REA - Educação a Distância e Ambientes de Aprendizagem/Infâncias da Cidade: Ser Criança na Restinga

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Introdução[editar | editar código-fonte]

Apresento o território cultural escolhido em forma de um Recurso Educacional Aberto como solicitação da disciplina Educação a Distância e Ambientes de Aprendizagem. O território educativo escolhido emergiu de uma cobertura fotográfica feita por mim para o Circuito de Artes Cênicas Cenários Possíveis, criado com intuito de levar as artes cênicas para lugares onde não chegam.

Este evento que aconteceu dentre os dias 01 a 08 de novembro de 2012, reuniu artistas, público, parceiros e entusiastas das artes cênicas na cidade. Passando pelas linguagens circo, dança e teatro, o festival trouxe uma forte proposta de ocupação dos espaços públicos e de resistência da área, movimentando a cena contemporânea das artes cênicas na cidade.

Construído de maneira colaborativa, o festival também pautou as trocas e fazeres coletivos de produção, primando pela divulgação, difusão e fomento das manifestações, constituindo uma teia e gama plural. Deste evento, emergiram registros fotográficos e elegi os da Restinga - um dos bairros mais populosos da cidade Porto Alegre e com poucas atividades culturais, como forma de contar como vivem as crianças que lá residem e assim mostrar que em nossa cidade há diferentes infâncias e modos de ser criança.

1. Contextualizando o Território Cultural: Restinga - POA/RS[editar | editar código-fonte]

O bairro Restinga, na zona sul, é um dos bairros mais populosos da capital, tendo aproximadamente 72 mil habitantes (PMPA, 2002). Apesar de todos problemas estruturais que dificultaram a vida de seus primeiros moradores, foi através de um empenhado de sua comunidade que o bairro tornou-se oficial, via lei, em 1990. Conta com sistema de transporte, telefones, posto de saúde e instituições de ensino, sendo considerado um núcleo urbano auto-suficiente dentro de Porto Alegre.

Vista área do Bairro da Restinga - Porto Alegre/RS. Fonte: Wikimedia. Domínio Público.

O bairro da Restinga possuí um histórico de ocupação recente e peculiar, com início na década de 60 e intensificação nos anos 70. Esse processo foi promovido pelo poder público que, com o aumento da população de baixa renda que residia em vilas próximas ao centro, tais como Ilhota, Dona Theodora e Marítimos, alocou essa população. Assim, utilizou slogans como "Remover para Promover” transferindo alguns destes habitantes para a Restinga, um local a 22 km distante do centro da cidade.

A Restinga é um bairro muitas vezes considerado como uma cidade à parte, pela distância em relação ao centro da cidade, pela sua grande extensão territorial e por ser um bairro populoso. Também é “dividido” em “duas Restingas”, a Nova e a Velha. Há uma via principal - a Estrada João Antônio da Silveira – na qual desenvolveu-se primeiramente a Restinga Velha, resultante das primeiras remoções, ou seja, onde o bairro teve sua ocupação inicial. Do lado oposto, dessa via, foi construída a Restinga Nova pelo poder público, no inicio dos anos 70, ocupada por famílias com maior poder aquisitivo.

Grande parte da infraestrutura, inclusive água potável e iluminação, assim como cerca 10 mil apartamentos e casas populares foram realizadas na administração (1975-1983) do prefeito de Porto Alegre Guilherme Socias Villela. Atualmente a Restinga agrupa 27 vilas, entre elas Pitinga, Restinga Nova, Restinga Velha, Mariana, Barro Vermelho, Chácara do Banco, Flor da Restinga, Monte Castelo e Santa Rita.

O bairro conta com várias praças, campos de futebol e entidades que desenvolvem diversas atividades para a comunidade. Entre elas está a Unidade Social ACM Vila Restinga Olímpica, inaugurada em 2002, que aposta na inserção social de crianças e de jovens em situação de risco através do esporte.

No bairro Restinga destacam-se duas escolas de samba: a Estado Maior da Restinga, fundada em 1977, oito vezes campeã do carnaval porto-alegrense; e a União da Tinga, a Tinguinha, fundada em 1989 por dissidentes da Estado Maior e também conta com uma rádio comunitária, a Rádio Quilombo FM (é uma ação de militantes do movimento de comunicação comunitária do bairro Restinga. A Rádio é herdeira da antiga Rádio Restinga Fm, que foi tirada do ar pela Anatel em agosto de 2004).

2. Recursos Educacionais Abertos: construindo redes de narrativas[editar | editar código-fonte]

Os Recursos Educacionais Abertos (REA) também conhecidos por sua sigla em inglês OER (Open Educational Resources) são recursos que englobam qualquer material que possibilite o ensino, a aprendizagem e pesquisa, disponibilizados de forma livre e aberta para a comunidade acadêmica e educacional em geral. Atualmente não há um consenso quanto à definição exata do termo REA, entretanto das várias definições a que segue mais se aproxima com o que defendemos aqui:

Recursos Educacionais Abertos são materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reuso potencial dos recursos publicados digitalmente. Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, fotografias artigos de pesquisa, vídeos, testes, software e qualquer outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conhecimento (UNESCO/COL, 2011).

Sendo este um REA é possível que qualquer pessoal possa revisar, remixar, redistribuir e reutilizar de acordo com as suas necessidades, pois o modo como este é licenciado promove a circulação e o compartilhamento de conhecimentos. A utilização de Fotografia como linguagem que expressam narrativas sobre o vida humana pode ser unir a outras narrativas formando uma rede.

Neste REA apresento um recorte - pois a fotografia é sempre um recorte de algo, a partir da escolha do olhar quem a faz, neste caso da fotografa. Contudo, outros olhares - com outros focos podem ser agregados e interligados construindo redes de narrativas. E neste sentido os múltiplos olhares também são múltiplas narrativas sobre o cotidiano e tudo que o envolve. Contar histórias e modos de vida a partir das fotografias de um determinado território educativo nos ajuda a pensar sobre o mundo, sobre as pessoas e os processos que nos constituem enquanto sujeitos.

3. Ser criança na Restinga: olhares que se entrelaçam[editar | editar código-fonte]

Antes deste dia nunca havia conhecido o bairro da Restinga, mas já tinha ouvido muito falar. Como alguém que nasceu e viveu muitos anos em um outro estado, minhas primeiras impressões sobre a Restinga, foi desta não ser a "Porto Alegre" que é projetada pela mídia para outros lugares, narrativas que buscam "ocultar e negar" determinadas coisas e dar extrema visibilidade para outras coisas. Como fui realizar uma cobertura fotográfica do evento, aproveitei também para conhecer e caminhar pelo bairro.

A Restinga e sua população me lembrou de muitos outros bairros que já frequentei e morei. Caminhando pelas ruas da Restinga Nova, vi pessoas de chinelos e roupas comuns sentadas despreocupadamente em frente de suas casas (não vi prédios e nem condomínios fechados com seguranças e nem câmeras) conversando sobre a vida e tomando chimarrão (tal como no bairro onde cresci, em que tradicionalmente quando sol vai se despedindo algumas pessoas colocam cadeiras de plástico em frente suas casas, para simplesmente conversar sobre tudo: sobre os filhos, familiares, novela, notícias, futebol, etc. é um momento de socialização e de trocas e convívio).

Andando pelas ruas também vi muitas crianças brincando felizes na rua: de futebol, andando de bicicleta, de skate nas calçadas das residências (algumas ruas do bairro não possuem nome), de pega-pega e também conversando com o grupo de adultos. Vi muitas crianças negras, algumas possivelmente indígenas e poucas crianças brancas (cresci ouvindo que a cidade de Porto Alegre como a região sul era um lugar de pessoas brancas de olhos azuis, o que não se definitivamente não se confirma, quando andamos pelas ruas do bairro da Restinga).

Não pude ainda conhecer toda a Restinga - mas realmente gostaria de fazê-la, mas fiquei emocionada por esta tanto me lembrar da minha infância, pelas brincadeiras na rua, pelas residências (quase inexistentes em outros lugares) e pelo modo de convívio das pessoas.

Após esse passeio eu e toda a equipe do evento fomos para a praça principal do Bairro, onde estava acontecendo a feirinha de sábado. Na feirinha da Restinga de tudo se vende: verduras, legumes, grãos, frutas, pães caseiros, bolos, milho cozido, sucos e muitos outros. E é bem frequentada pelos moradores do bairro, já que os poucos estabelecimentos comerciais do bairro dispõe de pouca variedade de alimentos naturais e os que têm são geralmente caros.

E de repente chegou o Homem-Banda, o Mauro Bruzza - um famoso artista de rua porto-alegrense que toca ao mesmo tempo vários instrumentos caminhando entre as barraquinhas da feira, despertando a atenção dos feirantes, dos clientes, das crianças e adultos que brincavam próximas da praça, que logo se aproximaram para vê-lo e também os seus instrumentos.

Ao pegar os seus 20 instrumentos o artista começou a cantar "O homem já chegou... E veio fazer o seu show..." e o público ficou impressionado, afinal o artista mistura música cigana com toques árabes. Utilizada ao mesmo tempo gaita e a bateria que acionada com um pé resulta em uma batida e outra com o outro pé, e uma terceira levantando mais ou menos as pernas. Com elas toca o cincerro, a boca ou canta ou sopra um pequeno trompete. E ainda faz muitas brincadeiras interagindo com o público, principalmente pelas crianças.

As crianças pareciam felizes e encantadas com a visita daquele ilustre personagem tão talentoso e nunca visto por elas antes. Olhando para elas podemos pensar sobre como estas vivem. Para estas crianças, o Bairro da Restinga é onde elas crescem, onde elas conhecem os outros e ondem tudo na sua vida acontece. Por ser um bairro tão afastado do centro, a Restinga é para elas: a vida, é a escola, é o lar.

Algumas crianças da Restinga não frequentam a escola ou a Creche, precisam trabalhar cedo, outras passam o dia com as "cuidadoras" pessoas que em suas residências tem a placa "cuida-se de crianças", outras frequentam escolas e algumas também participam de projetos sociais e culturais.

Boa parte dos familiares das crianças da Restinga trabalham no centro e bairros arredores de Porto Alegre e muitos precisam se deslocar todos os dias utilizando transporte público – o percurso do Bairro da Restinga para o Centro de Porto Alegre dura mais ou menos 1 hora, dependendo do tráfego e do horário. As profissões mais comuns entre os moradores da Restinga são: vigilantes, vendedores(as), empregadas domésticas, recepcionistas, comerciantes, auxiliares de serviços gerais, cabeleireiras, manicures, etc.

As crianças da Restinga possuem muitos espaços para o brincar: as ruas, nas árvores, nas calçadas, quintais, na praça, quadra esportiva e outros, pois não há limites para o brincar. E vivem cercadas de muitas manifestações culturais e religiosas, especialmente as de matrizes africanas. No bairro da Restinga, assim como em muitos outros da cidade de Porto Alegre, há muitos centros e casas de umbanda e outras religiões de origem africana, que constitui a identidade de boa parte dos moradores do bairros. Em muitas residências podem ser encontrados mini-santuários e as uma diversidade de divindades em muitas cores e significados para os seus adoradores.

Durante o carnaval, final de ano e agora em época de Copa do Mundo, as crianças da Restinga se divertem muito. Há muito samba, festa, comidas e muita alegria. Durante as festividades muitas famílias se reúnem nas calçadas das suas residências para comemorar. No bairro em que cresci em Recife, em junho costuma ter as festas juninas e todos os moradores se organizam para deixar as ruas do bairro mais bonitas e enfeitadas com bandeirinhas e também fazem fogueiras em frente às suas residências e deliciosas comidas de milho. Embora sendo dois diferentes territórios culturais há muitas semelhanças, pois as festividades tem como foco e êxito a coletividade.

Narrar sobre as infâncias da cidade de Porto Alegre, especificamente sobre as crianças da Restinga com muitas limitações e ausência de métodos na coleta de informações, pois estas narrativas refletem meu olhar (de não moradora) e portanto, é um olhar que vem de outro lugar de fala, destituído de qualquer autoridade para representar a "realidade". Tais narrativas são um recorte, bem como uma fotografia.

5. Planejamento Didático-Pedagógico[editar | editar código-fonte]

Este plano tem como objetivo apresentar as possibilidades que este REA oferece para a discussão sobre as diferentes infâncias, crianças e culturas no espaço escolar. Foi pensado para turmas de educação infantil (4 a 5 anos) e também para os anos iniciais do ensino fundamental (não restritos a estes níveis).

Objetivos[editar | editar código-fonte]

Promover leituras e apreciação de imagens fotográficas para despertar o interesse das crianças pela linguagem fotográfica e desenvolver nestas outros modos de olhar para o mundo, através da percepção, da imaginação e da sensibilidade; Contextualizar a produção fotográfica apresentada ao grupo ao destacar informações relevantes sobre a motivação e contexto da fotografa para ampliar o repertório imagético das crianças; Promover a partir das fotografias apresentadas o contato das crianças com outras de diferentes realidades, para que pensem sobre as diferentes crianças, infâncias e os modos de vivê-la; Propor o fazer fotográfico a partir das experiências lúdicas, cognitivas e sensíveis vivenciadas pelas crianças para que estas construam a partir das fotografias, narrativas que expressem suas subjetividades e registros de suas memórias de infância; Oferecer subsídios para a produção de fotografias com qualidade técnica e estética para que estas integrem uma exposição a ser apreciada pelo grupo e por outras pessoas.

Saberes possíveis[editar | editar código-fonte]

Fotografia: leitura de produções fotográficas, recursos das câmeras, propriedades/possibilidades da fotografia (a luz, a distância focal e a ampliação) e o registro do olhar.

Procedimentos[editar | editar código-fonte]

1° Momento: Apreciação e leitura das imagens.

2° Momento: Contextualização do território cultural das imagens e da linguagem fotográfica.

3° Momento: Produção fotográfica pelas crianças do seu território educativo.

4° Momento: Preparação para a exposição fotográfica.

Recursos[editar | editar código-fonte]

Para esta aula serão necessárias as fotografias utilizadas no REA impressas em tamanho A4 e coladas em folhas coloridas tamanho A3 de 80 g/m², ou projetadas (computador e projetor), uma câmera fotográfica analógica e 3 câmeras fotográficas digitais devidamente carregadas e com espaço em cartão de memória suficiente para o armazenamento de fotos para serem utilizadas pelas crianças.

Avaliação[editar | editar código-fonte]

Como concepção de avaliação que orientará minha prática destaco a avaliação formativa que segundo Alvarez Méndes (2003) deve estar a serviço de quem aprende tendo como compromisso conhecer para ser possível dar indicações pertinentes. Esta concepção abrange um conjunto de ações (observação, registros e intervenções) que serão realizadas no cotidiano, buscando acompanhar os sujeitos em seu desenvolvimento, aprendizagens e vivências, conhecendo os avanços e limites para obter pistas sobre como intervir no processo da aprendizagem.