Sociologia e Comunicação/As representações - linguagem e sociedade

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Em primeiro lugar, vamos refletir sobre a relação entre Natureza e Cultura e descobrir que a experiência humana envolve a nossa capacidade de produzir e reconhecer padrões simbólicos. Trata-se, também, da capacidade que temos de construir o mundo em que vivemos. O mundo humano é uma construção social.

O que isso significa? Que consequências tiramos dessa ideia? Quais são as principais críticas a essa separação entre Natureza e Cultura?

Linguagem e Sociedade[editar | editar código-fonte]

George Steiner, crítico literário e escritor faz um série de observações sobre a importância da linguagem para o entendimento da experiência humana, pois é através dela que os homens declaram a sua humanidade.

Alguns animais são capazes de utilizar códigos sofisticados, mas é através da capacidade simbólica humana que o tempo aparece e o passado, o presente e o futuro podem ser pensados e vividos de uma forma muito específica. (ver meme)

Não existe um ser humano anterior à linguagem. Os tabus, as proibições, os interditos passam pela linguagem, uma vez que não posso proibir o que não posso nomear.(ver meme)

Antes de mais nada, precisamos destacar que a linguagem não tem por função gerar uma espécie de etiquetamento do mundo (para cada coisa um nome). Usar a linguagem é desempenhar uma ação – participar de uma espécie de jogo muito particular. Além disso, é importante analisar o contexto em que a ação (a linguagem) é desenvolvida e os propósitos aos quais pretende servir.

Os jogos de linguagem não têm contornos precisos e as suas possíveis regras não exaurem e nem determinam, de uma vez por todas, as possibilidades das jogadas. Um pequeno número de elementos e regras permite um combinação inumerável de jogadas.

O zoon phonanta anda lado a lado com o zoon politikon. É a linguagem que me permite delimitar quem eu sou e o diálogo é sempre uma proposta de conhecimento e estranhamento mútuo.

A linguagem verbal e não verbal está sempre presente nas interações sociais. Os interlocutores sempre fazem avaliações práticas do que vivem e jogam com recursos linguísticos e extralinguísticos de que dispõem em uma situação dada.

Além disso, em Anthony Giddens, a linguagem e a memória integram-se. A lembrança em sua forma individual não pode estar separada de um quadro coletivo da memória. Aquilo que Maurice Halbwachs, antes dele, chamava de quadros sociais da memória.

Para Claude Levi-Strauss, a  linguagem é essa espécie de máquina do tempo. Por meio dela, é possível criar uma tradição, algo que possa ser passado de uma geração a outra. Por meio das narrativas produzimos uma memória, um sentido do passado, um pertencimento, o sagrado. Inventamos futuros. Essa mesma visão é desenvolvida por George Steiner:

A capacidade do homem para articular um tempo verbal futuro - em si um escândalo metafísico e lógico -, sua faculdade e necessidade de "sonhar à frente", de esperar, o tornam único. Essa capacidade é inseparável da gramática, do poder da linguagem de existir antes daquilo que ela designa. Nosso sentido do passado, não como reflexos imediatos, inatamente adquiridos, mas como seleção configurada de recordação, é mais uma vez radicalmente linguístico. (Steiner, 1990 p. 68-69)

E ele nos lança uma ideia extremamente intrigante. Tentem pensar nas consequências dela para o nosso entendimento do passado e da memória.

A história, no sentido humano, é uma rede de linguagem arremessada para trás (Steiner, 1990 p. 69)

Representações da Sociedade[editar | editar código-fonte]

Vamos conhecer, agora, o trabalho de Howard S. Becker que é um sociólogo ligado à segunda geração de pesquisadores da Universidade de Chicago (Escola de Chicago) e que tem produzido uma série de estudos sobre a sociologia do desvio, a sociologia da arte e a sociologia da música.

Vamos ver como o sociólogo pensa a nossa capacidade de produzir “representações” ou “relatos sobre a sociedade”.

Quando lemos um romance, um livro de histórias, relatos etnográficos, tabelas estatísticas, filmes ou fotografias, estamos diante de certos tipos de representações do mundo em que vivemos ou imaginamos viver.

Sabemos que qualquer representação é sempre parcial, ou seja, é sempre “menor” do que aquilo que aconteceu. Algo sempre fica “de fora” no ato de descrever ou narrar.

A questão que nos colocamos, então, é a seguinte: que critérios devemos usar nas nossas escolhas e decisões a respeito do que pode ou não pode entrar em nossas histórias?

Precisamos saber, também, para que tipo de comunidade pretendemos compartilhar nossas representações. Com quem, em que meio e a partir de qual critério consideramos nossas escolhas e decisões boas o suficiente para aquele propósito.

Essas decisões dependem do tipo de comunidade interpretativa da qual participamos.

Uma comunidade interpretativa pode ser definida como: a) um organização de pessoas b) que se organiza regularmente c) em torno de representações padronizadas d) entre produtores e os usuários de seus produtos e) que as utilizam regularmente para um objetivo padronizado.

Essa noção vem dos Estudos Literários, basicamente de Stanley Fish e Janice Radway. São grupos de leitores e escritores que acabam por compartilhar estratégias comuns de escrita e interpretação de certos textos ou gêneros textuais. Eles não são, extamente, individuas. Elas são maneiras compartilhadas de interpretação de determinados textos.

Vejamos alguns exemplos: fãs de um determinado gênero musical, novelas, filmes, seriados.

Quatro Elementos presentes nas Representações[editar | editar código-fonte]

Dando continuidade às análises de Howard S. Becker, vamos verificar que a produção de representações (narrativas) sobre a sociedade envolve quatro elementos fundamentais sobre os quais precisamos pensar.

O primeiro deles é o processo de SELEÇÃO: produzir uma representação sobre alguma coisa significa, necessariamente, excluir determinados elementos. Sendo assim, a primeira questão que aparece é: o que poderia ou deveria ser excluído? quem definiria isso?

Como vimos, a comunidade interpretativa tem uma papel importante nessas decisões.

Dando continuidade às nossas reflexões, nos deparamos, agora, com um novo desafio. Precisamos adequar nossas representações a determinados meios, ou seja, entramos no processo de TRADUÇÃO daquilo que estamos vendo, ouvindo, sentindo ou imaginando.

Traduzir significa transpor um conjunto de elementos para outro conjunto de elementos. Por exemplo: as minhas observações sobre o cotidiano viram poemas ou romances ou música. Por isso, somos obrigados a identificar ou produzir um tipo de “linguagem” adequada aos meios que temos à nossa disposição (escrita, audiovisual, hipertextual etc.). Podemos destacar aqui os estudos sobre gêneros textuais, também.

O ARRANJO é outro elemento fundamental presente em uma representação da realidade, uma vez que é necessário “organizar” de algum modo a narrativa. É preciso começar de algum lugar, seguir para algum lugar, dar início à história de algum modo. É interessante observar como o hipertexto (a capacidade de produzir diversos textos interligados por links) abre um conjunto de novas possibilidades de arranjo às narrativas (escritas e audiovisuais).

Na maioria das vezes, todos aqueles que trabalham com representações do nosso cotidiano precisam tomar decisões relacionadas aos elementos acima. O que não podemos esquecer é que o leitor, o ouvinte, o espectador ou o usuário dessas representações “interferem” no modo pelo qual essas escolhas são feitas.

Vamos ver como isso acontece.

Em primeiro lugar, produzimos representações para alguém (um perfil social qualquer baseado em dados ou um perfil imaginado do destinatário do nosso texto). O leitor, o ouvinte e o espectador estão presentes nas escolhas anteriores. Eles fazem parte dessa comunidade interpretativa.

Por outro lado, um livro, um programa de rádio, um filme ou um jogo só ganha existência diante de um usuário que o utiliza dentro de algumas expectativas e experiências particulares. Ele ou ela trazem a história para suas vidas. O usuário precisa construir suas representações do mundo a partir das representações propostas pelos produtores (de notícias, novelas, filmes, jogos etc).

Chamamos esse momento de PROCESSO INTERPRETATIVO.

Obras Indicadas[editar | editar código-fonte]

BECKER, Howard S. Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009 (cap. 1 e 2)

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002

STEINER, George. Extraterritorial: a literatura e a revolução da linguagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. (Animal com Linguagem)

Filmes e Séries[editar | editar código-fonte]

Werner Herzog. O Enigma de Kasper Hauser

François Truffaut. O garoto selvagem

Hal Ashby . Muito Além do Jardim

Eliane Café. Narradores de Javé

Anne with an E (Série)