequentemente, o Bakufu continuou com suas precauções, e um grande número de vassalos foram mantidos em serviço de defesa até 1294, quando Khublai Khan morreu e seu sucessor, Temür Khan, achou prudente reduzir as conquistas de seu império ao norte. Já em 1286 os coreanos haviam sido informados por Khublai para cessar a construção de navios, mas não se sabe se os japoneses soubessem disso; e mesmo depois da morte de Khublai, quando os monges budistas atravessaram a fronteira da China e descreveram a situação lá, o Bakufu não se atreveu a correr o risco de desmobilização total. Precauções continuaram por mais uma década, embora em escala decrescente.
A carência de recursos decorrente do extenso tempo de mobilização fez com que os guerreiros não fossem recompensados como antes. O sentimento de desprezo de muitos dos principais vassalos, alguns dos quais estavam em verdadeira angústia, facilmente se transformaram em animosidade dirigida contra o Bakufu. Assim, os próprios alicerces do edifício feudal enfraqueceram-se, pois o Bakufu dependia de seu sucesso, de fato por sua própria existência, da lealdade dos vassalos.
Os lideres dos clãs samurais, devemos notar, não só exigiam compensação por seus gastos, mas também desejaram recompensas por seu serviço leal. Eles sentiram que haviam salvado o país. E também não estavam sozinhos em reivindicar recompensas. Os grandes santuários e mosteiros que rezaram pela vitória em ambas as campanhas foram contundentes em suas afirmações de que foram seus esforços que persuadiram o poder divino, os Deuses e os Budas, a destruir o exército inimigo em duas ocasiões.
Desta forma, o Bakufu estava em uma situação muito embaraçosa. O Shōgun, falando através do regente, poderia, por uma questão de disciplina feudal, obrigar os vassalos - os cidadãos de Kent em particular - a esperar pacientemente por suas recompensas. Mas havia alguns cuja necessidade era muito urgente, e era difícil para os senhores feudais negar o alívio. Mais premente, embora nem sempre mais merecedora, eram as reivindicações daqueles guerreiros que não deviam fidelidade ao Clã Minamoto, mas haviam participado das campanhas por dever patriótico. Eles não podiam ser silenciados por ordens de Kamakura.
Do ponto de vista do Bakufu, as reivindicações mais urgentes eram as dos estabelecimentos religiosos. Eles não deviam lealdade aos chefes militares; mas os mosteiros e santuários maiores tinham muita influência na Corte e em todo o país - os próprios governantes Hōjō eram budistas devotos e, ao mesmo tempo, adoradores das divindades nacionais. De fato, desde os dias de Yoritomo, os líderes da sociedade feudal geralmente foram generosos em seus donativos para os templos. Além disso, o sentimento popular apoiaria as alegações dos templos, porque geralmente se sentia que a salvação do país se devia a intercessão do clero.
Assim, os Bakufu não podiam deixar de reconhecer as reivindicações dos corpos religiosos e se sentiam obrigados a dar-lhes preferência. Mas o novo regente Hōjō Sadatoki, que sucedeu a Tokimune em 1284, encontrou-se em uma posição desconfortável, pois não havia quase nada para distribuir. As fontes de recompensa haviam secado; por uma década ou mais, o país consumia mais do que produzia. Até então, após as guerras civis ou tumultos, tinha sido fácil para os vencedores premiar seus partidários, uma vez que poderiam entregar aos aliados que mereciam as propriedades dos vencidos. Mas depois das invasões mongóis, não havia espólio para distribuir nem riqueza recém-criada com a qual recompensar os vassalos. Em 1284, alguns valiosos direitos senhoriais foram concedidos a certos santuários, mas tais fontes de benfeitoria eram muito escassas e apenas algumas reivindicações puderam ser satisfeitas.
A pressão sobre o Bakufu era forte e persistente. Como podemos ver pela consulta de uma das mais valiosas fontes de informação sobre os combates durante o primeiro ataque mongol. É um famoso texto em emakimono (rolo de pintura), conhecido como Mōko Shūrai Ekotoba, que ilustra o relato das experiências de batalha escritas por um samurai chamado Takezaki Suenaga. Seu caso era exemplar, assim como muitos outros. Mas o Bakufu não tinha mais nada a oferecer para eles além de alguns campos recém-arados e alguns feudos confiscados sem grande valor. Como estes claramente não eram suficientes para satisfazer qualquer demanda importante, o Bakufu recorreu a ações desesperadas, como dividir uma administração (jito-shiki), conceder os mesmos títulos de terra a vários candidatos, ou obrigá-los a fazer um sorteio pelo titulo. O Bakufu até procurou por falhas nos títulos de alguns proprietários de terras, e confiscou propriedades que tinham dado anteriormente. Em casos extremos, as mansões eram tiradas dos nobres da corte e até da Coroa, geralmente sob o pretexto de problemas com a concessão.
Quando tais expedientes foram esgotados, a Corte de Kamakura foi obrigada a recusar-se a ouvir outras queixas. Peticionários de Kyūshū - samurais que participaram da defesa ocidental que tinham suportado o peso das batalhas - foram instruídos a se dirigirem aos chefes de segurança de suas respectivas regiões: Shōni, Ōtomo, Shimazu e Shibuya, que representavam o Shōgun da mesma forma que os dirigentes do Rokuhara. Este dispositivo apenas transferiu o fardo dos ombros do Bakufu. Os vassalos foram proibidos de recorrer pessoalmente a Kamakura ou aos tribunais de inquérito de Rokuhara. Isso ocorria em agosto de 1286, mais de cinco anos após a segunda invasão mongol e os casos se arrastavam por vários anos com pouca perspectiva de solução.
Diferentemente dessa situação, no final da Guerra de Genpei em 1185, graças à oportunidade de empreendimento pacífico conferido ao povo em geral pela vitória de Minamoto no Yoritomo, ele e seus sucessores conseguiram estabelecer um governo firme. É bem verdade que grande parte da legislação do século XIII foi criada para proteger os vassalos contra a pressão de um comércio interno em rápido desenvolvimento e o crescimento de uma classe mercantil cujos interesses estavam em desacordo com os dos samurais que vivem das rendas das propriedades fundiárias.
As razões para a expansão total da economia foram numerosas. A crescente demanda dos vassalos mais ricos por bens de todos os tipos estimulou a produção em todo o país no exato momento em que o desenvolvimento do comércio com a China estava aumentando a produção de bens para exportação, bem como o consumo doméstico. Embora esse comércio exterior tenha sido em parte uma conseqüência natural das relações amistosas entre o Japão e o sul da China (que os monges zen de ambos os países fizeram muito para promover), foi basicamente uma consequência das grandes melhorias na construção naval e navegação durante a Dinastia Sung no século XIII, antes de ser submetida pelos mongóis. Essas circunstâncias coincidiram ou ajudaram a produzir um rápido aumento das habilidades técnicas e da organização mercantil no Japão. Havia uma demanda chinesa firme por certas commodities japonesas, enquanto os japoneses importavam grandes quantidades de moedas de cobre da China, em parte para uso industrial, mas principalmente (como vimos) como moeda para facilitar as trocas domésticas. Aconteceu também que, no final do século XII, ricos depósitos de ouro foram descobertos no norte do Japão, e parte dessa riqueza foi aplicada na compra de produtos chineses.
Este desenvolvimento, embora beneficiassem certos clãs samurais cujos feudos estavam convenientemente situados em províncias costeiras, eram desfavoráveis à maioria dos vassalos, que viviam com rendimentos fixos baseados na venda de arroz ou outros produtos agrícolas, de modo que a expansão geral do comércio colocou-os em desvantagem. Como seria de esperar, o nível de preços da maioria das commodities subiu mais do que o preço dos produtos agrícolas. Alguns samurais encontraram uma maneira de ajustar seu padrão de vida às novas condições, o restante ficou em dívida com a nova classe mercantil, mais comumente com financistas e agiotas que exigiam um alto retorno por seus serviços.
A partir dessa época vimos que muitos vassalos se encontravam em crescente dificuldade financeira e não conseguiam encontrar uma saída, a não ser hipotecar suas terras. Era para protegê-los - os Samurais como uma classe - que o Bakufu, em intervalos freqüentes após 1232, emitissem decretos conhecidos como tokusei (atos de graça), pelos quais decretavam taxas máximas de juros ou o cancelamento parcial de dívidas. Essas medidas foram comuns durante as três ou quatro décadas que precederam as invasões mongóis, desta forma as dificuldades financeiras dos Samurais daquela época não podem ser relacionadas exclusivamente às suas contribuições para a defesa.
É verdade, no entanto, que a economia sofreu uma retração causada pelo desvio dos esforços militares de defesa por quase duas décadas, a partir de 1274. Nos últimos anos do século XIII, o establishment feudal ficou ameaçado pelos problemas financeiros que muitos vassalos importantes contraíram. Sua condição é bem ilustrada pelo Ato de Graça de 1297, que foi criado para evitar sua ruína financeira.
Suas disposições foram drásticas. Reafirmou e fortaleceu as ordens anteriores que limitavam a transferência de feudos para pessoas fora da jurisdição do Bakufu. Não apenas proibiu as vendas, como ordenou que os feudos que foram vendidos anteriormente fossem devolvidos a seus proprietários originais, a menos que a venda tivesse aprovação oficial. O tokusei também cancelou todos os empréstimos pessoais, com algumas exceções, em que as garantias foram mantidas pelo credor. Mudanças tão profundas naturalmente causaram alarme entre os financistas e agiotas, levando a uma sucessão de processos e uma multiplicidade de dispositivos para fugir da lei. Não demorou muito para que as novas regras se mostrassem impraticáveis e o governo foi obrigado a reconhecer que os interesses da sociedade feudal deveriam ser atendidos, melhorando ao invés de atacar o sistema de crédito. Essas mudanças foram, feitas menos de um ano após a edição do Ato de Graça de 1297, na esperança de aliviar a situação dos credores. Mas nada disso poderia trazer uma melhoria real na situação dos Samurais, pois suas rendas eram fixas, suas famílias cresciam cada vez mais e seus gastos continuavam a aumentar. De fato, uma condição de endividamento, se não de insolvência, tornou-se endêmica entre os Samurais.
Apesar do fracasso dos Atos de Graça durante o século XIII, foram frequentemente baixados durante o século seguinte, por desespero e não por esperança, e sem sucesso algum. Os emitidos pelos Bakufu não trouxeram qualquer vantagem para os samurais insolventes em geral, e uma vez que tais medidas favoreciam os devedores contra os credores. Muitos membros da classe guerreira que foram prudentes ou afortunados o suficiente para melhorar suas fortunas e acabaram por emprestar dinheiro para outros samurais ficaram ressentidos com as constantes edições de novos tokuseis. Em suma, os atos de graça foram apenas confissões de seu fracasso por parte do governo Kamakura. Esse fracasso foi o prelúdio da deterioração dos padrões de probidade que distinguiram os grandes regentes e levaram à queda o Bakufu a sua queda.
Embora fosse um erro atribuir o declínio dos Regentes Hōjō às causas econômicas, o colapso final de seu governo está, de certo modo, ligado à insolvência do governo Kamakura. Seu fracasso não pode ser atribuído à forma como conduziram os problemas da nação, pois os problemas financeiros ja existiam mesmo sob o regime de homens austeros como Hōjō Tokiyori, que era honesto e capaz. Também não se pode dizer que suas políticas foram prejudiciais à economia da nação, uma vez que (como observamos) houve uma expansão acentuada na quantidade total de bens produzidos e commodities comercializadas em todo o país nos últimos dez anos ou mesmo anteriormente, século XIII.
A nação em geral, portanto, não tinha motivos para desejar a derrubada do governo Kamakura. Pelo contrário, à medida que a prosperidade aumentava, era desfrutada por uma classe crescente de comerciantes, banqueiros, proprietários de terras que cultivavam suas fazendas com fins lucrativos, comerciantes de varejo e os numerosos funcionários que se empregavam como oficiais de justiça, mordomos, contadores e demais funcionários públicos. Essas pessoas resistiram aos esforços do Bakufu em proteger os vassalos contra seus credores, mas estas novas camadas não queriam perturbar a ordem estabelecida.
A posição do governo Kamakura no final do século XIII, oferece um exemplo interessante do que parece ser uma regra geral, de que mesmo o governo mais eficiente e confiável está em perigo se se tornar empobrecido. Todo passo corretivo necessário para equilibrar as rendas com as despesas esbarrava cada vez mais nos membros da classe que estava se tornando mais próspera e apontava o caminho para um maior antagonismo, se não para a revolta. Não se pode dizer que o problema financeiro foi a causa da doença que atacou o Bakufu após a segunda invasão mongol, mas certamente foi um sintoma. Deu aos inimigos e rivais do Clã Hōjō uma desculpa plausível para encorajar a oposição aos regentes. Aumentar uma queixa é uma maneira fácil de inflamar sentimentos contra um governo no poder.
A única medida pela qual o Bakufu poderia ter recuperado sua autoridade era aumentar a tributação de modo a distribuir igualmente o ônus das despesas de defesa. Mas isso foi algo que os últimos Regentes não tiveram coragem de tentar, mesmo se lhes ocorresse.
Notas
- ↑ Quando alguns soldados foram presos por brigar em Quioto, o Bakufu pediu às autoridades civis para libertá-los, alegando que nenhum homem fisicamente capaz poderia ser poupado do esforço de guerra.