Teoria musical/Escalas/Tonalidade e Modalidade
Tonalidade, em referência às escalas maiores e às menores, é a hierarquização interna das notas dessas escalas, onde algumas notas ou graus das escalas têm preponderância sobre as outras. Assim, todas as notas e, por consequência, os acordes representam as funções de tônica, que é a sensação de final ou de repouso dentro da música; de subdominante, que é a sensação de tensão crescente; e de dominante (música) que, ao mesmo tempo representa a tensão máxima na nota musical, por suas notas serem totalmente diversas da tônica, e é, também, a preparação para a tônica, marcando o início do retorno.
Tonalidade é um sistema de sons baseados nas Escalas maior, menor, menor harmônica e menor melódica, onde os graus da escala são observados de acordo com sua função dentro da harmonia. Cada um dos graus de uma escala desempenha funções próprias na formação e concatenação dos acordes. A palavra função serve para estabelecer a sensação que determinado grau (ou acorde) nos dá dentro da frase harmônica. Ao ouvir uma escala, percebemos que as notas repousam em certos graus e criam tensão em outros. O repouso absoluto é feito no grau I, centro de todos os movimentos. Assim, cada grau tem função definida em relação à tônica de uma escala, criando momentos estáveis, instáveis e menos instáveis, cuja variação motiva a continuidade da música até o repouso final.
Funções harmônicas dos graus da escala
[editar | editar código-fonte]Os graus da escala são designados também de acordo com suas funções dentro da harmonia, sendo classificados da seguinte maneira:
- Grau I - Tónica (estável)
- Grau II - Supertônica ou Sobretônica
- Grau III - Mediante
- Grau IV - Subdominante (menos instável)
- Grau V - Dominante (instável)
- Grau VI - Superdominante ou Sobredominante
- Grau VII - Subtónica ou Sensível (o grau VII só é sensível em alguns casos)
- Grau VIII - Tónica (= I)
Segundo a teoria da harmonia funcional, de Hugo Riemann, os graus I, IV e V têm importante função dentro da harmonia, na preparação e resolução dos acordes de uma frase harmônica, da seguinte maneira:
Grau I - Função Tônica
[editar | editar código-fonte]Os acordes formados sobre o grau I de uma escala têm sentido conclusivo (estável) e, geralmente, aparecem na finalização de uma música. O acorde principal da função tônica é aquele cuja nota fundamental (primeira nota do acorde, ou seja, a nota que define o nome do acorde) é, também, o grau I da escala, podendo ser substituido por acordes formados sobre os graus III ou VI, que também estabelecem repouso.
- Por exemplo: na escala de dó maior, o dó é a tônica da escala; o grau I da escala de dó.
Grau V - Função Dominante
[editar | editar código-fonte]Tem sentido suspensivo (instável) e pede resolução na tônica ou nos graus substitutos da mesma. O acorde principal da função dominante tem sua fundamental no grau V da escala, podendo ser substituído pelo grau VII. Muitos músicos interpretam a tríade sobre o grau VII como uma tétrade do grau V desprovida de fundamental. Analogamente, a tétrade sobre o grau VII é interpretada como uma sobreposição de quatro terças sobre o grau V, também com a omissão da fundamental.
- Por exemplo: na escala de dó maior, o sol é a dominante da escala; o 5º grau perfeito da escala de dó.
Grau IV - Função Subdominante
[editar | editar código-fonte]Tem sentido meio-suspensivo (meio-instável), pois se apresenta de forma intermediária entre as funções tônica e dominante. O acorde principal é formado sobre o grau IV da escala, podendo ser substituído pelo II. O grau II como subdominante é muito comum em música popular brasileira e jazz. Já na música clássica usa-se mais o grau IV.
- Por exemplo: na escala de dó maior, o fá é a subdominante da escala; o 4º grau perfeito da escala de dó.
O sistema tonal foi fortemente utilizado na música ocidental por vários séculos, tendo sofrido uma ruptura apenas na segunda metade do século XIX. Uma obra marcante é a versão que Richard Wagner compôs para Tristão e Isolda - em ópera que estreou em 1865. Em três horas e meia de música, Wagner provou que era possível compor música expressiva e até mesmo apaixonada completamente fora do sistema tonal - a tonalidade nunca se define em Tristão e Isolda. Lá pelo começo do século XX, muitos compositores começaram a achar que o sistema tonal estava esgotado. A partir daí, muitos compositores passaram, cada um à sua maneira, a questionar o sistema tonal. Debussy utilizou a escala hexatônica simétrica, ou escala de tons inteiros; mais tarde Arnold Schoenberg criou o dodecafonismo. Entretanto, nem todos os compositores eruditos do século XX abandonaram o sistema tonal, ainda bastante presente em obras de compositores como Prokofiev, Shostakovitch, Kodály, Joaquín Rodrigo e, mais recentemente, Arvo Pärt e Krzysztof Penderecki.
Muitos músicos e musicólogos tentaram atribuir às tonalidades um caráter, expressão ou colorido especial. Não se pode determinar de um modo absoluto o caráter de cada tom, pois isso depende de reações subjetivas de cada indivíduo. Contudo, alguns musicólogos, como Gevaert e Lavignac, caracterizam os tons de acordo com a tabela que apresentamos a seguir. Seguimos aqui a seguinte ordem, de fácil compreensão aos músicos: começando com seis sustenidos (fá sustenido maior), vamos diminuindo um sustenido (ou bemolizando) a cada passo, de forma que a tônica cai uma quinta a cada passo:
Tons maiores
fá sustenido maior - pentatônico, rude (6 sustenidos) |
si maior - enérgico (5#) |
mi maior - brilhante, forte (4#) |
lá maior - sonoro (3#) |
ré maior - alegre, vivo (2#) |
sol maior - campestre, rústico (1#) |
dó maior - simples, natural |
fá maior - rústico, nobre (1 bemol) |
si bemol maior - nobre, elegante(2b) |
mi bemol maior - enérgico, sonoro (3b) |
lá bemol maior - suave, meigo, brilhante (4b) |
ré bemol maior - cheio de encanto, suave (5b) |
sol bemol maior - doce e calmo, mas brilhante (6b) |
Tons menores
sol sustenido menor - muito sombrio, elevado (5#) |
dó sustenido menor - brutal, sinistro (4#) |
fá sustenido menor - rude, aéreo (3#) |
si menor - selvagem ou sombrio, mas enérgico (2#) |
mi menor - triste, agitado (1#) |
lá menor - simples, triste |
ré menor - sério, concentrado (1b) |
sol menor - melancólico, agitado (2b) |
dó menor - dramático, violento (3b) |
fá menor - triste, melancólico (4b) |
si bemol menor - fúnebre ou misterioso, mas agitado (5b) |
mi bemol menor - pentatônico, profundamente triste (6b) |
lá bemol menor - lúgubre, aflito |
É preciso deixar bem claro que a tonalidade sozinha não determina o caráter de um trecho musical. Assim, por exemplo, a Quinta Sinfonia de Beethoven tem um caráter dramático e violento, assim como a Sonata Patética, o Concerto para Piano no. 3 e outras peças de Beethoven e Mozart escritas nessa mesma tonalidade (dó menor). No entanto, o Concerto para piano no. 2 de Rachmaninoff é uma peça romântica clara e luminosa, onde não há o menor sinal de angústia ou qualquer sentimento opressivo - e está escrito em dó menor, a mesma tonalidade da Quinta Sinfonia de Beethoven.
A tonalidade de ré menor tinha um significado dramático especial para Mozart, que escreveu nesta tonalidade a ária da Rainha da Noite no segundo ato de A Flauta Mágica, Der Hölle Rache kocht in meinem Herzen (A vingança do inferno coze no meu coração) e a ária de Electra em Idomeneo, Tutte nel cor vi sento, furie del crudo averno (Eu sinto no peito todas as Fúrias do inferno), nas quais predomina o ódio e o desejo de vingança. A tonalidade de ré menor também está intimamente associada à ópera Don Giovanni, em que ela aparece logo no começo da abertura, e na cena final, em que o espírito do comendador aparece para arrastar a alma de Don Giovanni para o inferno. Por fim, ré menor é a tonalidade da última obra de Mozart, a Missa de Requiem.
A tonalidade de ré menor mostra também seu caráter lúgubre, por exemplo, no quarteto "A Morte e a Donzela" (Der Tod und das Mädchen) de Schubert (D. 810)
A Sonata no. 2 em si bemol menor ("Marcha Fúnebre") de Chopin atesta o caráter fúnebre e misterioso dessa tonalidade.
Há uma qualidade heróica associada à tonalidade de mi bemol maior, a tonalidade da Sinfonia Eroica de Beethoven, e do Concerto para Piano no. 5 ("Imperador").
O musicólogo Sir Denis Forman, autor de A Night at the Opera, ao comentar a cena pastoral no segundo ato de Orfeu e Eurídice de Gluck (Dança dos Espíritos Abençoados), nota que ela está escrita em fá maior, "o que era de rigueur para todas as cenas pastorais" naquela época, "ninguém sabe por que". A Sinfonia Pastoral (6a) de Beethoven também está escrita na mesma tonalidade.
Embora uma melodia possa ser tocada em qualquer tonalidade, e muitas vezes se transporte uma melodia de um tom para outro para facilitar sua execução por uma voz ou instrumento diferente, a escolha da tonalidade não é indiferente, e o próprio Beethoven era de opinião que as tonalidades têm sim, cada uma delas, um caráter próprio.
Uma outra coisa que deve ficar bem clara é que o caráter expressivo do sistema tonal não implica de maneira nenhuma que seja impossível escrever música altamente expressiva fora dele. Assim, Debussy escreveu música altamente expressiva fora do sistema tonal. A partitura de Tristão e Isolda de Wagner é universalmente reconhecida como de alto impacto emocional, no entanto sua tonalidade é altamente duvidosa ou inexistente.
Fontes
[editar | editar código-fonte]Harmonia & Improvisação, vol. I - Almir Chediak, Ed. Lumiar Elementos Básicos da Música - Roy Bennet, Ed. Zahar Maria Luiza Priolli