Interatividade Educativa/8. CONTEÚDOS CURRICULARES E INTERATIVIDADE

Origem: Wikilivros, livros abertos por um mundo aberto.

A discussão deste capítulo desloca-se das conceituações advindas das Ciências da Computação e da Comunicação para o campo da Pedagogia, intrinsicamente na didática, tratando da base conceitual pedagógica, interatividade e de conteúdo curricular, ofertado em meio digital, na prática educativa.

8.1 SEDIMENTAÇÃO PEDAGÓGICA[editar | editar código-fonte]

Percorrendo o caminho da Pedagogia faz-se o trajeto em direção à interatividade, sedimentado em base conceitual pedagógica. Este itinerário é realizado na companhia de Vygotski, Ausubel, Piaget e Coll. Dialogando com seguidores e colaboradores das teorias iniciadas por aqueles e argumentando um novo constructo: a interatividade educativa.

Da Teoria Sócio-Histórica (ou Sócio-Interacionista) de Lev S. Vygotski[1] [2][3] [4] [5], parte-se da premissa que há instrumentalizada uma mediação entre o conhecimento-educador-aprendiz a qual é um paradigma aceito por educadores, e, portanto, cabe, aqui para esta tese, modelar o signo interatividade educativa e sugerir formas para ser, em meios digitais, utilizada como apoio à mediação ensino-aprendizagem-conteúdos.

Da obra de Vygotski entende-se que na aprendizagem a adaptação é uma constante. Isso se dá com emprego de estímulos auxiliares ao desenvolvimento, pois que, no processo educativo, são os dispositivos pedagógicos (didáticos) postos à disposição do aprendiz, para entre o conhecimento e as estruturas psicológicas do indivíduo que aprende ativamente, mediar o aprendizado.

Faz-se necessário esclarecer sobre dispositivo pedagógico, em especial, sob que abordagem é tratado neste estudo. José Alberto Correia[6], esclarece que um dispositivo pedagógico é “[...] o conjunto de situações organizadas especificamente para a formação, bem como a estruturação de recursos e instrumentos aí accionados”. Logo, o professor que planeja e realiza uma aula está utilizando um dispositivo pedagógico.

O conceito de dispositivo pedagógico é aqui utilizado, em conformidade à concepção de Basil Bernstein[7], como uma "forma especializada de comunicação, através do qual se justapõem: poder e conhecimento”. A nosso ver, o professor utiliza essa forma especializada de comunicação que não está presente na comunicação de massa, deixando para trás os enfoques comunicativos transmissionistas, antropomórficos, informacionais, mercadológicos e tecnicistas, já discutidos.

Vale lembrar que Vygotski considera todo conhecimento de origem formal científico, aquele relacionado às ciências sociais, físicas e naturais, línguas e matemática. Tais conhecimentos são sistemáticos e hierarquizados, apresentados e apreendidos como parte de um sistema de interações, diferentemente do conhecimento espontâneo. Essa diferença entre conhecimento científico e espontâneo está na presença ou a ausência de um sistema de relações. O esforço de conceituar a interatividade educativa diz respeito aos conhecimentos científicos na linguagem de Vygotski.

Outros estudiosos da área de computação investigaram a contribuição da teoria, elaborada pelo cientista russo, ao emprego do computador na Educação, apesar da inexistência de computadores nos tempos de Lev Vygotski. Luis Alberto Alfaro Casas é um desses e dele trazem-se algumas reflexões pertinentes.

Interessante observação de Luis Alberto Alfaro Casas[8] sobre a teoria de Vygotski, ao referir que “A sua visão de instrução eficaz envolve o professor (o mais capaz de observar) assistindo à criança no sucesso de sua atividade.” No contexto dessa teoria, o papel do professor é tão importante quanto o do aluno aprendente; e mais, a cultura e o ambiente onde o aprendiz é instruído assumem o mesmo peso daqueles.

Na literatura, produzida por Vygotski, fica claro que os conceitos científicos (não espontâneos) são aqueles que, mediados por representações simbólicas, envolvem os mais avançados processos psicológicos. Nesse sentido, Lev Vygotski  afirma que a “definição verbal inicial que instiga o desenvolvimento dos conceitos científicos é sistematicamente aplicada até que se torne um fenômeno concreto”. Assim, no processo educacional, sob tal visão, objetiva-se levar o aprendiz além de sua própria experiência sensorial direta (conceitos espontâneos), com a finalidade de instigar o desenvolvimento de conceitos científicos não espontâneos e, para tanto, deve ser realizado de forma sistemática e intencional. Ausubel dá idêntica importância ao estímulo verbal, tanto que inicialmente sua teoria era denominada de Aprendizagem Significativa Verbal.

Luis Casas considera que “Ensinar neste tipo de ambiente construcionista requer que o professor crie oportunidades para a maximização da interação do diálogo”, dessa forma Casas aproxima Vygotski de outros pensadores da Pedagogia como Piaget e Ausubel. A interação do diálogo da qual trata o autor é mais bem explicada ao escrever sobre a colaboração, advinda de outros alunos, e refere ele “A conciliação entre os aspectos conflitantes da instrução e o construtivismo é uma aproximação que permite ao aprendiz construir conhecimento em colaboração com companheiros habilidosos ou críticos”.

Ao elucidar a tradução literal do vocábulo instrução do russo para português, o mesmo autor destaca da obra de Vygotski o aspecto semântico dado à instrução na época, como algo mais amplo que hoje é entendido. Nas palavras de Casas instrução para Vygotski é “[...] a inseparabilidade do ensino, a aprendizagem e a natureza social do processo” (op. cit.). No entender dele, Vygotski trata de um sistema de instrução e não de um ato de instrução. Apesar de estar investigando naquele trabalho, o emprego de agentes da inteligência artificial, em ambientes criados na realidade virtual. Conclui que nessa abordagem não há colaboração dirigida com exclusividade, nem para professor, nem para aluno. Ao encerrar a revisão da Teoria Sócio-Histórica, Luis Casas escreve:

"Nesses termos, chega-se à conclusão de que as práticas pedagógicas que respeitam à concepção de aprendizagem em foco devem apoiar-se em duas verdades fundamentais: 1) a de que todo conhecimento vem da prática social e a ela retorna; 2) a de que o conhecimento é um empreendimento coletivo, pois nenhum conhecimento é produzido na solidão do sujeito, mesmo porque essa solidão é impossível". ((op. cit.)

Seguindo a perspectiva vygotskiana de que a prática pedagógica é um empreendimento coletivo (interações), mediado e instrumentalizado, que sistematicamente deve instigar o aprendiz ao desenvolvimento de conceitos científicos não espontâneos, cabe ao professor, de maneira intencional, planejar, elaborar e oferecer dispositivos pedagógicos que privilegiem maior interação do diálogo professor-aluno e aluno-aluno. No recorte específico do ensino apoiado em meios digitais, e com o suporte teórico da facilitação pedagógica advinda de Ausubel, acrescenta-se a interação aluno-material, naquele dispositivo pedagógico.

Incomodado intelectualmente pela absorção por educadores de conceitos advindos das Ciências da Computação e da Comunicação, sem a devida reflexão, tecem-se, aqui, os argumentos que fundamentam esta tese: a impossibilidade de se colocar o aluno (aprendiz, estudante) diretamente como personagem existente naquelas ciências. De receptor a usuário, a visão funcionalista da interatividade manteve condicionada a pessoa humana à velha teoria da informação, desenvolvida na década de quarenta do século passado, para dar conta de problemas da área de telefonia.

Este enfoque frontalmente destoa da celeridade de idéias as quais emergem da Ciência da Computação. Se a cada dezoito meses surge uma nova geração de hardware, como ainda se está a olhar a pessoa humana como um ser passivo, sem capacidade de pensar e sentir? Este ser, definido na época da Segunda Grande Guerra, já morreu. Para a comunicação e a computação, o usuário-receptor é o consumidor de informação, ou seja, alguém que vai ao shopping comprar um dado qualquer, paga, vai embora, e fim do processo.

Impossível transpor esse modelo para a educação. Há que haver, quando o destino do sistema computacional-comunicativo for demandado pela Pedagogia, uma ruptura paradigmática no olhar da computação e da comunicação. Isto é, quando a Pedagogia elabora teorias sobre o ensinar e o aprender, as tecnologias deveriam estar em consonância com tais postulados. E não submeter à ciência para que esta seja adaptada à tecnologia. Em suma, aluno não é receptor, estudante não é usuário. Da mesma forma que professor não é transmissor, muito menos programador de sistemas.

Quando uma empresa cria um software aplicativo, recheado de recursos tecnológicos e voltados para interfacear à máquina e o usuário (aquele que usa o software) de forma alguma está permitindo a gestação de uma interação social entre homem-máquina. Está sim, a programar as alternativas possíveis para utilização daquele sistema computacional. Analistas de sistemas, e aí se inclui este autor, pré-programamos as opções possíveis e cabendo ao usuário eleger uma entre várias. Conforme afirma Alex Primo (op. cit.), aquelas interações não passam de “seleção de possíveis pré-determinados”, pois não há construção de interação entre usuário e sistema.

Outra premissa está no fato de o usuário usar os produtos ou serviços, oferecidos por uma empresa (enfoque mercadológico); isto é, usuário é sinônimo de consumidor. Se há consenso entre os educadores, como Vygotski (op.cit.), Ausubel (op.cit.), Piaget[9], Novak (op.cit.) e Demo (op.cit.), entre tantos outros, que aluno não é depósito de dados ou receptor passivo de conteúdos curriculares, pelos mesmos motivos que tais educadores não aceitam um aluno-depósito, descarta-se de plano a caracterização do aluno como mero consumidor de serviços. A lógica é a mesma: - aprender não é adquirir no balcão da escola uma “prótese de conhecimentos” para que seja implantada na estrutura cognitiva.

Dirceu da Silva e Paulo Marchelli[10], há mais de dez anos, debruçaram-se sobre softwares destinados ao ensino da Física, e indicaram a necessidade de mudança de postura dos analistas (como eu) produtores de programas, do princípio da automação para a lógica de como o sujeito aprende, exigindo daqueles que constroem softwares ditos educativos uma mudança de abordagem. Assim se expressaram a respeito:

"O que importa em um sistema de informática são os procedimentos conceituais impostos pelo analista aos processos que se pretendem “automatizar”. Não se trata de impor a idéia de que a aprendizagem possa ser concebida em termos de princípios de automação, mas os softwares devem ser pensados segundo uma teoria sobre como o sujeito aprende aqueles conteúdos de ensino que ele está aprendendo pelo computador, sendo este um auxiliar do processo e não o centro de tudo. De fato, se pensarmos em educação, não podemos esquecer a figura e o papel do professor como desencadeador e construtor de uma prática mais específica e qualificada que atenda às necessidades dos alunos."

No mesmo relato, Dirceu e Paulo acrescentaram:

"Existem hoje teorias bastante elaboradas, baseadas em estudos sobre o desenvolvimento cognitivo, de como se dá a aprendizagem dos conteúdos das matérias escolares. As teorias de aprendizagem associadas a importantes estudiosos deste século, como Jean Piaget, Vygotski, Wallon, Kelly, etc., deveriam estar na base das concepções dos softwares educativos, não apenas sobre o ponto de vista da interatividade que estes permitem, independente da sua qualidade pedagógica, mas apenas por forças das suas propriedades computacionais, isto é, dadas pelo computador (gráficas, multimídia, sons, animações etc.)

Estes argumentos são tão válidos nos dias atuais, tal como era àquela época. Michael Yacci, Alex e Lina Romiszowski, estudiosos da disciplina Design Instructional, em cursos da área de Computação somam-se aos que avançam em direção às teorias de aprendizagem como base no desenvolvimento de sistemas computacionais, orientados para a Educação.

Yacci[11] define Instructional interactivity, numa ótica computacional, e inclui a perspectiva do estudante como um dos quatro fundamentos de interatividade. A inclusão da interatividade, sob o ponto de vista do aluno, é um salto na abordagem tecnicista-informacional. O que vai ao encontro do proposto por Dirceu e Paulo anos antes, quanto a essa inversão de abordagem que argumento em favor da Pedagogia e suas teorias da aprendizagem.

Os meios digitais permitem que os professores se apropriem das tecnologias advindas de outra área do conhecimento humano, sabedores do “o quê e como fazer” com elas, no planejamento e no preparo de conteúdos naquelas mídias, de forma a facilitar e mediar à aprendizagem do estudante. E nisso, há que considerar o apoio em bases teóricas distintas, como a Sócio-Histórica, Psicogênese e a Aprendizagem Significativa, convergentes nesse aspecto.

Assim, quando do planejamento, elaboração e emprego de conteúdos educativos em dispositivo pedagógico suportado por meios digitais, o educador pode se apropriar do conceito ausubeliano de facilitação pedagógica para interagir em primeira pessoa com o aprendiz, na interação vertical aluno-professor, no planejamento de maior interação entre o material e o aluno, bem como na facilitação da interação horizontal entre alunos.

No contexto de aprendizagem de certos assuntos, a estrutura cognitiva pode ser entendida como conceitos e organização dos conceitos do indivíduo naquela área particular do conhecimento. Sobre tal estrutura, o educador poderá intervir com uso da facilitação pedagógica, e, para tanto, usar hoje de recursos visual e auditivo, e, conforme o caso, dos recursos gustativo, táctil e olfativo, e intentar motivar e/ou demonstrar com organizadores prévios; com instrumentos para a diferenciação progressiva; com instrumentos para reconciliação integrativa; e/ou ainda, com instrumentos de apoio à exposição do professor[12].

Sabendo-se que o material educacional pode mediar à ação educativa e pedagogicamente facilitar a aprendizagem, então aumenta de importância o planejamento e a elaboração desse material com base em teorias educacionais, quando o suporte são meios digitais. O que implica aplaudir por tal percepção os autores da área de Design Instructional.

O lustro de prática pedagógica imersa nas licenciaturas foi responsável por uma constatação, oriunda da auto-reflexão: não é a tecnologia que ensina. A interação professor -material didático-aluno indica a possibilidade da aprendizagem e não a interação aluno-tecnologia, pura e simples. Exceto quando a intenção educativa é a própria tecnologia. Daquela reflexão percebeu-se também a importância da facilitação pedagógica, conforme proposta por David Ausubel.

A facilitação pedagógica começa bem antes do ato educativo, acontece na preparação, realizada pelo professor que, ao planejar o conteúdo, para uso em mídia digitais por exemplo, necessita conhecer interações e mediações possíveis. Sabe-se que na Prática Pedagógica é do professor a ação no ato educativo, cujas bases repousam no conhecimento e na habilidade próprios e que a mediação pedagógica é a atitude e o comportamento do professor facilitador, incentivador e motivador da aprendizagem, colaborando para que o aprendiz alcance os objetivos próprios. Então, a facilitação pedagógica está situada no momento da prática pedagógica (planejamento e execução do ato educativo) e está intrínseca na mediação pedagógica.

A prática educacional é um ato de comunicação e não dispensa a interação na construção do conhecimento. Vygotski ensina que a aquisição do conhecimento se dá pela interação do sujeito com o meio e esse acesso é mediado por recortes da realidade, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe. Em outras palavras, a teoria sócio-histórico, enfatiza que o desenvolvimento cognitivo do indivíduo (pensamento, linguagem, comportamento, memória) tem origem em processos sociais, ou seja, as relações sociais se convertem em funções psicológicas por mediação/interação.

Por outro lado, a Teoria da Aprendizagem Significativa[13] ensina que o conhecimento prévio do aprendiz interage de forma significativa com o novo conhecimento e provoca mudança na já existente estrutura cognitiva, e tal mudança ou assimilação/consolidação é designada como Aprendizagem Significativa. Essa abordagem indica que as atividades educativas devem desafiar o aluno a raciocinar, a partir do uso daquilo que o aprendiz já sabe e, ao mesmo tempo, exigindo um nível maior de abstração. Ausubel propõe que no ato educativo o estudante, começando uma tarefa embutida em uma atividade já familiar, reconhece a legitimidade do conhecimento implícito que possui e sua disponibilidade como andaime (scaffolding) para realizar tarefas aparentemente pouco conhecidas.

Kátia Smole[14], em sintonia com Ausubel, avança e afirma que o “[...] conhecimento pode ser visto como uma rede de significados, em permanente processo de transformação no qual, a cada nova interação, [...] uma nova ramificação se abre, um significado se transforma, novas relações se estabelecem, possibilidades de compreensão são criadas”. Ou seja, o andaime precisa estar se adaptando à nova estrutura cognitiva do aprendiz. O material está intimamente ligado ao método (extensão horizontal do andaime) utilizado pelo professor, isso implica que o material didático é componente importante para o processo educativo nesse enfoque.

Não menos importante, outras correntes de investigação sobre aprendizagem, como a Psicogênese desenvolvida por Jean Piaget são concordantes sobre o valor da interação para construção ou aquisição do conhecimento. Piaget[9] é enfático ao afirmar que a construção do conhecimento se dá na interação social. Para ele "[...] o conhecimento humano é essencialmente coletivo e a vida social constitui um dos fatores essenciais da formação e do crescimento dos conhecimentos [...]". Segundo o pesquisador, o conhecimento não está no sujeito, tampouco no objeto, porém é consequência das sucessivas interações entre ambos.

Para Piaget, a inteligência é relacionada à aquisição de conhecimento na medida em que sua função é estruturar as interações sujeito-objeto. A aquisição de conhecimento (aprendizagem), conforme Piaget (op. cit.), depende do desequilíbrio cognitivo do aprendente, o que provoca um processo de interação dos esquemas de significação, possibilitando o estabelecimento de associações com o novo conhecimento, de forma a obter nova equilibração.

Sob o recorte dado nesta obra, interessa o processo de aprendizagem, para que se possa pensar o ensino, deixando ao fundo o processo de desenvolvimento. Com base no ensinamento de Jean Piaget[15], ao professor cabe promover a aprendizagem de tópicos específicos, ou seja, de conteúdos curriculares. Sobre isso ensina o biólogo:

"Primeiro, eu gostaria de esclarecer a diferença entre dois problemas: o problema do desenvolvimento e o da aprendizagem. [...] desenvolvimento é um processo que diz respeito à totalidade das estruturas de conhecimento. Aprendizagem apresenta o caso oposto. Em geral, a aprendizagem é provocada por situações provocadas por psicólogos experimentais; ou por professores em relação a um tópico específico; ou por uma situação externa. Em geral, é provocada e não espontânea. Além disso, é um processo limitado - limitado a um problema único ou a uma estrutura única. Assim, eu penso que desenvolvimento explica aprendizagem, e esta opinião é contrária à opinião amplamente difundida de que o desenvolvimento é uma soma de experiências discretas de aprendizagem".

Ainda sob a ótica piagetiana, as situações provocadas com a intenção de aprendizagem estão presas a um processo limitado, por exemplo uma aula, cuja finalidade é adaptar o pensamento do aprendiz a uma dada realidade, para que aconteça a assimilação de elementos daquela realidade em suas estruturas, ao mesmo tempo em que tais estruturas sejam acomodadas aos novos elementos apresentados. No dizer de Jean Piaget[16]: “a adaptação é o equilíbrio entre a assimilação da experiência às estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência”.

Vygotski, Ausubel e Piaget representam escolas distintas de pensamento no campo da Pedagogia, muito embora a construção da teoria de Ausubel esteja sedimentada na de Piaget. Entretanto, ao trazê-los juntos ao debate de construção de um conceito educativo, segue-se o caminho já trilhado pela reflexão explicativa de César Coll e Isabel Solé[17] quando indicam que na educação escolar deve-se empregar todas as "[...] teorias que não oponham aprendizagem, cultura, ensino e desenvolvimento; que não ignorem suas vinculações, mas que as integrem em uma explicação articulada".

Em Psicologia e Currículo, César Coll[18] é mais enfático sobre a não-centralização numa só teoria psicológica quando do planejamento da ação pedagógica. Diz ele: "Ainda não dispomos de uma teoria compreensiva da instrução com base empírica e teórica suficiente para ser utilizada como fonte única de informação. [...]". Ante esse estado de coisas, a alternativa consiste em fugir tanto do ecletismo fácil, no qual podem ser justificadas práticas pedagógicas contraditórias, quanto do excessivo purismo que, ao centrar-se numa única teoria psicológica, ignore contribuições substantivas e pertinentes da pesquisa psicoeducativa contemporânea.

Para Coll[19], na escola, o ensino tem a mesma importância que a aprendizagem. Sobre isso, deixa contribuição relevante:

"La tarea con la que se enfrentan los enfoques constructivistas en educación no es sólo, a mi entender, comprender y explicar cómo aprenden los alumnos, sino también cómo se puede impulsar, promover y orientar mediante una acción educativa intencional el proceso de construcción de significados y de atribución de sentido que subyace al verdadero aprendizaje; y sobre todo, y muy especialmente, cómo se puede conseguir una articulación y un ajuste adecuados entre ambos procesos, el de la construcción del conocimiento que llevan a cabo los alumnos y el de la acción educativa que ejercen el profesor y los compañeros en el transcurso de las actividades escolares."

Tal concepção pedagógica funciona como andaime entre a aprendizagem do aluno e o ensino realizado pelo professor. Conforme sintetizou Elaine Ferreira do Vale Borges[20], implicando diretamente nas “[...] tomadas de decisões e análises das práticas educacionais, que se inicia nas intenções educacionais e se estende às orientações didáticas, à organização das atividades e à avaliação das aprendizagens dos alunos”. Assim, ao professor que ensina é dada à mesma responsabilidade e importância do aluno que aprende.

César Coll[19] traz ao debate:

"[...] las TIC no sólo están transformando la educación escolar "desde fuera", si se me permite la expresión, obligando a una redefinición de su papel, sus funciones y sus finalidades, sino que la están transformando también "desde dentro" debido fundamentalmente a su capacidad para modificar las relaciones entre los tres elementos del triángulo interactivo -profesor, estudiantes y contenidos- y, en consecuencia, al impacto que tienen, o pueden llegar a tener, sobre los procesos de construcción del conocimiento."

As TIC que o autor se refere são as Tecnologias da Informação e da Comunicação que influenciam as relações (interações) entre professor – aluno – conteúdos. Em sua fala, César Coll deixa em aberto a questão da capacidade para modificar as interações, aprofundando naquele estudo a teorização sobre comunidades de aprendizagem. A nosso ver, no ensino escolar de qualquer nível, o locus onde se pode empregar a tecnologia digital está no conteúdo, pois ali se torna possível ligar os vértices do triângulo a que Coll se refere. Utilizando instrumentos digitais é possível construir dispositivos pedagógicos capazes de modificar as relações aluno-professor-conteúdo, no sentido de estreitar tais interações em direção à intencionalidade do professor.

O dispositivo pedagógico aqui referido é genérico e pode ser planejado pelo professor a partir de concepção pedagógica própria, levando em conta um modelo esquemático que proveja impacto no triângulo interativo referido por Coll. Nossa intenção é propor tal modelo, com base no constructo interatividade educativa.

Com a finalidade de sedimentar tal proposição, encontrou-se em Elaine Borges a esquematização do processo de construção de significado, representada na Figura 19, conforme definido por César Coll, onde estão reunidas três teorias educacionais da aprendizagem com um só objetivo:

Figura 19 - A construção do significado. Fonte: Elaboração própria.

No modelo da Figura 19, Coll indica que a função do professor na prática pedagógica é a de oferecer ao aluno conteúdos significativos, ou seja, novos elementos, compatíveis com seu desenvolvimento, de forma a explorar sua competência cognitiva em criar novas relações entre conhecimento prévio - novos elementos. Uma vez criada tal relação, o aprendiz pode ter seu esquema de conhecimento inicial modificado, desde que haja disposição e motivação para a aprendizagem.

Caso o conjunto de componentes interaja entre si, ocorrendo a compreensão, então os esquemas de conhecimento inicial do aluno transformar-se-ão em esquemas de conhecimento modificados, sedimentando a memorização compreensiva. Assim, os esquemas de conhecimento modificados e memorizados passam a ser os esquemas iniciais para o contexto educativo seguinte, recursivamente. Na visão do pesquisador espanhol assim o aluno constrói o significado.

O imbricamento Computação e suas tecnologias com Comunicação é bem mais que absorção de puro e simples tecnicismo na prática pedagógica. Aqui se pretende enfocar a dimensão educacional que essa união de ciências se materializa no tema em estudo, como ensina Coll, empregando todas as teorias que não oponham aprendizagem, cultura, ensino e desenvolvimento, e ainda, construindo a transversalidade destacada por Silvio Gallo.

Sobre isso, Francisco Lobo Neto[21] acentua que: "A questão pedagógica na apropriação das tecnologias de educação – presencial ou a distância – significa conhecer a dimensão educacional como qualitativa da comunicação que se estabelece no discurso, no texto, na imagem, no som, nos processos cognitivos e nas relações interpessoais".

Ampliar o debate sobre novas perspectivas no planejamento de conteúdos em meios digitais é objetivo último deste trabalho. Para tanto, é necessário assumir que na construção social do conhecimento a cooperação, a mediação e a facilitação pedagógica estão presentes em interagentes do ato educativo (pessoa-pessoa; pessoa-conteúdo; pessoa-meio).

Assume-se que a aquisição do conhecimento é um ato de interação social, mediada por signos cuja representação é o objeto a ser aprendido. Nesta visão é possível argumentar que o conteúdo educativo, ofertado em meio digital, possui interatividade educativa, presente na relação entre o aprendente e o conhecimento e que está presente na facilitação pedagógica, descrita na aprendizagem significativa de Ausubel (2003, p.163), sendo fator a ser considerado no planejamento e no emprego do material educativo em meio digital.

8.2 INTERATIVIDADE[editar | editar código-fonte]

Alicerçando a base teórica no pressuposto de que o “estudo da interação mediada é antes de tudo um problema de comunicação”[22] e não da computação, apega-se, aqui, para a análise do processo interativo, a uma abordagem sistêmico-relacional cuja intenção é sedimentar o caminho da transposição conceitual para a Pedagogia. Assume-se, aqui nesta tese, que a ação pedagógica é uma interação racional e intencional que ocorre entre duas ou mais pessoas a partir de uma perspectiva reflexiva, metódica e sistemática, com a finalidade de promover a mudança e a transformação cognitiva, afetiva, moral, social e cultural nos envolvidos e não um problema tecnológico, reduzido a questões de técnicas e instrumentos de ensino-aprendizagem.

A primeira premissa está na adoção da tipologia, para o estudo da interação, mediada pelo computador, proposta por Alex Primo, na qual dois grupos de interação são definidos: “mútua e reativa”. Primo conceitua a interação mútua como aquela “caracterizada por relações interdependentes e processos de negociação, em que cada interagente participa da construção inventiva e cooperada da relação, afetando-se mutuamente”; e interação reativa é aquela “limitada por relações determinísticas de estímulo e resposta” (op.cit.). Cada grupo detém características distintas e de per se, características particulares.

A interação mútua caracteriza-se pela modificação dos comportamentos recíprocos dos agentes envolvidos, durante o processo de comunicação, em ação encadeada, quando cada novo comportamento de interação é modificado, devido à influência das ações anteriores, sem nenhuma previsibilidade. Enquanto a interação reativa caracteriza-se pela relação estímulo-resposta, prevista no meio de forma limitada e finita, independendo da quantidade de pares estimulo-resposta pré-determinados.

Desde já, para efeito desta tese, descarta-se peremptoriamente a rotulagem de “bom-má; melhor/pior” a qualquer uma dessas formas de interação. A leitura de um livro é tão importante quanto um debate levado a efeito num chat. Deixa-se claro também que a educação não é a simples leitura de manuais, nem o conhecimento é construído fora da interação social. Isto é, a aquisição de conhecimento é um processo de procura e elaboração de informações sob a mediação de um ou mais interagentes.

Faz-se aqui uma retomada da análise semântica das palavras interação e interatividade e seus significados nas ciências fronteiriças à Pedagogia, visando caracterizar aquilo que elas explicitam e aquilo que elas deixam implícito. Em Pedagogia é importante tornar explícito o não-dito e entender os diversos enfoques que tais definições assumem, bem como seus multifacetados significados. Buscando no Dicionário da Língua Portuguesa 2009[23] têm-se as seguintes definições para os verbetes interação e interatividade, agrupados na Figura 20:

Figura 20 - Origem semântica de interação e interatividade. Fonte: Elaboração própria.

Portanto, na Língua Portuguesa, interação é a ação recíproca entre dois ou mais agentes. Enquanto interatividade é a possibilidade de interação entre indivíduos ou elementos de um sistema. Ou seja, a interatividade carrega um potencial para que ocorra a interação entre indivíduos ou elementos de um sistema. Logo, havendo interação, concretiza-se a interatividade.

De outra forma, reconstruindo o verbete interatividade desde sua origem, unindo-se o prefixo inter com o substantivo activitáte, obtém-se de suas respectivas definições (Figura 20): dentro de um conjunto de atos ligados ordenadamente para a realização de determinado fim. Ou seja, a interatividade pode ser também entendida como: dentro de um processo para a realização de determinado fim. Lembrando que a aquisição do conhecimento é um processo com fim determinado, pode-se inferir que na aquisição do conhecimento a interatividade está intrínseca.

O verbete atividade, de acordo com Alexei Nikolsivevich Leontiev[24], co-autor da Teoria Sócio-Histórica, possui conceituação específica nessa teoria. Para Leontiev atividade significa realizar ações e operações físicas e/ou mentais, que resultem num produto. E mais, tal atividade é definida a partir de motivos, objetivos e finalidades conscientes e comuns para certo grupo, podendo inclusive gerar múltiplas ações.

Logo, nessa visão teórica, a interatividade significa realizar um conjunto de atividades, tendo os sujeitos envolvidos como co-autores do produto construído, ligadas ordenadamente para a concretização de determinado fim, de maneira intencional e planejada.

Condensando as abordagens sobre a interatividade, estudadas no terceiro capítulo deste trabalho, resume-se no Quadro 6 as tipologias e modelos revisados:

Quadro 6 - Resumo das tipologias e/ou modelos de interatividade
Abordagem Interatividade Focado em
Transmissionista linear entre fonte e usuário Conteúdo (informação)
Informacional Reativo

coativo

pró-ativo

Informação
Tecnicista Unidirecional

bidirecional

bidirecional parcial

Meio de Comunicação (canal)
Mercadológico argumento de venda Propaganda
Antropomórfico metáfora do diálogo humano/máquina Inteligência Artificial
Arte Digital sistema estático

sistema dinâmico passivo

sistema dinâmico interativo

sistema dinâmico interativo variado

Observação

Observação

Interação

Interação


O quadro 6 resume enfoques sobre interatividade, estudados neste trabalho, objetivando deixar claro que o modelo de sistema dinâmico interativo variado, do enfoque arte digital, vai ao encontro das teorias educacionais elencadas e pode ser empregado de acordo com os postulados pedagógicos de conteúdos curriculares, na argumentação do conceito de interatividade educativa. Pois, com foco voltado para a interação, este modelo permite que, além do autor, outros interagentes assumam o papel de co-autores do resultado obtido ao final do processo. Dessa forma, moldando-se como um dispositivo para a facilitação pedagógica indicada por Ausubel e, ao mesmo tempo, como instrumentalização da mediação proposta por Vygotski. Enquanto os demais modelos de interatividade apresentados no Quadro 6 afastam-se dessas teorias por possuírem foco distante da interação entre agentes.

8.3 CONTEÚDOS E INTERATIVIDADE EM MEIOS DIGITAIS[editar | editar código-fonte]

O vocábulo conteúdo possui significado distinto nas ciências fronteiriças à Pedagogia, como as que aqui se transitou. Logo, ao referir-se a conteúdo um profissional do jornalismo não estará dizendo algo idêntico ao analista de sistemas. Menos ainda, o professor, ao referir-se a conteúdo estará em plena sintonia com qualquer um daqueles. Esclarecer tais diferenças é a intenção agora iniciada e para isso trazem-se Elisabeth Fátima Torres e Alberto Angel Mazzoni que assim definem conteúdo no contexto da Ciência da Computação:

Um conteúdo é uma forma semiologicamente interpretável, desenvolvida em determinado formato e que adquire significado devido aos antecedentes socioculturais das pessoas que acessam. Ou seja, um conteúdo torna-se importante devido ao valor de uso que ele representa para o seu destinatário[25]. Um conteúdo digital é assim caracterizado por estarem as suas informações codificadas em binário e serem processadas através de sistemas informáticos digitais[26].

Fica claro que, na Computação, conteúdo digital é dado codificado num sistema numérico e que numa visão mais abrangente pode ser entendido como todo dado que pode ser convertido para o formato binário, seja um texto, uma imagem, uma cena em vídeo ou filme, um som, um gráfico, uma animação, entre outras coisas passíveis de digitalização. Embora, na área de projeto para Internet (Web-design), conteúdo esteja restrito ao texto digitalizado (Nota do autor: Para Jakob Nielsen[27] conteúdo é texto. Enquanto, Louis Rosenfeld e Peter Morville[28] falam que conteúdo é informação, no formato texto). Mas, o que é digitalização? A resposta é dada por Maria Lúcia Figueiredo Fagundes[29]: "[...] significa converter para o formato eletrônico um dado que esteja armazenado em sistema analógico ou um suporte fixo (livro, jornal, foto, pintura, filme, vídeo, áudio). Significa também selecionar formatos para arquivar dados e os disponibilizar em rede [...]."

Por outro lado, a Ciência da Comunicação tem um debate em aberto sobre o conceito de conteúdo. O pano de fundo dessa discussão está nos direitos autorais, ou seja, no valor do conteúdo. Na Europa esse debate se dá agora, tanto em universidades, como nos tribunais. O professor e advogado Pedro Dias Venâncio[30], do Instituto Politécnico do Cavado e Ave, em Portugal, produziu um artigo, destinado a professores e tutores que atuam em Educação à Distância naquele pais e é perfeitamente aplicável no Brasil:

Este ‘conteúdo’ pode ser ‘informação’ em sentido estrito - descrição de factos referentes a pessoas, instituições ou acontecimentos naturais, políticos, sociais, económicos, culturais, religiosos, etc. -, e pode ser ‘opinião’, enquanto exercício da liberdade de expressão - crónicas ou comentários, os denominados ‘artigos de opinião’. Até aqui referimo-nos a conteúdos expressos através de uma linguagem verbal ou escrita.

Mas ‘conteúdo’ pode ser também ‘bens’ não necessariamente traduzíveis em linguagem verbal ou escrita. Neste sentido ‘bens’ são todas as coisas compostas de imagens e/ou sons, com ou sem linguagem verbal. Excluiremos deste conceito apenas as coisas na sua expressão ‘corpórea’ pois esta não é susceptível de digitalização, mas já consideraremos ‘bem’, para este efeito, as representações digitalizadas desses bens (em formato de imagem – jpeg, gif, tiff – formato de som – mp3 – ou formato de vídeo – mpeg).

O alerta de Pedro Venâncio mostra que no Direito o conceito de conteúdo é amplo, envolvendo a informação textual descritiva de um fato jornalístico ou não, a opinião e a representação digitalizada de imagens, sons e vídeo, trazendo novos elementos para a discussão travada no campo da Comunicação. Entretanto o destino do estudo jurídico de Venâncio é o professor, que ao utilizar o conteúdo comunicativo deve estar atento aos direitos autorais de terceiros.

A professora Elizabeth Saad Corrêa[31], da ECA-USP, aponta que o debate sobre o conteúdo e, em especial, sobre o conceito de conteúdo, está nas redações jornalísticas e na academia:

"A própria mensagem passa por transformações, seja no fluxo de produção de conteúdos, no próprio conceito de conteúdo alavancado pelos recursos de hipermídia, além de um novo papel para os jornalistas e comunicadores potencializados pelos recursos digitais. Tudo isso preservando os valores intrínsecos da responsabilidade de informar e comunicar na sociedade. Pode-se concluir que ainda há muito (ou quase tudo) por fazer."

Elizabeth Corrêa explica que, em Comunicação, conteúdo em meio digital é a mensagem (notícia, por exemplo), prestação de serviços, venda de arquivos e comércio eletrônico, distribuídos ao mesmo tempo numa embalagem sofisticada e personalizada. Para ela, o desafio do profissional de comunicação é fazer a transformação da mensagem em conteúdo e, ao mesmo tempo, manter suas características básicas de valores e credibilidade (op. cit.).

Um dos compromissos da Pedagogia é a construção de novos conhecimentos e para isso não se pode a priori desprezar o uso da tecnologia da informação digital e do processo de comunicação. Embora haja uma diferença fundamental no objetivo final da Comunicação, Computação e da Pedagogia, pois enquanto na Comunicação o objetivo central é fazer a informação chegar ao receptor e, na Computação, a finalidade é processar a informação. Na Pedagogia a informação é insumo na construção e reconstrução conceitual do conhecimento. Ponto, aliás, central deste estudo, pois não enfoca o processamento comunicativo ou o computacional da informação digital; mas, sim, o processo educativo que pode se dar ao uso da mediação sobre um meio digital, e como chave da interação professor-material didático -aluno recorta a interatividade.

Esta centralidade é reforçada, quando o uso do vocábulo interatividade se dá de forma tal que nada mais sobre a questão é necessário pensar. Que interatividade? Só os novos meios são interativos? Qual relação há entre interatividade e o ato educativo? São perguntas sem respostas, mas que teimam em martelar sobre a necessidade de mais estudos, cuja visão seja multidisciplinar e convergente ao campo da Pedagogia.

Entretanto, no campo da Comunicação, Laan Mendes de Barros[32] discutiu no Grupo de Trabalho “Epistemologia da Comunicação” em recente encontro da Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação), a questão do objeto de estudo da área, confirmando a tese levantada por Elizabeth Saad Corrêa sobre a contemporaneidade desse debate . Na ocasião, escreveu ele: “Os limites de nosso campo e a especificidade de nosso objeto de estudo são temas recorrentes em nossas discussões e estão no centro das nossas atenções desde os anos sessenta”.

No mesmo estudo, Laan de Barros alertou para o uso de termos não pacificados: “Mídia, midiatização, mediatização e mediação foram termos utilizados naquela ocasião e estão presentes em nossos discursos; muitas vezes eles são sobrepostos, ou utilizados de maneira pouco precisa” (op.cit.). Quando Barros fala nos limites daquele campo, refere-se à corrente teórica liderada por Jésus Martin-Barbero[33], e sobre a qual é lançado o alicerce da “ponte conceitual”, ao nosso entender, capaz de estabelecer contato na zona fronteiriça entre Comunicação e Pedagogia.

A Comunicação, enquanto ciência, possui limites que tocam em outros campos científicos. Martin-Barbero vem propondo um deslocamento metodológico na atenção da pesquisa em comunicação, dos meios às mediações, delineando assim novos contornos para o campo. Em suas palavras:

A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de re-conhecimento. Um reconhecimento que foi, de início, operação de deslocamento metodológico para rever o processo inteiro da comunicação a partir de seu outro lado, o da recepção, o das resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a partir de seus usos. Porém num segundo momento, tal reconhecimento está se transformando, justamente para que aquele deslocamento não fique em mera reação ou passageira mudança teórica, em reconhecimento da história: re-apropriação histórica do tempo da modernidade latino-americana e seu descompasso encontrando uma brecha no embuste lógico com que a homogeneização capitalista parece esgotar a realidade do atual.

As idéias de Martín-Barbero articulam o estudo da comunicação de maneira interdisciplinar, colocando a mídia como elemento de mediação social e não mais como centro das atenções dos pesquisadores daquele campo. Dando ao receptor da mensagem o papel de produtor de significações em lugar da receptividade passiva ou mero decodificador de mensagens, o autor desloca o objeto de estudo da comunicação para áreas fronteiriças a ela:

Abre-se assim ao debate um novo horizonte de problemas, no qual estão redefinidos os sentidos tanto da cultura quanto da política, e do qual a problemática da comunicação não participa apenas a título temático e quantitativo – os enormes interesses econômicos que movem as empresas de comunicação – mas também qualitativo: na redefinição da cultura, é fundamental a compreensão de sua natureza comunicativa. Isto é, seu caráter de processo produtor de significações e não mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é simples decodificador daquilo qual o emissor depositou na mensagem, mas também um produtor.

Para essa corrente de pensamento, o receptor passa a ter o papel de sujeito na comunicação, alterando significativamente o enfoque dado à mensagem, passando assim por transformação ao ser apropriada pelo receptor. Laan de Barros explica a consequência disso:

"E são diversificados os sentidos que elas ganham, decorrentes das diferentes mediações com as quais os receptores vivenciam. E na medida que elas ganham novos significados, elas se desdobram em novas práticas, em ações. [...] E se isso se faz, é possível desmistificar o poder onipresente da mídia e investir nas possibilidades de ação – e não apenas reação – dos receptores e na construção de um saber coletivo."

Voltando a Martín-Barbero nota-se que o intelectual atravessa a fronteira de seu campo de estudo e analisa a escola sob tal ótica: “a escola encarna e prolonga como nenhuma outra instituição, o regime do saber que instituiu a comunicação do texto impresso” (op. cit.). Nisso não está só, Adilson Citelli[34] vai mais longe à conformação dessa nova fronteira ao afirmar que: “Os pólos de formação descentraram-se e tenderão a intensificar cada vez mais as possibilidades de se obter informações e mesmo conhecimentos por meio de mecanismos até a pouco privativa do espaço escolar”, ou seja, a instituição escolar necessita ampliar suas fronteiras em direção à mediação descentralizada.

Dessa forma os pesquisadores da Comunicação iniciaram a construção de uma “ponte teórica” com outras ciências. Partindo então da Pedagogia, onde a construção do saber individual e coletivo é intencional, organizado e sistemático, o presente estudo inicia a construção do outro lado dessa “ponte teórica”, assentada neste trabalho no planejamento e execução da ação pedagógica pelo professor na oferta do conteúdo em mídia digital, fazendo uso da ação comunicativa mediada e especializada.

Pressupondo que no ensino escolar cabe ao professor incentivar o aluno na busca de sua autonomia, mediando à oferta planejada e sistemática do conteúdo curricular, buscou-se argumentar em favor da interatividade educativa, para além das mediações com o meio, incluindo mediações com agentes presentes no ato pedagógico (professores, alunos, conteúdo etc.), em consonância ao proposto pela corrente teórica liderada por Jésus Martin-Barbero.

Na Pedagogia, conteúdo (curricular, de ensino ou disciplinar) é o conjunto constituído por conhecimentos, habilidades, hábitos, valores e atitudes, organizados pedagógica e didaticamente. No dizer de Antoni Zaballa[35] conteúdos são:

"Devemos nos desprender desta leitura restrita do termo “conteúdo”, entendê-lo como tudo quanto se tem para aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas como também incluem as demais capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem se reduzem unicamente às contribuições das disciplinas tradicionais. Portanto, também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de inserção social."

Ao ampliar o conceito de conteúdo, para além da capacidade cognitiva, como tudo aquilo que se tem que aprender, Zaballa explica que: “[...] a formação integral é a finalidade principal do ensino e, portanto, seu objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não apenas a cognitiva.” (op. cit.).

César Coll[19] apresenta três dimensões para conteúdo: “o que se deve saber?” (dimensão conceitual); “o que se deve saber fazer?” (dimensão procedimental); e, “como se deve ser?” (dimensão atitudinal). A partir dessa ampliação qualquer construção, reconstrução ou apropriação do conhecimento, com vista ao desenvolvimento de potencialidades, habilidades e atitudes do ser humano é um conteúdo. Inclua-se aí o procedimento para tal construção ou apropriação.

Antoni Zaballa indica para o ensino de conteúdos conceitual que as atividades escolares devem ser as “que situem os aprendizes frente às experiências que permitam a compreensão, o estabelecimento de relações e a compreensão do que foi aprendido” (op. cit.). Enquanto a aprendizagem dos conteúdos atitudinais exige conhecimento e reflexão sobre os possíveis modelos, apropriação e elaboração do conteúdo (op. cit.). Zaballa diz que “para a maioria dos conteúdos procedimentais em que se deve adaptar o ritmo e a proposição das atividades às características de cada menino ou menina.”, o trabalho individual é a estratégia de ensino mais adequada. (op. cit.).

À Resolução CEB n.º 3, do Conselho Nacional de Educação, em seu Artigo 5.º, Inciso I, consta “ter presente que os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas meios básicos para constituir competências cognitivas ou sociais, priorizando-as sobre as informações[36]. Com respaldo na legislação, é possível afirmar que o conteúdo deixou de ser um fim da Educação, ou seja, a informação deixou de ser a única prioridade na escola, e, por consequência, os modelos comunicativos informacional, transmissionista, tecnicista e mercadológico da interatividade perdem força para outras abordagens.

Sob o olhar da Arte Digital, no sistema dinâmico interativo variado, o participante, o ambiente e o tempo modificam o trabalho artístico de tal forma que surge um novo objeto. Intentando efetuar a transposição do campo da Arte para a Pedagogia, com base nesse modelo, admite-se a seguinte diagramação, conforme o esquema da Figura 21:

Figura 21 Transposição do sistema dinâmico interativo variado. Fonte: Elaboração própria.

Intentando esquematizar o modelo de interatividade educativa, faz-se a primeira adaptação do sistema dinâmico interativo variado, descrito por Cornock e Edmonds, para neste modelo translato, substituir o fator tempo por professor, ambiente por meio digital, trabalho artístico inicial por conteúdo, participante por aluno e trabalho artístico final por conhecimento, obtendo-se no modelo transposto aluno, professor e meio digital, modificando conteúdo e aluno de tal forma que surge um novo objeto: o conhecimento.

Se, ainda sobre esse modelo (Figura 21), for aplicado o conceito de interação mútua advindo do modelo de comunicação numa abordagem sistêmico relacional, conforme Alex Primo (op. cit.), obtém-se o acréscimo de setas de duplo sentido, exceto meio-conteúdo e meio-conhecimento, em todos os demais relacionamentos. Transformando o modelo inicial para o ilustrado a seguir na Figura 22:


Sistema dinâmico interativo variado na aprendizagem
Figura 22 Sistema dinâmico interativo variado na aprendizagem. Fonte: Elaboração própria.

Objetivamente e para efeito desta obra, esse modelo modificado isola do meio digital aluno e professor, devido ao fato de que o meio digital não possui a mesma relevância na ação pedagógica e no processo de aprendizagem. O aluno agindo sobre o conteúdo transforma-o em conhecimento próprio, fato esse percebido e avaliado pelo professor, que por sua vez referenda o processo realizado pelo aluno e decide pelo avanço ou não em direção a novos conteúdos. Argumenta-se, também, que o modelo atende as teorias de Vygotski (mediação/interação) e de Ausubel (facilitação pedagógica).

Sob a ótica da Teoria Sócio-Histórica, o modelo instrumentaliza a mediação entre o conhecimento-educador-aprendiz, por meio dos relacionamentos (interações) que materializam o acesso mediado. Ao mesmo tempo, atende o prescrito por Leontiev ao permitir realizar, de maneira intencional, planejada e tendo os sujeitos envolvidos como co-autores, um conjunto de atos ligados ordenadamente para a concretização da construção do conhecimento.

Submetendo o modelo à Teoria da Aprendizagem Significativa fica patente que o dispositivo pedagógico é capaz de implementar os princípios facilitadores como a diferenciação progressiva, reconciliação integradora, organização seqüencial e a consolidação. Potencializando a criação de um conjunto de atividades sistemáticas articulando, como andaimes, conteúdo, relacionamentos (interação), mídias e pessoas envolvidas. Permitindo, também, a elaboração de materiais mais inclusivos.

Os elementos constitutivos do modelo apresentado são: aluno, professor, conhecimento, mídia digital e conteúdo. Do currículo extraí-se o conteúdo a ser ensinado e cabe ao professor a decisão da forma de apresentação do conteúdo ao aluno, aí incluído o emprego de meios digitais para sua representação.

Nessa decisão, o professor, em sua ação de ensinar, deve atender às categorias de conhecimento do conteúdo, propostas por Lee Shulman (1986, p.9-14): conhecimento do conteúdo da matéria ensinada e o conhecimento pedagógico do conteúdo. Sobre o conteúdo da matéria ensinada o mesmo autor esclarece que mais que saber o conteúdo (fatos e conceitos) deve o professor compreender a matéria a ser ensinada; pois, em compreendendo, é possível criar formas adequadas de ensino e comunicação do assunto.

Lee Shulman (op. cit.) considera que o conhecimento pedagógico do conteúdo inclui formas mais comuns de representação das idéias, exemplos, analogias, demonstrações e ilustrações sobre o assunto. Em outras palavras, o modo de representar e formular o conteúdo de maneira a torná-lo compreensível para os outros.

Esta última forma de conhecimento do conteúdo é vital no planejamento dos conteúdos em meios digitais, desde que permite planejar o assunto em particular e transpor as estratégias de ensino para algum meio digital. Isso não significa que a outra forma de conhecimento esteja descartada, muito ao contrário, o professor que possui o conhecimento e compreende o conteúdo a ser ensinado, é capaz de apontar o essencial, o válido e verdadeiro naquele campo, selecionando o meio digital adequado e, assim facilitar a compreensão do aprendiz.

Diante das considerações até aqui postas, argumenta-se que o sistema dinâmico interativo variado na aprendizagem, modelado na Figura 22, seguindo aos preceitos da abordagem sistêmico-relacional, atende aos pressupostos de mediação/interação conceituada em Teoria de Vygotski, da mesma forma, acolhe a facilitação pedagógica, e conceitos correlatos, definida na Teoria de Ausubel. Ao mesmo tempo, o modelo adapta-se perfeitamente à Teoria da Atividade de Leontiev ao envolver os sujeitos da ação pedagógica como co-autores do resultado construído, em atividades ligadas ordenadamente para a concretização de determinado fim, de maneira intencional e planejada.

8.4 INTERATIVIDADE EDUCATIVA EM MEIOS DIGITAIS[editar | editar código-fonte]

O sujeito com quem o debate foi travado neste estudo é o professor. O educador aberto ao diálogo, pois, que trabalhar de forma intencional e responsável, de modo a promover e mediar as trocas entre os aprendizes, a problematizar situações relevantes para os alunos, e a instigar a reflexão sobre a ação própria, é a segunda pessoa com quem se argumenta. Contrariamente, esse professor que não tem a obrigação de ser fluente em pensamentos afetivos, analíticos e sintéticos, simultaneamente, como um deus mitológico, superior aos demais humanos e desconectado da realidade onde vive, é o que, em última análise, decide sobre a abordagem que norteará o planejamento, a construção e o emprego do ensino.

Tendo em mente o norte apresentado nesta abordagem, o professor planeja a ação em função do conteúdo a ser apresentado ao aluno. E quando se fala conteúdo, está se falando de conjunto composto por conceitos, habilidades, hábitos, valores e atitudes, organizados pedagógica (op. cit.) e didaticamente, sob três dimensões: conceitual, “o que se deve saber?”; procedimental, “o que se deve saber fazer?”; e atitudinal, “como se deve ser?” (op. cit.)

Justamente sobre a abordagem ou abordagens que a decisão e ação do professor se darão, que se faz aqui a opção pela Teoria Sócio-Histórica (ou Sócio-Interacionista) de Lev S. Vygotski. O professor está, principalmente com seus alunos, no mundo em constante interação social construindo e reconstruindo conhecimentos, de modo a realizar de maneira instrumentalizada uma mediação intencional entre conhecimento-educador- aprendiz.

Vygotski ressalta estarem presentes na aprendizagem a adaptação e a mediação. O professor, ao planejar e empregar estímulos auxiliares ao desenvolvimento os quais, no processo educativo, são os dispositivos pedagógicos à disposição do aprendiz, operam a mediação entre o conhecimento e as estruturas psicológicas do indivíduo que se adapta e ativamente aprende. Sob tal abordagem, o objetivo é levar o aprendiz para além da própria experiência sensorial direta, e cuja finalidade é instigar, necessária e obrigatoriamente de forma sistemática, o desenvolvimento de conceitos científicos não espontâneos.

A Teoria Sócio-Histórica indica que a prática pedagógica deve apoiar-se em uma premissa fundamental – “todo conhecimento provém da prática social e a ela retorna: o conhecimento é um empreendimento coletivo, nenhum conhecimento é produzido na solidão do sujeito, mesmo porque essa solidão é impossível[37] – a qual sugere que a ênfase está na postura do professor diante do aluno como mediador, facilitador e instigador à apropriação do conhecimento pelo aluno.

O professor dialógico cuja postura sócio-histórica é norte da ação pedagógica pode, ao momento de planejar o ensino e para intervir na estrutura cognitiva do estudante, empregar a facilitação pedagógica e demais conceitos ausubelianos a ela relacionada, apropriar-se, complementarmente como aqui se propõe, do cabedal de conhecimento advindo da Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel.

Em usando recursos visuais e auditivos, apoiados em meios digitais, com a intenção de motivar, despertar, conquistar, para um dado conteúdo, a atenção do aluno e demonstrar, expor, simular, desvelar, reconstruir um conceito científico, o professor facilitador pedagógico lança mão de conceitos da aprendizagem significativa, como organizadores prévios, diferenciação progressiva e reconciliação integrativa. Pois que a facilitação pedagógica está situada no momento da prática pedagógica e está intrínseca à mediação pedagógica.

Em síntese, em teoria sócio-histórica, Lev Vygotski enfatiza que o desenvolvimento cognitivo do indivíduo (pensamento, linguagem, comportamento, memória) tem origem em processos sociais; ou seja, as relações sociais se convertem em funções psicológicas via mediação/interação. Por outro lado, David Ausubel ensina que interage de forma significativa o conhecimento prévio do aprendiz com o novo conhecimento e na estrutura cognitiva já existente provoca mudança ou assimilação cuja designação é a aprendizagem significativa. Essa abordagem indica que devem as atividades educativas desafiar a raciocinar aquilo que o aluno já sabe e, ao mesmo tempo, exigir um nível de abstração maior.

De que modo pode o professor na prática aplicar esses princípios à decisão de empregar meios digitais na apresentação de conteúdo? O educador ao planejar, elaborar e empregar conteúdos em meios digitais pode melhor se apropriar dos conceitos de mediação e de facilitação pedagógica, interagindo em primeira pessoa com o aprendiz, com o material e visando ao planejamento de maior interação entre o aluno e o material, como também à facilitação da interação horizontal entre alunos. Dessa forma, consegue-se estimular a estrutura cognitiva do aluno na direção da assimilação significativa.

A apropriação das tecnologias digitais altera e amplia o espaço da prática docente, mas não enfraquece a figura do professor nas mediações pedagógicas, pois conforme Vani Moreira Kenski[38] ao escrever sobre o lugar do professor na sociedade da informação: “[...] o papel do professor se altera, e muito, na nova sociedade digital. Em alguns sentidos se amplia, mas não se extingue”.

Com base em duas teorias educacionais, a Sócio-Histórica de Vygotski e a Aprendizagem Significativa de Ausubel, pode o material didático-pedagógico mediar a ação de ensino do conteúdo, de modo a pedagogicamente facilitar a aprendizagem; então, é forçoso planejar e elaborar esse material segundo tais teorias quando o meio a ser utilizado for o digital. Esta inversão de abordagem ora argumentada em favor da Pedagogia, norteou a discussão teórica até aqui realizada.

Nessa visão os meios digitais, se assim empregados, permitem que o professor se aproprie das tecnologias da informação e da comunicação ao planejar e preparar conteúdo de ensino, de maneira a facilitar e a mediar para o estudante a construção de conhecimento.

A ação educativa, enquanto ação comunicativa entre pessoas, está sujeita às teorias construídas pela comunicação de forma específica. Ao debate, Alex Primo traz dois pertinentes conceitos sobre interação no processo de comunicação: interação mútua, caracterizada por relações interdependentes e processos de negociação, nos quais cada interagente participa da construção inventiva e cooperada da relação, a afetar-se mutuamente; e interação reativa, como aquela limitada por relações determinísticas de estímulo e resposta.

A interação mútua caracteriza-se pela modificação dos comportamentos recíprocos dos agentes envolvidos durante o processo de comunicação, em ação encadeada quando, devido à influência das ações anteriores, sem nenhuma previsibilidade é modificado cada novo comportamento de interação. A interação mútua quando observada sob o prisma de David Ausubel é potencialmente significativa.

A interação reativa, por sua vez, caracteriza-se pela relação estímulo-resposta, prevista no meio de forma limitada e finita e independente da quantidade de pré- determinados pares estímulo-resposta. Sob a visão de David Ausubel, essa forma de interação favorece a aprendizagem mecânica. A interação reativa tem sido a abordagem norteadora da produção de sistemas computacionais educativos, mas só ela não dá conta da apropriação do conhecimento, quando vista pelo ângulo da teoria ausubeliana.

Para além do transmissionismo informacional que caracteriza o emprego de artefatos digitais em Pedagogia, significa conhecer a dimensão educacional como qualitativa da comunicação que se estabelece no discurso, no texto, na imagem, no som, nos processos cognitivos e nas relações interpessoais. Para tanto, é imperioso assumir que na construção social do conhecimento a cooperação, criatividade, autonomia, mediação e facilitação pedagógica estão presentes nos interagentes do ato educativo (pessoa-pessoa; pessoa-conteúdo; pessoa-meio).

Assumiu-se aqui que a aquisição do conhecimento é um ato de interação sócio- histórica, mediada por signos cuja representação é o objeto a ser aprendido. Daí argumentou-se que, quando ofertado em meio digital o conteúdo deve favorecer a interação mútua. Também, que, em meio digital, ao se planejar material educativo está presente uma variável contínua, denominada aqui interatividade educativa, presente na relação entre o aprendente e o conhecimento, e que deve ser levada em conta no ato de planejar.

Face ao exposto, pode-se concluir que interatividade educativa é uma variável substantiva na qual se opera valoração contínua entre interação mútua e reativa, como limites, e pode ser definida como a mudança qualitativa do conhecimento sobre o conteúdo de ensino, ocorrida por meio de interação na ação pedagógica.

Diante desse conceito e considerando que o professor escolhe a mídia digital onde o conteúdo será ofertado, o modelo de sistema dinâmico interativo variado na aprendizagem - adaptado (Figura 22), criado por Cornock e Edmond no campo da Arte Digital, passa a ter a conformação do seguinte dispositivo pedagógico, representado na Figura 23:

Figura 23 - Modelo proposto de interatividade educativa. Fonte: Elaboração prórpia.


Nesse modelo (Figura 23) a interatividade educativa, no diagrama de contexto, assume o papel de processo para possibilitar que, por meio de interações mútuas entre professor e alunos, possa o grau de interatividade educativa presente naquele processo ser avaliada numa escala qualquer entre os limites da interação mútua como desejável, da interação reativa como intermediária e a não interação como o outro extremo.

A presença no modelo de um relacionamento específico entre professor-alunos torna explícita a opção pela teoria Sócio-Histórica. O acréscimo da recursividade (Nota do autor: “Um processo recursivo é um processo em que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os produziu[39]) na entidade alunos é decorrência das interações horizontais aluno-aluno e que estão representadas no processo pela seta curva com origem e destino na mesma entidade. A teoria de Vygotski trata a interação horizontal como uma das formas de mediação no avanço do aprendiz em sua própria zona de desenvolvimento proximal, por meio de relações interpessoais com seus colegas mais experientes. Neste aspecto, o modelo atende ao proposto na teoria vygostikiana.

O processo que registra digitalmente a mudança conceitual do aluno sobre determinado conteúdo (Conhecimento baseado na mudança do conteúdo) torna público, no ambiente digital, a significação dada pelo aluno ao conteúdo apresentado pelo professor. Ou seja, o aluno exterioriza a representação daquele conteúdo em sua estrutura cognitiva, indicando ao professor se ocorreu ou não a assimilação desejável da aprendizagem significativa ausubeliana, assim como dispara a etapa de consolidação. Sob a ótica de Vygotski, o processo materializa a formação de novos sistemas funcionais de aprendizado do aluno, ao registrar o resultado do processo interno de reconstrução do significado e de reestruturação de sua forma particular de interiorização progressiva do conhecimento.

Ao planejar e elaborar o processo denominado “Conteúdo em mídia digital” cabe ao professor utilizar os princípios facilitadores da aprendizagem significativa e decidir pelo emprego de organizadores prévios e de instrumentos para a diferenciação progressiva, para a reconciliação integradora, para a organização seqüencial e para a consolidação. Assim, o professor deve explorar relações entre conceitos e proposições, chamando atenção para diferenças e semelhanças, respeitando a seqüência dos tópicos de forma coerente com as relações de dependência naturalmente existentes entre eles no conteúdo a ser apresentado.

Com o emprego deste modelo (Figura 23), um ambiente digital de interface simples pode, mesmo assim, mediar um processo pedagógico dialógico e significativo, ao criar um potencial ambiente sócio-cultural. Essa proposição foi realizada na esteira de um relato de pesquisa, realizada sobre o emprego de um meio digital na formação de professores e coordenada por Marluce Jaques de Albuquerque[40]. Nesse contexto o autor afirma que “[...] pudemos constatar que ele (meio digital) é um território de educação possível, pois notamos aprendizagens significativas, externadas nas atitudes dos alunos, na medida em que puderam transformar informações em conhecimentos construídos”. A constatação do grupo de pesquisa de Marluce Albuquerque de que os professores, em um processo de formação continuada por meio de ambiente digital, foram capazes de transformar informações em conhecimentos construídos, gerando aprendizagens significativas, pode ser vista como motivação para, em suas práticas pedagógicas, planejar, elaborar e realizar o ensino em meio digital. E, ao mesmo tempo, significa estabelecer um território possível para a formação de professores.

Submetendo o modelo de interatividade educativa (Figura 23) aos princípios da Teoria dos Sistemas, de Bertalanffy[41], constata-se que o mesmo atende ao princípio sistêmico de eqüifinalidade (A capacidade de um sistema alcançar por caminhos diferentes o mesmo estado final) ao permitir resultados equivalentes que podem surgir de origens diferentes. Atende também ao princípio de não-somatividade (A soma das partes não ultrapassam o todo), ao utilizar as interações mútuas descarta a mera soma das ações ou das características individuais de cada interagente. Os seus elementos são associativos e relacionados uns aos outros de forma articulada e coerente, atendendo aos princípios da interdependência (Todos os elementos do sistema agem voltados para um mesmo objetivo, de maneira) e da organização (Remete à articulação, à coerência e às ligações das partes de um todo), assim como existem em quantidade finita, atendendo ao princípio de estrutura (Refere-se à quantidade de relações estabelecidas no sistema até um determinado instante de), O planejamento (A capacidade de um sistema de apresentar algum grau de previsibilidade, de antevisão de um estado, ambiente futuro), do emprego do conteúdo é outro princípio teórico satisfeito. Ao modificar o conteúdo, transformando-o em conhecimento, tanto professor quanto aluno tem controle ou auto-regulação (A capacidade de um sistema em avaliar o desempenho do processo, objetivando um resultado adequado) sobre o trabalho e, ao mesmo tempo atendem ao princípio da diferenciação (Capacidade dos sistemas à diferenciação e elaboração. Atividades globais são substituídas por atividades mais especializadas). O esforço coletivo de recriar o conteúdo em forma de conhecimento, e para tal, estabelecendo relações horizontais e verticais atendem ao princípio da conectividade (É o princípio que exprime a capacidade dos elementos de um sistema de estabelecerem relações (conexões, associações)), e ao distribuir responsabilidades entre os componentes do modelo, atendem ao princípio da transformação (Para executar algum tipo de trabalho, sistemas abertos transformam os insumos que têm à sua disposição).

Por fim, o modelo ora apresentado na Figura 23 possui as quatro características básicas de um sistema, a saber:

(a) é constituído de elementos interdependentes com objetivo em comum. Os componentes organizam-se para a construção de um objetivo específico: o conhecimento;

(b) há relações entre elementos constitutivos do modelo. Os componentes do modelo associam-se em relacionamentos identificáveis e necessários;

(c) o objetivo comum do modelo é perfeitamente identificado – apropriação de conhecimento;

(d) o contexto ambiental onde o modelo se insere é a ação pedagógica.

É portanto ausubeliano.[42]

  1. VYGOTSKI, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
  2. VYGOTSKI, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
  3. VYGOTSKI, L. Génesis de las funciones psíquicas superiores. In: VIGOTSKI, L. Obras escogidas. Madrid: Visor, 1995. (Problemas del desarrolo de la psique, v. 3).
  4. VYGOTSKI, L. Construção do pensamento e da linguagem, a lingüística. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
  5. VYGOTSKI, L. Psicologia pedagógica: edição comentada. Porto Alegre: Artmed, 2003.
  6. CORREIA, J. A. Inovação pedagógica e formação de professores. Porto: ASA, 1989.
  7. BERNSTEIN, B. Poder, educación y conciencia. Barcelona: El Roure Editorial, 1990.
  8. CASAS, L. A. A. Contribuições para a modelagem de um ambiente inteligente de educação baseado em realidade virtual. 1999. [S.P.]. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999.
  9. 9,0 9,1 PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento: equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa: Dom Quixote, 1977.
  10. SILVA, D.; MARCHELLI, P. S. Informática e ensino: visão crítica dos softwares educativos e discussão sobre as bases pedagógicas adequadas para o seu desenvolvimento. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 12., 1997, Belo Horizonte. Atas... Belo Horizonte: SBF, 1997. p. 517-525.
  11. YACCI, M. Interactivity demystified: a structural definition for distance education and intelligent computer-based instruction. Educational Technology, Englewood Cliffs, v. 40, n. 4, p. 5-16, 2000.
  12. AUSUBEL, D. P. The psychology of meaningful verbal learning. New York: Grune & Stratton, 1963b.
  13. AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J.; HANESIAN, H. Educational psychology: a cognitive view. 2nd. ed. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1978.
  14. SMOLE, K. C. S. Aprendizagem significativa: o lugar do conhecimento e da inteligência. Portal Aprendiz. 1999.
  15. PIAGET, J. Development and learning. Journal of Research in Science Teaching, New York, n. 2, v. 3, p. 176-86, 1964.
  16. PIAGET, J. Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
  17. COLL, C.; SOLÉ, I. Os professores e a concepção construtivista. In: COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1996.
  18. COLL, C. Psicologia e currículo: uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.
  19. 19,0 19,1 19,2 COLL, C. Las comunidades de aprendizaje: nuevos horizontes para la investigación y la intervención en psicología de la educación. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE PSICOLOGÍA Y EDUCACIÓN, 4., 2004, Almería. Actas.... Almería-Espanha, 2004. p1047-1060.
  20. BORGES, E. F. V. Discernimento do esteio teórico nos PCN de língua estrangeira: ensino fundamental. 2003. 204f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2003.
  21. LOBO NETO, F. J. S. Educação à distância: regulamentação. Brasília: Plano, 2000. (republicado em: Boletim Técnico do SENAC, São Paulo, v. 28, n. 2, mai./ago., 2002).
  22. PRIMO, A. F. T. Enfoques e desfoques no estudo da interação mediada por computador. In: CONGRESSO ANUAL EM CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, 26., 2003, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: INTERCOM,– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2003.
  23. Dicionário da Língua Portuguesa 2009 – Acordo Ortográfico. 8. ed. Porto: Porto Editora, 2008. 1738p.
  24. LEONTIEV, N. A. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VYGOSTKY, L. S. LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, Editora da USP, 1988. p.59-83.
  25. RUIZ-VELASCO, E. Algunos elementos para orientar el uso y la producción de contenidos con certidumbre y calidad . In: SIMPOSIO VIRTUAL SOMECE, 2003. Anais... [S. l.] : Sociedad Mexicana de Computación en Educación, 2003.
  26. TORRES, E. F.; MAZZONI, A. A. Conteúdos digitais multimídia: o foco na usabilidade e acessibilidade. Ciência da Informação, Brasília, v. 33, n. 2, p. 152-160, 2004.
  27. NIELSEN, J. Projetando Websites. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
  28. ROSENFELD, L. e MORVILLE, P. Information Architecture for the World Wide Web. Sebastopol- CA: O’Reilly, 1998.
  29. FAGUNDES, M. L. F. Videoteca multimeios: em direção a um banco de dados. 1999. 81 f. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.
  30. VENÂNCIO,P. D. "A previsão constitucional da utilização da Informática". (2007): http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-99112007000200012.
  31. CORRÊA, E. S. Arquitetura estratégica no horizonte da terra cognita da informação digital.  Revista USP, São Paulo, n. 48, p. 100-118, 2001.
  32. BARROS, L. M. Os meios ou as mediações: qual o objeto de estudo da comunicação? In: ENCONTRO DA COMPÔS, 17., 2008, São Paulo. Biblioteca digital. São Paulo: Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2008.
  33. MARTIN-BARBERO, J. Heredando el futuro: pensar la educación desde la comunicación. Nómadas, Bogotá, n. 5, p. 10-22, set. 1996.
  34. CITELLI, A. Educação e mudanças: novos modos de conhecer. In: CITELLI, A. (Org.) Outras linguagens na escola. São Paulo: Cortez, 2000.
  35. ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
  36. BRASIL. Ministério de Educação. Conselho Nacional de Educação. Institui as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio. Resolução CEB n. 3, de 26 de junho de 1998.
  37. GIUSTA, A. S. Concepções de aprendizagem e práticas pedagógicas. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 1, p. 25-31, jul., 1985.
  38. KENSKI, V. M. O papel do professor na sociedade digital. In: CASTRO, A. D.; CARVALHO, A. M. P. (Org.) Ensinar a ensinar: didática para a escola fundamental e média. São Paulo: Pioneira, 2001. v. 1, p. 95-106.
  39. MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 2. ed. São Paulo: Instituto Piaget, 1995. (Coleção Epistemologia e Sociedade).
  40. ALBUQUERQUE, M. J.; CARDOSO, M. S. O.; RODRIGUES, R. P. B. Construção de conhecimento: aprendizagem significativa em outro território de educação e formação. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL EDUCAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO E CIDADANIA: NOVAS PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO, 1., 2008, João Pessoa. Anais... João Pessoa: International Sociological Association (ISA), 2008.
  41. BERTALANFFY, L. von. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 1973.
  42. AUSUBEL, D. P. The use of advance organizers in the learning and retention of meaningful verbal materials. Journal of Educational Psychology, Washington, DC, v. 51, n. 5, p. 267-272, 1960.