Utilizador:Ciaclaudia

Origem: Wikilivros, livros abertos por um mundo aberto.

Educação e Ensino Médio: o que houve?

O que a Educação conquistou em 2005? Essa é a pergunta que me incomoda nesse primeiro dia do ano. O que a Educação conquistou em 2005? Deitada em minha cama ainda sob os rescaldos das comemorações de Ano Novo, vejo-me presa a essa pergunta. Chegamos em 2006 e os desafios educacionais permanecem desafios a conquistar, desafios em vias de acontecer. Por que? Difícil responder. Noticias ainda atuais: baixo índice de matrículas, falta de consciência da sociedade sobre a importância da educação, trabalho escravo infantil sendo encontrado em diversas partes do país, descontinuidade das propostas educacionais pelas mudanças constantes de Ministros etc. Não nego que, por algumas iniciativas particulares, houve avanços em alguns setores. Mas o que me chama mais atenção é exatamente a diminuição de matrículas no Ensino Médio, notícia veiculada por alguns dos principais jornais cariocas, nas últimas semanas de 2005. E isso cria uma nova pergunta: para onde foram os estudantes desse momento intermediário relacionado à vida adulta?

Se eu pensar na facilidade e liberdade de acessos a que esses estudantes têm às chamadas novas tecnologias, esses questionamentos ficam ainda piores! Na comparação entre o início dos 1900 até hoje, tudo foi inventado, tudo foi analisado, tudo foi produzido e tudo está à mostra. Lógico que nossa criatividade é incomensurável e tudo que temos hoje, aliado à tecnologia, não se estabelece dentro de resultados finais. Nossa criatividade nos põe em processo sempre. Mas nada disso parece estar cotejado no panorama da Educação, no sentido de promover maior atração dos estudantes aos seus quadros, principalmente na etapa do Ensino Médio. Por quê? De novo, difícil responder...

No desenvolvimento da vida de todos nós atravessamos etapas em que a introdução de elementos novos torna-se fundamental para a construção de auto-estima, elaboração de propostas de convivência e estabelecimento de relações pessoais e profissionais. O Ensino Fundamental prepara o terreno para que os estudantes se percebam como cidadãos. Aprender a escrever e ler, equilibrar a coordenação psicomotora, socializar-se e a complexificação do conhecimento são algumas das principais linhas procedimentais desse período. Já o Ensino Médio é/está vinculado ao futuro. Os estudantes, nesse período, estão na efervescência de sua entrada no mercado de trabalho ou de especializarem-se, através do Ensino Superior, para também entrarem no mercado de trabalho. Logo, mercado de trabalho é o espaço do poder e o objetivo a ser conquistado nesse momento. Esses estudantes, também nesse período, estão se procurando, se entendendo, se encaixando e ansiosos pelas certezas que ditarão seus status no seio da sociedade. Mas algo está acontecendo de errado. Eles estão fugindo do Ensino Médio! Eles estão fugindo do tempo exigido para conquista do Ensino Médio! Para tal, estão aceitando “ensinos” de curta duração ou provas de conteúdos específicos, em diversas cidades do país, em que obtenham o mesmo grau, e assim se tornem capazes de pleitear uma vaga na universidade (o mais rápido possível) ou em certas áreas de trabalho!

Notadamente, o Ensino Médio é o período de preparação. Se para o vestibular ou para o trabalho, é certo que, ao seu final, algumas definições precisam estar claras e bem encaminhadas. Mas antes disso, em meio ao processo, há muita aflição, ansiedade e a atração à uma gama de interesses e necessidades, típicos de um período de turbulências mais existenciais. Estudar e aprender, nesse período, exigem objetivos bem desenhados e encaminhados pelos educadores, de acordo, não com a imediatez das preferências mercadológicas, mas com os interesses percebidos e/ou escolhidos pelos próprios educandos. Toda formação educacional empreendida desde os 05 anos chega ao seu ápice (se pensarmos apenas na formação do cidadão) no Ensino Médio. Mas onde está o eco político–pedagógico necessário para que isso se dê sem grandes ou graves traumas ou vazios intelectuais?

Segundo informações veiculadas pela mídia, além da diminuição das matrículas, ainda estão na “crista da onda” dos seminários, congressos e encontros pedagógicos ou de Educação, pelo país, as altas taxas de repetência e a intermitente evasão escolar. O que justifica esse desestímulo? Ou melhor, por que ainda a Educação têm esses entraves, essas discussões, apesar da passagem de tantos governos ou mesmo de tantos ministros, e apesar da parceria com as novas tecnologias? Em minha cama, ainda sob efeito de uma virada de ano alegre, aceito frases óbvias: falta interesse e/ou vontade dos indivíduos que detêm a força das políticas públicas!

Numa leitura inocente, há um desconhecimento do que pode agenciar qualquer Educação que introduza os novos tempos em seu bojo teórico, curricular e pedagógico. Mas, numa leitura a ser considerada deselegante, há um fingimento generalizado quando a questão é revitalizar a educação no Brasil. O que observo e leio são procedimentos “tapa-buracos” acontecendo em todo momento e esses estão travestidos de grandes projetos de implementação de novas oportunidades de inserção da população à Educação. Diante disso, não nos surpreende as palavras do ex-Ministro da Educação Cristóvão Buarque: “nos anos 60, estávamos iguais à Coréia; nos anos 70, iguais à Irlanda. Estes países são, hoje, exemplos de um povo educado e produtor de alta tecnologia. Há dez anos estávamos iguais ao México, que hoje está nos superando, como já fomos superados por muitos outros países como Chile, Argentina, Uruguai, Costa Rica, Cuba e outros países do Caribe, além dos paises pobres da Europa e os chamados tigres asiáticos”.

Nesses nossos tempos, recursos enormes foram liberados para os municípios, criou-se o PROUNI, há grande distribuição de livros didáticos de Português e Matemática pelo país, aprovação do FUNDEB (que tem o mérito de incluir as creches entre seus beneficiários, mas só deverá entrar em vigor em 2007), implementação da Universidade Aberta do Brasil, expansão de universidades públicas federais etc. Mas sou parceira da Profa. Terezinha Saraiva quando essa diz que “os professores continuam a ser formados de costas para o futuro, e já se formam precisando ingressar em cursos de atualização e aperfeiçoamento, que são oferecidos de forma tradicional, o que exige presença e tempo, do qual não dispõem. As novas tecnologias não são aproveitadas para capacitar, atualizar e aperfeiçoar nossos professores, que continuam a arrastar sua decepção pela falta de incentivos, onde aviltam os salários e há más condições de trabalho”.

Num sentido macro, temos a aparência de renovação e incentivo. Quando se fala em liberação de recursos e recursos tão volumosos, acreditamos que parte do problema está resolvido. Falta de recursos é a alegação mais apresentada pelos Estados e Municípios. Liberação de recursos, o alívio para projetos estacionados nos diferentes gabinetes. Engano! Triste afirmar, mas, após a distribuição do numerário nos diversos Municípios e Estados, é lentíssima sua chegada nos setores educacionais; é lentíssimo o desenvolvimento daqueles projetos; enfim, é lentíssima a transformação da perspectiva profissional dos educadores, ainda que seja rápido o desaparecimento dos referidos recursos. Não há uma justiça distributiva ! Há a criação de burocracias que justificam sua “utilização” indiscriminada e até em outros setores. Nomeando essas burocracias: as estatísticas! Alguém tem dúvidas de como são construídas as estatísticas da Educação no Brasil? Algum educador se vê referendado nessas estatísticas ao verificar o nível educacional do país e seus ambientes de trabalho?

Em âmbito micro mantém-se uma proposta “jurássica” de formação e desenvolvimento do profissional de ensino. Sei que alguns colegas ficarão descontentes, mas a dimensão da Educação como segmento para “formar para a vida” ou “formar cidadãos” é a única coisa ministrada e referendada ainda nos bancos escolares do Ensino Superior brasileiro. Isso está correto, mas precisamos ir além da filosofia, ir além da dimensão imaginal sobre educação, já que temos uma sociologia extremamente perversa e que dita as maneiras com as quais praticar-se-á os ensinamentos pedagógicos. Como dizem nossas mães e avós, quando decidimos nos casar, “não se vive só de amor”, afinal, “quem casa, quer casa”. É preciso entender e utilizar a prática de ensino delineada dentro dos novos tempos e/ou dentro dos novos comportamentos.

Nos ambientes “micro”, ainda que fundamentais, estamos na década de 60, estamos rotineiramente formando profissionais com os mesmos ideais da década de 60, estamos reproduzindo análises de outras vivências sociais, e o susto é justamente que, ao sair à luz do dia, ao estar fora dos ambientes divinizados dos cursos de licenciatura ou de pedagogia, a sensação real é de que se aprendeu defasagens, distorções, ou seja, se aprendeu a realidade do ensino de muitos tempos atrás cujos parâmetros e/ou paradigmas não mais estão elencados na dinâmica societária atual.

Não estamos negando esse ensino, queremos pensar sobre como contextualizá-lo no período de formação do educador, momento fundamental quando sua experiência (vivência) estiver relacionada com os procedimentos do processo ensino-aprendizagem dos estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio. Mantendo-se como está, esse período age ampliando a necessidade de o educador, como disse anteriormente a Profa. Terezinha Saraiva, terminar a formação (sua licenciatura?) com especializações, pós-graduações e mestrados, ou seja, recrudesce a crença de que esses novos títulos trarão a pós-modernidade e a confiabilidade profissional à formação do educador. Isso é visão de mercado! Mas e o tempo? Talvez o voto de Minerva vá para a Educação a distância (EAD)... talvez... é preciso pensar melhor...

Diante disso, quando o educador entra em sala de aula, todo o seu imaginário já tem essas discordâncias e disfunções muito claras. O educador entra, em sua sala de aula, preocupado e angustiado. Ele conhece grande parte das teorias e dos teóricos, mas como contextualizá-los perante a diversidade do momento, das turmas e das políticas? Ensinar torna-se “um salve-se quem puder” e cada educador incorpora a atitude do “jeitinho brasileiro” na relação com os seus projetos, planejamentos ou planos de ensino. Seriam nossos educandos, semelhantes aos ratos, ou seja, objetos de experiências de laboratório? A não ser que sua (do educador) versatilidade seja inerente e que ele projete prioridades específicas em suas maneiras de ensinar, sua presença (do educador), em sala de aula, estará comprometida totalmente pelo descompasso das políticas públicas em relação aos incentivos focalizados ao profissional de educação. Em conseqüência, além dele, sofrem os educandos, que, também incorporados por seus problemas, desejos e vontades determinados pela comunidade, se vêem desestimulados a se manter tanto tempo na escola. Pergunta: como falar em inclusão dos educandos (ou de uma sociedade) numa loucura dessa? Esse é outro termo que precisa de uma reflexão muito mais abrangente e certeira diante dos procedimentos da política educacional BRASILEIRA!

Mas a vida urge e o Ensino Médio reflete essa urgência! É a urgência de um tempo redimensionado por todas as invenções (e emoções) do século passado e, por conseqüência, pela necessidade de apreendê-las quase a cada segundo. A reflexão disso, no desenvolvimento psico-cognitivo e intelectual, perpetrado no transcorrer de cada faixa etária, tem a reciprocidade como verdadeira, ou seja, com as mudanças nas necessidades das famílias, a alfabetização é feita em idades em que o corpo biológico não está preparado (com um ou dois anos, as crianças já estão no jardim de infância), logo empreendem a aventura da leitura e da escrita muito cedo, e, sem maturidade, têm dificuldade para decodificar, interpretar e entender os signos, o código e a leitura em si, nas etapas escolares seguintes. Os alunos vão “empurrando com a barriga” suas deficiências por pura imaturidade. E é, justamente, no período do Ensino Médio, em que “todo cuidado é pouco”, que essas deficiências vão ficar tão claras que serão elas os primeiros quesitos de seleção dos jovens que “acontecerão” no Ensino Superior ou em profissões cujas exigências perpassarem níveis elevados de conhecimento. É, no Ensino Médio, então, que se apresentam, por desgoverno na estrutura cognitiva ou familiar, as indecisões (reflexo da falta de articulação dos conhecimentos empreendidos em casa e/ou na escola) estampadas em cada indisciplina, em cada agressividade, em cada fuga dos limites, em cada forma de rebeldia.

Ao educador cabe, então, mais do que nunca, reenvolver seus educandos em propostas cujas conexões estabeleçam maneiras de contato real aos desejos de cada um. Não é interferir, é ajudar a encontrar os melhores caminhos para serem melhores cidadãos dentro de escolhas muito pessoais. Educador não é facilitador, já que viver, conhecer, evoluir, aprender, conviver, não é nada fácil. Educador é articulador, parceiro na busca do conhecimento. Essa é a teoria! E, mesmo assim, há uma fuga em massa do Ensino Médio. Há um grito de toda uma população “juvenil” que recusa viver esse rito de passagem final. Por quê?

A teoria da educação pelo afeto é fantástica e muito importante, mas é evidente a insensibilidade do poder público quando o assunto é educação. Essa é a nossa pior contradição. O Ensino Superior forma profissionais que desenvolvam a aprendizagem mediante a problematização constante da realidade. Mas, justamente, esse mesmo Ensino não incorpora em seus currículos o manejo constante dessa mesma realidade no processo de formação desses mesmos profissionais. Sendo assim, o Ensino Médio, lugar para onde esses profissionais se estabelecerão com seus conteúdos, torna-se espaço de reprodução das mesmices ouvidas na universidade. Podemos “fazer a nossa parte”, mas aprendi que Educação acontece com parceria, estímulo e confiança, nunca com solidão, individualismo e, principalmente, insatisfação. Condenamos a lentidão, mas não queremos a velocidade, é preciso equilíbrio, ou seja, manter as inquietações, equilibrar nossas propostas de reforma e reconvocar o Ensino Médio a ocupar o tempo dessa etapa com curtição e aventura.