Breve introdução à computação quântica/Informação quântica
"Qualquer processamento de informação é sempre realizado de formas físicas" – recentemente, esse enunciado aparentemente inocente, com implicações nada triviais, levou uma explosão teórica e experimental de inovações, cujos pesquisadores afirmam estarem criando uma nova disciplina fundamental: a teoria quântica da informação.[1] O estudo de questões relativas a informação, na sua forma clássica, também é recente. Na mesma época em que a ciência da computação "explodia" nos anos 1940, outra revolução tomava lugar na nossa compreensão de comunicação. Em 1948, Claude Shannon publicou o que seria as fundações da teoria moderna da informação e comunicação. Shannon desenvolveu, na teoria clássica da informação, dois teoremas básicos. O primeiro quantifica os recursos físicos necessários para se transmitir ou armazenar uma certa quantidade de informação num canal livre de ruídos. O segundo quantifica a quantidade de informação útil que pode ser transmitida através de um canal com ruídos. Para "proteger" a informação a ser transmitida num canal com ruído, códigos corretores de erro foram desenvolvidos [2]. Basicamente, o que Shannon fez foi definir matematicamente o conceito de informação. Na teoria quântica da informação faz-se o mesmo. Assim como o bit é o conceito fundamental da computação clássica e da informação clássica, a computação quântica e a informação quântica são construídos sobre um conceito análogo, o bit quântico, que será definido a seguir. É importante ressaltar que toda a modelagem matemática do conceito do bit quântico independe de sua implementação, o que fornece grande praticidade à teoria quântica em geral. Como trata-se de um modelo muito diferente do que se está acostumado (na computação clássica), será apresentada uma pequena motivação, antes do conceito de bit quântico, que delineia as propriedades quânticas e contra-intuitivas da matéria física (que são a base do poder computacional que se está a expor).
Interferência: O experimento de duas fendas
[editar | editar código-fonte]Considere o aparato físico mostrado na figura 2.
Elétrons emitidos do canhão à esquerda passam através da parede com duas fendas e colidem com a parede (fig. 2 (a)), onde suas quantidades são contadas como função da posição x por um detector móvel. Quando a fenda 2 é coberta (fig. 2 (b)), a distribuição de probabilidades para a posição do elétron é dada por , que é máxima exatamente onde a trajetória balística faria colidir mais elétrons, como esperado. Quando a outra fenda é fechada (fig. 2 (c)), a distribuição é , que é similar. Agora, para partículas normais, quando ambas as fendas estão abertas, esperaria-se obter a distribuição , a soma das distribuições anteriores (fig. 2 (d)). Entretanto, não é este o caso: estes elétrons produzem um padrão de interferência, que oscila entre zero e a soma de distribuições esperada (fig. 2 (e)). Este comportamento é análogo ao que se esperaria para ondas, ao invés de partículas, e é uma propriedade importante de sistemas quânticos. O experimento nos mostra que probabilidades são insuficientes – probabilidades são números positivos e não podem se cancelar quando somadas. Se houvessem probabilidades negativas isto funcionaria. Acontece que em mecânica quântica o que se tem são amplitudes de probabilidade , que são números complexos cujas normas fornecem probabilidades . Para o experimento de fendas duplas, a distribuição de saída é . As oscilações vêm do terceiro termo, de interferência [3].
O interesse está em como informação pode ser representada por um estado quântico. Para fazê-lo, será apresentado um sistema físico muito simples.
Bits quânticos
[editar | editar código-fonte]Um bit quântico ("qubit") é um sistema de dois estados, como o elétron nos dois níveis mais baixos de energia de um átomo de Hidrogênio (fig 3).
Este módulo tem a seguinte tarefa pendente: Inserir a Figura 3: (a) O elétron no estado base (); (b) O elétron no estado excitado (). |
O elétron tem amplitudes de probabilidade e de estar ou no estado base () ou no estado excitado (), respectivamente. Poderia se dizer que o elétron não decidiu onde ele deveria estar, e então existe parcialmente em ambos os estados de energia. Uma vez que o elétron definitivamente existe, a probabilidade total deve ser um, o que significa que . Pode-se, dessa forma, representar o estado quântico de um qubit como um vetor unitário (\alpha \beta)^\top . Mas uma notação mais conveniente, que será emprestada dos físicos[Nota 1], é denotar o estado do qubit como (um é chamado "ket", que nada mais é que uma notação para estados quânticos em mecânica quântica), que é, para nosso átomo de Hidrogênio, [4][5] O paradoxo do qubit é que ele parece conter uma quantidade infinita de informação, uma vez que seu estado é representado por dois graus contínuos de liberdade. Entretanto, esta conclusão é infundada, devido a uma propriedade adicional e extremamente importante de sistemas quânticos. Quando um qubit é medido, apenas um de dois resultados são obtidos: ou zero ou um. Uma medição de resultará em com probabilidade , levando ao estado , ou em com probabilidade , levando ao estado . Nota-se que o estado pós medição do sistema é um novo estado, que é consistente com o resultado da medição. Assim, de uma única medição, obtém-se apenas um único bit de informação sobre e – e o paradoxo está resolvido. Apenas se infinitamente muitos qubits preparados identicamente fossem medidos seria possível obter e completamente. Então, em certo sentido, um qubit contém grande quantidade de "informação escondida" – enquanto ele não é medido (ele se encontra em estado de sobreposição das bases). Esta é uma parte importante do que será explorado na computação quântica, como será visto adiante, considerando as propriedades de múltiplos qubits [3]. Apesar da estranheza, qubits são decididamente reais, sua existência e comportamento foram extensivamente validados por experimentos, e muitos sistemas físicos podem ser usados para se concretizar qubits. é possível realizar qubits através de duas diferentes polarizações de um fóton; do alinhamento de spin nuclear num campo magnético uniforme; ou até de dois estados de um elétron orbitando um átomo, como no nosso exemplo.
Múltiplos qubits
[editar | editar código-fonte]Um sistema quântico composto por vários qubits também é chamado de registrador quântico. Suponha agora um registrador de dois qubits. Se eles fossem representados por átomos de hidrogênio, por exemplo, então classicamente haveria quatro estados possíveis, , , e , para os dois elétrons. Matematicamente falando, o sistema de dois qubits tem quatro estados da base computacional denotados por e Como um par de qubits também pode existir em superposições destes estados, então obtêm-se coeficientes complexos associados a cada um dos estados – associa-se uma amplitude de probabilidade. Dessa forma pode-se representar o vetor de estado descrevendo os dois átomos como
onde (condição de normalização). Similarmente ao caso para um qubit só, o resultado da medição de ocorre com probabilidade , resultando no estado . Pode-se, também, medir apenas um subconjunto dos bits; o resultado é similar: medir o primeiro bit resultaria em com probabilidade , resultando no estado de pós-medição
Note como é re-normalizado para ter comprimento unitário. [2][3].
Um importante estado de um registrador de dois qubits é o estado de Bell ou estado de par EPR,
Esse estado aparentemente inócuo é responsável por muitas surpresas na computação e na informação quântica. Ele é o ingrediente chave no teleporte quântico e na codificação super densa (que permite o envio de dois bits de informação clássica, enviando um único qubit), e é o protótipo para muitos outros estados quânticos interessantes. O estado de Bell tem a propriedade de que, depois de medir o primeiro qubit, obtêm-se dois resultados possíveis: com probabilidade , deixando o estado pós-medição como e com probabilidade , deixando o estado pós-medição como A medida do segundo qubit sempre retorna o mesmo resultado da medida do primeiro qubit, ou seja, os resultados de medidas estão correlatos. [6][7] Estas correlações têm sido assunto de intenso interesse e desde um famoso artigo de Einstein, Podolsky e Rosen, no qual eles foram os primeiros a apontar propriedades estranhas como o estado de Bell. As idéias deles foram tomadas e grandemente trabalhadas por John Bell, quem provou um resultado surpreendente: "as correlações de medida no estado de Bell são mais fortes do que poderia existir entre sistemas clássicos". Generalizando ainda mais, pode-se considerar um sistema de qubits. Os estados computacionais básicos desse registrador estão na forma e então um estado quântico de tal sistema é especificado por amplitudes. Para este número é maior que o número estimado de átomos no Universo! A tentativa de armazenar todos esses números complexos não seria possível em qualquer computador clássico concebível. Em princípio, porém, a natureza manipula tal enorme quantidade de dados, até mesmo para sistemas contendo apenas poucas centenas de átomos. É como se a natureza estivesse mantendo pedaços de papel de rascunho escondidos por perto, nos quais ela executa seus cálculos enquanto o sistema evolui. Esse enorme potencial computacional é alguma coisa que se muito tentar á tomar como vantagem nos próximos anos. Mas como se pode pensar da mecânica quântica como computação?
Circuitos quânticos
[editar | editar código-fonte]A computação quântica, assim como a clássica, manipula sua informação através de portas lógicas. Algumas diferenças existem, no modelo quântico (e são elas que dão maior poder computacional para os algoritmos quânticos). A representação gráfica de circuitos clássicos é, de certa forma, próxima da realidade física do circuito implementado. Por exemplo, linhas correspondem a fios e bifurcações significam que a corrente elétrica passa por ambos os fios. Nos circuitos quânticos, os fenômenos ocorrem de outra forma, como será visto.
Notação e convenções
[editar | editar código-fonte]Para apresentar as convenções usadas em circuitos quânticos, será utilizado um circuito (porta U-controlada) em que a entrada e a saída são um estado de 2 qubits (figura 4). Aqui é apresentada, baseados na figura, as convenções em circuitos quânticos:
- Entrada: considera-se conjuntamente os qubits de entrada, matematicamente o que é chamado de seu produto tensorial (os qubits não devem ser considerados individualmente). Figura 4: Porta quântica U-controlada.
- Linhas horizontais: as linhas que aparecem não são necessariamente fios. Elas representam a evolução de um qubit, podendo ser apenas a passagem do tempo ou, por exemplo, o deslocamento de um fóton.
- Sentido: o circuito descreve a evolução do sistema quântico no tempo, da esquerda para a direita. Com isso, não há sentido em aparecer retroalimentação, que pode ocorrer em um circuito clássico.
- Linhas verticais: o segmento vertical que aparece unindo os símbolos • e U dentro de uma caixa informa que o circuito atua simultaneamente nos dois qubits. A linha vertical representa o sincronismo, e não o envio de informação. Portanto, não são permitidas nem junções, nem bifurcações de qubits.
- Controle: o símbolo • indica que o qubit representado nessa linha é um qubit de controle, ou seja, caso esteja no estado a porta U realiza a operação; caso esteja no estado a porta U não realiza operação alguma. Caso o qubit de controle seja um estado superposto ou os 2 qubits estejam emaranhados, não é possível compreender o comportamento individual do qubit de controle e do qubit alvo. Deve-se considerar a ação do operador unitário, que representa todo o circuito, atuando simultaneamente nos 2 qubits.
- Saída: os qubits que compõem a saída do circuito podem ou não ser medidos. Como o qubit inferior está sendo medido (o símbolo de medida está indicado na figura 4), o resultado será 0 ou 1.
Vistas as principais convenções, será apresentada algumas portas quânticas. Primeiramente, portas de 1 qubit. No caso clássico, há apenas uma possibilidade: a porta NOT. O mesmo não ocorre nos circuitos quânticos, como será visto.
Antes de prosseguir, deve ser feita uma observação. A importância do estudo de portas lógicas em computação quântica baseia-se no fato de que toda matriz unitária pode ser representada por um circuito quântico de 1 qubit e vice-versa. Sendo assim, a evolução no tempo de um sistema quântico isolado, dado por um qubit, pode ser representada tanto matematicamente (por uma transformação unitária) quanto logicamente (por um circuito quântico) [8].
Porta NOT quântica
[editar | editar código-fonte]No caso clássico, a porta NOT troca o 1 por 0 e vice-versa. A generalização para o caso quântico é dada por um operador que satisfaz
e
Com isso, verifica-se facilmente que a representação matricial do operador é dada por
Com a porta NOT quântica, existem situações sem contrapartida no caso clássico, pois, se a entrada for uma superposição dos estados e
a saída será
A porta é apenas uma das portas de 1 qubit, já que há infinitas matrizes unitárias .
Porta CNOT quântica
[editar | editar código-fonte]Outra porta, essa atuando em estados de 2 qubits, é a contrapartida quântica do circuito clássico da porta XOR. Ela tem 2 qubits de entrada, o de controle e o alvo (figura 5). Uma porta controlada, como já foi visto (figura 4), age dependendo do valor do qubit de controle. Ela é "ativada" se o qubit de controle estiver no estado e nada faz, se ele estiver no estado Essa descrição é adequada apenas quando o qubit de controle está nos estados ou Entretanto, o que distingue a porta CNOT quântica da clássica é que, na porta CNOT quântica, os qubits alvo e de controle podem ser estados superpostos.
Este módulo tem a seguinte tarefa pendente: Incluir a Figura 5: Porta quântica CNOT. |
A ação da porta CNOT pode ser caracterizada pelas transformações operadas nos elementos da base computacional associada, ou seja,
Note que é possível representar essa ação na base computacional de forma mais esquemática por
onde e é a adição módulo 2.[9][10]
Notas
[editar | editar código-fonte]- ↑ Esta notação é chamada de notação de Dirac, após o famoso físico Paul Dirac, que a inventou.