Sistemas Sensoriais/Introdução
Para assegurar a sua sobrevivência, um indivíduo de qualquer espécie tem de tomar decisões estratégicas de forma contínua. Por exemplo:
- "Será que devo atravessar a estrada?"
- "Devo fugir da criatura à minha frente?"
- "Devo comer o que está à minha frente?"
- "Ou será a cópula a minha melhor opção?"
De forma a nos ajudar a tomar a decisão certa e a fazê-lo de forma rápida, os seres humanos desenvolveram um sistema elaborado, um sistema dito "sensorial”, que nos permite obter informação sobre o meio circundante. Este sistema aparece integrado num sistema maior: o sistema nervoso, que nos permite interpretar essa informação colectada. E o sistema nervoso é complexo. Muito complexo. O sistema nervoso humano contém cerca de células especializadas, chamadas “neurónios”, e dez a cinquenta vezes mais células de suporte. Estas células de suporte, ditas células gliais, incluem vários subtipos: os oligodendrócitos, as células de Schwann e os astrócitos. Mas será que todas estas células e toda esta complexidade são verdadeiramente necessárias?
Uma solução simples: organismos unicelulares
[editar | editar código-fonte]A resposta é não! Não são necessárias tantas células para assegurar a mera sobrevivência de um organismo. Organismos com apenas uma célula (ditos “unicelulares”) podem apresentar dimensões consideráveis, responder a vários tipos de estímulos e mostrar comportamentos incrivelmente inteligentes!
Muitas vezes imaginamos células como estruturas consistentemente microscópicas. No entanto, os xenofióforos são organismos unicelulares passíveis de serem observados em vários oceanos e que podem atingir um diâmetro de vinte centímetros.
Por outro lado, uma única célula também pode detectar vários tipos de estímulos. Consideremos, por exemplo, as paramécias, que pertencem ao género Paramecium, um género dos protozoários ciliados. Estes organismos eram antigamente chamados “slipper animalcules’’, pela forma de pantufa que apresentam; a mesma associação é encontrada na língua alemã, na qual estes organismos são chamados Pantoffeltierchen. Apesar de serem constituídas por apenas uma célula, as paramécias conseguem detectar e responder a diferentes estímulos, e.g. luz e toque.
Os organismos unicelulares também podem apresentar padrões de comportamento incrivelmente inteligentes. A título de exemplo, consideremos agora o caso do plasmódio Physarum polycephalum, um fungo unicelular feito de uma rede dendrítica de aspecto tubular. Este plasmódio consegue determinar o caminho mais curto entre dois pontos (Nakagaki et al. 2000) e é conhecido por conseguir construir redes eficientes, robustas e optimizadas que se parecem com o sistema de metro de Tóquio (Tero et al. 2010). Por outro lado, este organismo desenvolveu a capacidade de detectar os locais pelos quais já passou, poupando assim energia ao evitar zonas onde já terá procurado alimento (Reid et al. 2012).
Se, por um lado, o aparelho sensorial das paramécias permite a sua sobrevivência, por outro lado, uma única célula dificilmente será tão flexível e precisa quanto seres que tenham desenvolvido sistemas sensoriais especializados na obtenção de informação sobre o meio ambiente.
Uma solução não tão simples: trezentos e dois neurónios
[editar | editar código-fonte]Enquanto que os humanos possuem muitos milhões de células sensoriais e cerca de neurónios, outros seres vivos parecem contentar-se com muito menos. Um exemplo famoso será a espécie Caenorhabditis elegans, um nemátodo com um total de 302 neurónios.
C. elegans é um dos organismos mais simples com um sistema nervoso e foi o primeiro organismo multicelular cujo genoma foi completamente sequenciado (a sequência completa foi publicada em 1998). Para além de conhecermos em detalhe o genoma deste ser vivo, também compreendemos o padrão completo de conectividade entre os seus 302 neurónios. Por outro lado, o desenvolvimento de cada célula somática (959 no adulto hermafrodita, 1031 no macho adulto) foi mapeado. Por exemplo, sabemos que apenas 2 dos 302 neurónios são responsáveis pela quimiotaxia (locomoção orientada ao longo de um gradiente químico). Ainda assim, muita investigação é ainda necessária para aprofundar o nosso conhecimento sobre o funcionamento do sistema nervoso deste organismo.
Princípios gerais dos sistemas sensoriais
[editar | editar código-fonte]Tomando como exemplo o sistema visual, todo o sistema sensorial pode ser descrito da seguinte forma:
- Um sinal, i.e. um estímulo físico que providencia informação sobre o meio ambiente, é emitido.
- Existe depois a captação deste sinal (por exemplo, graças a estruturas como o ouvido ou o olho).
- Segue-se a transdução deste sinal, que é transformado num impulso nervoso.
- O processamento desta informação é posteriormente feito por outras estruturas do sistema nervoso central.
- E deste processamento resulta uma acção!
As células neuronais estão fisiologicamente limitadas. Por exemplo, a frequência máxima de potencias de acção que um neurónio consegue atingir ronda 1 kHz. Assim, os nossos neurónios são um milhão de vezes mais lentos que um computador moderno. No entanto, o nosso sistema nervoso é capaz de executar tarefas e resolver problemas incrivelmente difíceis, com aparente facilidade. O factor importante a considerar aqui é o número de neurónios (cerca de ) e o padrão de conectividade (um neurónio pode estabelecer até 150,000 conexões com outras células neuronais).
Transdução
[editar | editar código-fonte]O papel das células sensoriais é um de “tradução": tem de transformar a informação relevante do meio ambiente num tipo de sinal que é entendido pelas células colocadas a jusante no sistema (neste caso, as células nervosas). Em termos formais, este processo chama-se transdução (de sinal). (Nota: os sistemas sensoriais são muitas vezes considerados parte integrante do sistema nervoso. Para facilitar a explicação dos conceitos que se seguem, os sistemas serão aqui artificialmente separados. Vou referir-me a sistemas sensoriais quando o foco for a transdução de sinal e ao sistema nervoso quando analisarmos o processamento de sinal subsequente).
É importante salientar que o papel do sistema sensorial é a transdução de informação relevante e não a transmissão de todos os eventos que estão a ocorrer à nossa volta. O sistema sensorial pode ser então visto como uma espécie de filtro, que tenta seleccionar os sinais importantes, sejam estes sinais electromagnéticos, químicos ou mecânicos. O sistema nervoso de seguida propaga estes sinais de forma a gerar comportamentos e acções que nos ajudem a sobreviver e a transmitir os nossos genes a gerações futuras.
Tipos de transdutores sensoriais e sistemas associados
[editar | editar código-fonte]- Receptores mecânicos
- Sistema de equilíbrio (sistema vestibular)
- Audição (sistema auditivo)
- Pressão:
- De adaptação rápida (corpúsculos de Meissner e de Pacini)
- De adaptação lenta (discos de Merkel, corpúsculos de Ruffini)
- Fuso muscular
- Órgão tendinoso de Golgi: presente nos tendões
- Receptores articulares
- Receptores químicos
- Olfacto (sistema olfactivo)
- Paladar
- Fotorreceptores (sistema visual): temos fotorreceptores muito sensíveis a alterações da intensidade luminosa (os bastonetes) e fotorreceptores responsáveis pela nossa percepção de cores (os cones)
- Receptores térmicos
- Sensíveis ao calor (resposta máxima a temperaturas de cerca 45°C, sinalizam temperaturas < 50°C)
- Sensíveis ao frio (resposta máxima a temperaturas de cerca 25°C, sinalizam temperaturas > 5°C)
- Nota: o processamento de informação aqui é feito a partir da diferença de actividade entre dois receptores (tal como no caso do processamento da informação visual oriunda dos cones) e é lento.
- Receptores eléctricos: por exemplo no bico do ornitorrinco
- Receptores magnéticos
- Receptores da dor (nociceptivos): os receptores nociceptivos também são responsáveis pela sensação de prurido (comichão).
Neurónios
[editar | editar código-fonte]O que distingue os neurónios de outras células do organismo humano, como as células hepáticas ou os adipócitos? Os neurónios possuem características únicas, na medida em que:
- conseguem oscilar rapidamente entre diferentes estados (algo que as células musculares também são capazes de fazer);
- são capazes de propagar estas mudanças de estado de forma direccionada e ao longo de grandes distâncias (algo que as células musculares já não são capazes de executar);
- e conseguem sinalizar estas altereações de estado a outros neurónios com os quais estejam conectados.
Existem mais de 50 tipos de neurónios, mas todos partilham a mesma estrutura base:
- Zona de input: as dendrites formam autênticas arborizações. O input que recebem pode provir de uma ou múltiplas células sensoriais ou de outros neurónios. Por exemplo, algumas células bipolares da retina recebem informação de apenas um cone enquanto que outros neurónios podem ter de integrar o sinal de 150 000 outras células neuronais (por exemplo, as células de Purkinje no cerebelo). O sinal pode, por outro lado, ser estimulatório (levando a um aumento da actividade neuronal) ou inibitório (provocando uma redução da actividade neuronal).
- Zona de integração do sinal: o corpo celular desempenha funções de manutenção. É responsável pela geração de energia, pelo metabolismo celular, por gerar as moléculas químicas necessárias às várias tarefas celulares. Por outro lado, o corpo celular é o local de integração do sinal recebido e onde a célula determina se vai transmitir o sinal a outras células a jusante e com as quais está conectada.
- Zona de condução (o axónio): para um neurónio propagar o sinal de recebeu, tem de gerar potenciais de acção que depois percorrem de forma dirigida o axónio até atingir uma nova célula. Um potencial de acção representa uma mudança súbita de estado de um neurónio e dura cerca de 1 ms.
- Zona de output: o output de um neurónio é gerado nas sinapses. Uma sinapse representa um ponto de contacto ou de "comunicação" entre dois neurónios. Esta comunicação é baseada na emissão de neurotransmissores (i.e. sinais químicos que são emitidos pelo primeiro neurónio e se ligam a receptores do segundo neurónio). Estes neurotransmissores geram, assim, um sinal para o segundo neurónio.
Princípios de processamento de informação no sistema nervoso central
[editar | editar código-fonte]Processamento paralelo
[editar | editar código-fonte]Um ponto crucial no processamento de sinais neuronais é a sua característica paralela. Sinais oriundos de diferentes locais têm significados diferentes. Esta característica, por vezes chamada line labelling é usada pelo:
- Sistema auditivo - para sinalizar uma frequência
- Sistema gustatitvo - para sinalizar a presença de alimentos doces ou amargos
- Sistema visual - para sinalizar a localização de um sinal visual
- Sistema vestibular - para sinalizar diferentes orientações e movimentos
Codificação de população
[editar | editar código-fonte]A informação sensorial é raramente baseada na actividade de um único neurónio. Tipicamente, a informação é codificada por padrões de actividade presentes numa população de neurónios. Este príncipio é encontrado em todos os sistemas sensoriais.
Aprendizagem
[editar | editar código-fonte]As conexões entre vários neurónios não são estáticas. Com efeito, elas podem ser modificadas, de forma a incorporar experiências passadas. Em termos selectivos, o equílibrio torna-se muito delicado:
- Se o nosso processo de aprendizagem for demasiado lento, corremos os risco de não sobreviver. O pombo-passageiro, uma espécie extinta de pombo norte-americano, é um exemplo disso. Nos últimos dois séculos, esta ave foi abatida em grandes números. De facto, quando alguns indivíduos eram abatidos, os sobreviventes viravam-se, mas não fugiam, sendo então rapidamente alvejados também. Em suma, um processo de aprendizagem demasiado lento pode conduzir à extinção de uma espécie.
- Por outro lado, e por muito contra-intuitivo que seja, também não podemos ser demasiado rápidos. Olhemos aqui para o exemplo da borboleta-monarca. Esta borboleta migra, mas é necessário tanto tempo para chegar ao destino que a migração não pode ser feita por apenas uma borboleta. Ou seja, uma única borboleta-monarca não sobrevive à viagem completa. No entanto, e por meio de uma codificação genética, as borboletas sabem sempre para onde têm de voar e se já chegaram ao destino. Se o seu processo de aprendizagem fosse acelerado, estas borboletas não seriam capazes de guardar esta informação genética.