Bioquímica/História
História
[editar | editar código-fonte]A Bioquímica tem as suas raízes na história da Química, em particular no interesse do homem em saber que transformações ocorriam nos organismos vivos, responsáveis pela sua origem, crescimento e metamorfose. As questões colocadas por aqueles que procuraram compostos na Natureza que curassem doenças, que se interrogaram sobre a fisiologia do corpo humano, que usaram processos naturais como a fermentação de cervejas e que observaram a decomposição da matéria orgânica, entre outros, lançaram as bases da Bioquímica tal como é conhecida na atualidade.
Na Antiguidade
[editar | editar código-fonte]A religião taoísta desenvolvida há mais de 2000 anos na China concebia o mundo como dividido em dois opostos, Yin e Yang, que, na luta para se manterem em equilíbrio, gerariam os cinco elementos água, terra, fogo, madeira e metal, que constituiriam todas as coisas. Os chineses preparavam então elixires contendo compostos de modo a equilibrar Yin e Yang no corpo; esta busca de elixires levou à descoberta de medicamentos e processos de fermentação. Experiências com fluidos corporais levaram provavelmente à descoberta de hormônios sexuais. Este tipo de alquimia refletia então as práticas médicas/farmacêuticas da época.
Existem também registros que as antigas civilizações egípcias e babilônicas praticavam a extração de substâncias com propriedades farmacológicas e de perfumes a partir de plantas.
Na Grécia Antiga, Empédocles postulou no século V a.C. o mundo como comporto por elementos, de forma similar às ideias taoístas. Desta feita, seriam quatro elementos: fogo, ar, água e terra. A escola aristotélica desenvolveu esta ideia, que foi no entanto rebatida por Demócrito. Demócrito introduziu o conceito de atomicismo, de que a diferença entre pequeníssimas partículas indivisíveis, que juntas constituiriam toda a matéria, explicariam as diferenças macroscópicas desta. Esta teoria atômica da constituição da matéria, comparável com a teoria moderna, foi no entanto esquecida até ao século XVI.
É também sabido que os povos árabes possuem uma longa tradição de conhecimentos farmacológicos, mas foram os antigos Gregos quem desenvolveram a alquimia, uma das bases da Química moderna, e portanto também da Bioquímica, com a preparação de poções e tinturas a partir de minerais e plantas.
Idade Moderna
[editar | editar código-fonte]Paracelso, no século XVI, formulou o universo como sendo regulado por leis químicas, em que os processos químicos serviriam de base às transformações observadas na Natureza. Também estabeleceu a ideia de que as doenças deveriam ser tratadas usando compostos químicos e que a natureza das próprias doenças estaria ligada à putrefação dos "dejetos" provenientes de processos químicos. A utilização da Química para fins medicinais foi denominada "iatroquímica" por Paracelso.
Apesar de Paracelso misturar diversos conceitos místicos e alquimistas nos seus ensinamentos, a utilização de compostos químicos com fins farmacêuticos generalizou-se, especialmente no século XVII, devendo-se parte desta generalização da iatroquímica a w:Jan Baptista van Helmont, discípulo de Paracelso. Numa publicação póstuma (1648), van Helmont descreve uma experiência em que apenas água havia sido adicionada a um jovem salgueiro plantado em terra previamente seca num forno. O salgueiro cresceu sem haver apreciável variação da massa da terra e van Helmont atribuiu este crescimento à transformação de água em madeira, casca e raízes. Embora van Helmont tenha retirado as conclusões erradas das suas experiências, houve de sua parte uma tentativa de planear meticulosamente e de quantificar as transformações observadas. Outras observações de van Helmont relevantes à história da Bioquímica incluem a sua descrição da digestão como um processo fermentativo usando ácido e a excreção de líquidos alcalinos no corpo humano, nomeadamente a bílis.
As primeiras experiências sobre o metabolismo animal conduzidas de forma controlada foram publicadas por Santorio Santorio em 1614 no seu livro Ars de statica medecina, no qual Santorio descreveu como determinou o seu próprio peso antes e depois de comer, beber, dormir, trabalhar, ter relações sexuais, jejuar e excretar. Ele descobriu que a maior parte da comida ingerida era perdida no que ele denominou de "perspiração insensível".
Franciscus Sylvius, discípulo de van Helmont, ampliou o conceito de digestão, englobando a participação da saliva e sucos pancreáticos e caracterizando o processo digestivo como uma neutralização entre ácidos e bases. Sylvius considerou que também noutros processos fisiológicos ocorreria neutralização e que, deste modo, as doenças surgiriam de situações em que existisse um excesso de ácido ou de base no corpo.
A influência do atomicismo
[editar | editar código-fonte]A ideia de que toda a matéria seria composta por unidades de tamanho diminuto, sendo por isso invisíveis se pensadas isoladamente, ganhou força no século XVII. A invenção do microscópio composto, por Robert Hooke, permitiu as primeiras observações de células. Robert Boyle considerou a matéria como composta por corpúsculos; Descartes apoia a teoria atomicista. Boyle afirma que as propriedades da matéria são explicáveis pelas propriedades físicas (tamanho e forma) dos corpúsculos, assim como pelo seu movimento, e que as transformações químicas são produzidas pela interação mútua entre essas diminutas entidades.
O conceito de oxidação
[editar | editar código-fonte]Até aos trabalhos de Antoine-Laurent Lavoisier, persistiram ideias como a dos elementos aristotélicos (ou variações desta; uma ideia particularmente persistente foi a do fogo como elemento de transformação) e a teoria do flogisto. Lavoisier explicou pela primeira vez a oxidação de metais e não-metais pelo oxigênio e alargou o conceito de oxidação aos processos fisiológicos: o oxigênio respirado seria utilizado na "combustão" do carbono contido em alimentos, formando-se dióxido de carbono, expulso na expiração, e calor, que explicaria o calor interno dos animais. Uma parte do ar que não seria respirável, o nitrogênio, seria expulso sem alteração.
Nos finais do século XVIII, Joseph Priestley, que dedicou uma grande parte da sua vida ao estudo dos gases,descobriu que as plantas produziam "ar desflogistificado", isto é, contendo oxigênio, na presença de luz; foi na mesma época que Jan Ingenhousz e Jean Senebier formularam uma teoria para a fotossíntese.
Idade Contemporânea
[editar | editar código-fonte]A influência da Química-Física
[editar | editar código-fonte]Quando, nos finais do século XIX, começou a haver um interesse na química de soluções, e a Química-Física ascendeu à categoria de ramo independente da Química, surgiu também um renovado interesse pelo estudo da concentração do íon hidrogênio (H+) e a sua relação com o pH. O dinamarquês Søren Sørensen sugeriu em 1909 utilizar o negativo do logaritmo da concentração de H+, -log[H+], originando a escala de pH tal como é conhecida na atualidade, uma ferramenta de auxílio na determinação da força de ácidos e bases. O conceito de pH foi rapidamente assimilado nos estudos bioquímicos, pois eram então conhecidas as capacidades de tampão de sistemas fisiológicos, evitando extremos de acidez ou alcalinidade.
O fim do vitalismo
[editar | editar código-fonte]No século XIX, aquando do estudo da fermentação de açúcar a álcool em leveduras, Louis Pasteur concluiu que a fermentação era catalisada por uma força vital dentro das células, a que chamou "fermentos". Pensava-se então que os fermentos funcionavam apenas dentro de organismos vivos.
Originalmente acreditava-se que a vida não era assunto para a ciência. Acreditava-se que apenas os seres vivos podiam criar as "moléculas das vida" (a partir de moléculas já existentes). Este pensamento começou a mudar a partir do ano de 1828 quando Friedrich Wöhler publicou um trabalho sobre a síntese de ureia, provando que compostos orgânicos podiam ser criados artificialmente e derrubando o vitalismo como base teórica para a distinção entre a matéria animada e inanimada.
A Bioquímica moderna
[editar | editar código-fonte]Talvez o fator crucial para o surgimento da Bioquímica tenha sido a descoberta da primeira enzima em 1833, que na época recebeu o nome "diastase" (hoje chamada "amilase"); quem a descreveu foi Anselme Payen. Em 1896, Eduard Buchner contribuiu para a Bioquímica descrevendo pela primeira vez um complexo processo bioquímico fora da célula - a fermentação alcoólica de extratos celulares de fermento - o que lhe valeu o Prêmio Nobel da Química de 1907.
Outro avanço importante na Bioquímica foi a demonstração da natureza proteica das enzimas por James B. Sumner, um assunto anteriormente controverso, ao conseguir cristalizar primeiro a enzima urease e, mais tarde, a catalase. A cristalização de proteínas permitiu a aplicação de técnicas de raios-X para a determinação de estruturas tridimensionais proteicas, algo conseguido pela primeira vez com a enzima lisozima. Mais tarde, e após os estudos de Linus Pauling sobre a natureza da ligação química e a estrutura das hélices alfa proteicas, James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins publicaram a estrutura tridimensional da dupla hélice do DNA.
Embora o termo "bioquímica" tenha sido usado pela primeira vez em 1882, é mais aceito que a criação formal deste termo tenha ocorrido em 1903 pelo químico alemão Carl Neuberg. Anteriormente essa área de ciência era denominada "química fisiológica". Desde a metade do século XX em diante, a bioquímica avançou muito; esse avanço foi possível graças ao desenvolvimento de novas técnicas como a cromatografia, difração de raio X, espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN), microscopia eletrônica e simulação da dinâmica molecular. Estas técnicas permitiram a descoberta e análise detalhada de moléculas e vias metabólicas celulares, que possibilitaram, por exemplo, elucidar a glicólise ou o ciclo de Krebs (ciclo do ácido cítrico).
Hoje, os resultados e princípios bioquímicos são empregados em muitas outras áreas que vão da genética à biologia molecular, da agricultura à medicina.