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Um Sonho, um Louco e a necessidade de sonhar,
SEMEANDO SONHOS
APRESENTAÇÃO
Certa vez, assistindo uma teleconferência do Fórum Econômico Mundial, promovido na cidade Suíça de Davos pelo Banco Mundial, experimentei uma certa dose de decepção, pois enquanto estava ávido pelas intervenções do “Guru dos gurus”, Peter Drucker; do mega-investidor Geoger Soros e de outros não menos votados no Universo corporativo como: Jack “Ge” Welch, Bill Gates, Alvim Toffler, R. Murdoch e Alan Grespann, deparei com nomes “excêntricos” e poucos afeitos ao que achava que deveria ser aquilo ali. O que poderiam contar aquela platéia, interessada nos rumos e perspectivas da globalização dos mercados, o escritor comunista português José Zaramago, a Dra. Zilda Arns, o “Mago” Paulo Coelho, um poeta japonês, um psiquiatra italiano e (pasmem!) o mímico francês Marcel Marceu, celebrizado pelo personagem Bip?
Pouco importou o resultado daqueles 3 dias de conferências em circuito fechado via satélite. O que valeu foram dois pequenos insights, que por belos momentos me encheram de prazer e esperança: um era a Possibilidade/ Necessidade do Sonho; e o outro, paralelo e siamês, era a Liberdade da Loucura.
Fui surpreendido ao encontrar, em meio a um ambiente tingido pelos “uniformizados” e engravatados de ternos azuis-marinhos, pequenas histórias, flashes biográficos de alguns ícones da cultura ocidental e do “capitalismo nosso de cada dia”, homens que antes de acumular fama e fortuna foram “taxados de loucos”.
OSVALDO GOMES BOMFIM,
o Osvaldo da Maçã

Prefácio
PREFÁCIO
EXCLUSÃO SOCIAL, UMA REALIDADE BRASILEIRA.
Em seu escritório, fim de mais um dia de luta, Osvaldo Gomes Bomfim, o Osvaldo da Maçã, como é mais conhecido na cidade sorriso que é Niterói, após atender ao último cliente como corretor de imóveis e de ter realizado muitos negócios de compra e vendas de imóveis e comércios, trabalhando há mais de vinte anos nesta profissão, entra em devaneios sobre seu passado de lutas e pensa nas futuras realizações de sonhos visionários.
Pelo passado lembra a luta da Sra sua mãe, uma mulher guerreira que sem recursos que é obrigada a internar seus filhos, logo depois do seqüestro de seu marido e depois luta desesperadamente para comprar uma casa para reunir toda a sua família, tenta de todas as formas proporcionar uma vida mais digna aos seus filhos.
Osvaldo da Maçã, que teve como avô paterno: Honorato Manoel Bonfim, médico muito conceituado, professor universitário, escritor, que serviu durante vários anos ao Estado da Bahia. Poliglota, escritor e falando dezenove idiomas, teve seus méritos por ter recepcionado chefes de Estado vindo do exterior, deixou várias obras literárias de valor inestimável.
Após o falecimento de seu avô em 1950, o seu genitor Oscar da Silva Bomfim, junto com o irmão José Seraphim decidem aventurar-se ao sudeste no Rio de Janeiro e São Paulo. Oscar vai morar em São Paulo e é seqüestrado, Osvaldo e seus irmãos são completamente Excluídos da Sociedade.
E é assim que se inicia a luta pela inclusão, porque não dizer esta Odisséiadeste visionário e abnegado lutador que é: Osvaldo Gomes Bomfim, o Osvaldo da Maçã, autor deste livro, que retrata uma realidade brasileira.
Um parque lá na infância entra na vida do Osvaldo e quarenta anos mais tarde o parque volta na vida do nosso personagem para garantir o futuro turístico da cidade de Niterói.
Vale a pena ter este primeiro livro em sua biblioteca e completando os demais volumes a serem publicados futuramente. Eu li e recomendo como lição de abnegação e luta de um sucesso próximo.
Parabéns Osvaldo.
Carlos Alberto B. Cunha ( Carlos kaká)


Semeando Sonhos, a história do Projeto Praia da Maçã
FLASH BACK
Quarta-feira 17:00 horas, um cliente acaba de sair do meu escritório. Respiro fundo, encosto minha cabeça na cadeira e olho para o teto. Viro-me para a janela e observo a chuva fina que cai lá fora, molhando a cidade de Niterói. Pego o calendário: 10 de Abril de 2013, “puxa como o tempo voa!”.
Enfeitando minha mesa, estão as fotos das minhas filhas e minha neta. Sorrio. Um sorriso misto de alívio e satisfação. Meu Deus, quantos obstáculos enfrentei para chegar até aqui! Quem poderia imaginar que um menino separado da sua família aos cinco anos, criado em instituições, totalmente excluído da sociedade conseguiria vencer? Passo as mãos pela cabeça e aliso meus cabelos (os poucos que ainda me restam!). Contemplo tudo em minha volta, os objetos parecem me cumprimentar.
Afundo-me cada vez mais na cadeira, fecho os olhos e mergulho nos meus devaneios. Sinto o perfume da minha mãe envolvendo a sala, as músicas preferidas do meu pai me chamando de volta à infância. Ah, minha infância… que vida!
Num “flash back”, viajo ao passado. E esta é a minha história…


Semeando Sonhos, a História do Projeto Praia da Maçã
A HISTÓRIA DO PROJETO PRAIA DA MAÇÃ
Capítulo 1
O COMEÇO
Meu nome é Osvaldo Gomes Bomfim, nasci em São Paulo em 29 de maio de 1955. Minha história começa muito antes do meu nascimento, com a lembrança de meu avô paterno, Honorato Manoel do Bomfim. Meu avô era um médico bem conceituado, professor universitário de medicina e escritor. Serviu durante muitos anos ao governo do Estado da Bahia. Era poliglota, falava dezenove idiomas, por esse mérito recepcionava todos os chefes de Estado vindos do exterior. Ele era daquelas figuras consideradas brilhantes, deixou várias obras literárias. Seus feitos foram considerados tão grandiosos, que após seu falecimento, a casa onde morava, foi transformada no Museu de Artes da Cidade, sediado na rua principal de Feira de Santana, instituição que obviamente recebeu o seu nome.
Meu avô casou duas vezes. Sua primeira esposa chamava-se Eulina da Silva Bomfim, que era de uma família tradicional portuguesa. Deste casamento nasceu um filho, Oscar Gomes Bomfim, meu pai.
O segundo matrimônio foi com Lucídia Soares Bomfim. Tiveram seis filhos: José Seraphin Soares Bomfim, Antônio Carlos Soares Bomfim, Yolanda Soares Bomfim, Artur Soares Bomfim, Lenise Soares Bomfim e Honorato Manoel do Bomfim Filho.
Meu Bisavô por parte do pai de mamãe chamava-se Manoel Gomes de Sá Ferraz, também foi respeitado e destaque no cenário nacional, casado com Maria Edwirges de Jesus. Tiveram seis filhos: João Gomes de Sá Ferraz, Pedro Gomes de Sá Ferraz, Antonio Gomes de Sá Ferraz, Manoel Gomes de Sá Ferraz, Constança Gomes de Sá Ferraz e Margarida Gomes de Sá Ferraz. O Bisavô por parte da mãe de mamãe chamava-se Jerônimo de Souza e Maria da Conceição de Souza. Tiveram seis filhos: Pedro Jerônimo Souza, João Jerônimo Souza, Manoel Jerônimo Souza, Maria Madalena de Souza, Ana Maria de Souza e Luiz Gomes de Souza. Do matrimônio do vovô João Gomes de Sá Ferraz e Luzia Gomes de Sá, nasceram onze filhos: Maria Gomes de Sá, Josefa Gomes de Sá, Manoel Gomes de Sá, Virginia Gomes de Sá, Maria do Carmo Gomes de Sá, Jerônimo Gomes de Sá, João Gomes de Sá, Iraci Gomes de Sá, José Gomes de Sá e Margarida Gomes de Sá, a mamãe.
A AVENTURA NO RIO, MINAS GERAIS E SÃO PAULO
Após o falecimento de meu avô, em 1950, meu pai e meu tio José Seraphin, fizeram um acerto com Lucídia. Receberam a parte da herança que cabia a cada um e resolveram, então, aventurar a vida no sudeste.
Meu pai aquela época, já era casado com minha mãe, a pernambucana Margarida Gomes Bomfim. Partiram com a filha recém nascida, Maria José Gomes Bomfim, em direção a Minas Gerais. Lá ficaram em Teófilo Otoni , onde nasceu o segundo filho, Osmar Gomes Bomfim. Depois o casal seguiu para São Paulo, enquanto meu tio, José Seraphin, pegou o rumo do Rio de Janeiro.
Em São Paulo , meus pais foram morar na Vila Alpina. Meu pai era contador, empregou-se como escriturário da Real Aerovias. Passado um ano nasceu minha irmã Luzia Gomes Bomfim, dois anos depois, em 29 de maio de 1955, eu nasci. Naquele momento nasceu comigo o estigma de um sonho, o “personagem” conhecido como “Osvaldo da Maçã”.
MINHA FAMÍLIA
Tinha apenas quatro anos de idade, mas lembro-me muito bem como era feliz na segurança do lar. Costumava ficar o tempo todo ao lado de minha mãe. Aonde ela fosse, eu ia atrás: no quarto, na sala, na cozinha… ah, como eu gostava de ver minha mãe no tanque lavando roupa, ouvi-la cantar suas músicas preferidas: “Trem das Onze”, “Ei, você aí, me dá um dinheiro aí!”… e tantas outras músicas alegres daquela época.
Cantarolava o tempo todo, enchendo a casa de melodia: “Lá, lá,ia… lá, lá, iaaá…”
Em casa, meu pai não deixava faltar nada, comprava sacos de 60 quilos de arroz, feijão, leite em pó, etc. Era um homem trabalhador, muito dedicado a família. Um marido querido, um pai amoroso. Gostava de nos ensinar brincando… que saudades!
Umas das lembranças mais viva em mim era a paixão do meu pai por livros e música. Era um homem muito politizado, sem ser filiado a nenhum tipo de movimento ou partido político. Vivia dizendo que o nosso país “era governado por políticos corruptos e sacanas”. Para meu pai, os governantes eram “todos ladrões!”
“Não podemos cruzar os braços. Alguma coisa precisa ser feita, para termos uma sociedade mais justa e solidária!” – e era isso que ele fazia. Não se calava diante dos erros. Gostava muito de escrever diariamente, às vezes, escrevia de dia ou à noite, para jornais e revistas. Mandava notinhas expressando suas idéias e pensamentos sobre as tomadas de decisões dos governantes.
Meu pai tocava piano. Era amante da boa música, principalmente, clássicos. Gostava de ouvir as músicas e noticiários na rádio, tinha uma coleção de discos de ópera. Para meu pai, livros e discos eram sagrados. Seus preferidos eram: Bethoven, Tchaykovysk, Chopin, e outros. Quando meu pai estava escutando um conserto, dizia: “Você precisa sentir a música, deixá-la tocar seu interior e distinguir cada instrumento tocado”.
Num certo Natal, em mil novecentos e alguma coisa… (não me lembro muito bem da data), ganhei dele um trenzinho elétrico. Foi a maior alegria! Brincávamos juntos, no chão da sala, o tempo todo. Meu pai fazia com a boca barulhos engraçados imitando um trem.
Meu pai me trazia segurança, esse sentimento era tão forte, tão real que acreditava que nada de ruim pudesse acontecer comigo. Ninguém roubaria de mim a minha família, o meu “mundo feliz”, mas… o destino brincou: eu me enganei.
O SEQUESTRO DO MEU PAI
Certo dia, estava em casa sozinho com meu pai, minha mãe tinha saído com meus irmãos. De repente ouvi gritos, porta batendo. Fiquei temeroso. Homens desconhecidos, fardados, invadiram nossa casa. Vi quando bateram no meu pai. Estavam furiosos: xingavam, chutavam… não pude fazer nada, o que eu poderia fazer? Era apenas um menino de quase cinco anos.
Tive tanto medo! Tentei me esconder… só tinha um jeito: correr para rua! Havia um buraco, que a prefeitura tinha aberto para colocar canos d’água. Não pensei duas vezes, corri e entrei na vala. Permaneci dentro do buraco, só com a cabecinha de fora, escondido. Não gritei, fiquei calado porque achava que eles podiam me pegar também. Vi quando colocaram meu pai num carro e o levaram embora.
Naquele momento senti meu mundo se desmoronar, estava sozinho, sem saber o que fazer. Senti-me perdido no meio do nada.
Dali pra frente, minha vida e da minha família se transformou radicalmente. Quando minha mãe chegou em casa e perguntou pelo meu pai, no meu desespero me atropelei nas palavras. Contei o que tinha visto. Ela também ficou desesperada. Os dias e meses se passaram, não tivemos nenhuma notícia sobre ele. Naquela altura, minha mãe com cinco filhos para criar, a comida começando a faltar, contas e mais contas… a coitada não sabia o que fazer. Hoje fico imaginando o drama interno que minha mãe passou naquele momento. Não tinha nenhuma condição de nos manter, a única alternativa era internar os filhos em instituições e começar a trabalhar como doméstica.
Capítulo 2
UM MENINO EXCLUÍDO DA SOCIEDADE
A CASA DA CRIANÇA
Em vinte e sete de dezembro de 1960, já com cinco anos, fui completamente excluído da sociedade. Internaram-me na Casa da Criança (hoje, conforme me informei, Casa da Infância), pertencente a uma entidade da Liga das Senhoras Católicas. – naquela época, situava-se na Travessa Maria Figueiredo, na Avenida Paulista – Centro – São Paulo. – Tel. (011) 3873-2911.
RELATORIO SOCIAL
SUMÁRIO DE TRANSFERÊNCIA
I – IDENTIFICAÇÃO:
Pt. 51.302 Processo assistido
MENOR: OSVALDO GOMES BOMFIM, 5 anos, branco, sexo masculino, nascido no Hospital São Paulo, Capital, registrado no Cartório de Vila Prudente, batizado, internado neste S.A.T. em 27-12-60.
FILIAÇÃO: Pai:- Oscar Silva Bomfim, 35 anos, casado, brasileiro, natural da Bahia, casado no civil e religioso com a mãe dos menores, era escriturário da Real Aerovias, porém abandonou o emprego e está em local ignorado.
Mãe Margarida Gomes Bomfim , 30 anos, branca natural de Pernambuco, doméstica atualmente desempregada.
IRMÃOS: 1)Maria José Gomes Bomfim, 10 anos, registrada, está no 3° ano primário, atualmente na companhia da mãe.
2)Osmar Gomes Bomfim, 8 anos, sexo masculino, branco, registrado no Cartório do 37° Subdistrito de Vila Maria n° 16.993, fls. 95 Livro A-03.
3)Luiza Gomes Bomfim, 6 anos, registrada internada no I.A.D., na rua Tamandaré.
4)Maria Aparecida Gomes Bomfim, 1 ano registrada, atualmente com a mãe.
II-Resumo Do Estudo Do Caso :
a)SOCIAL:
Trata-se do menor internado através do plantão S.S.M. neste S.A.T., Casa da criança em 27-12-60, em virtude da desagregação da família motivada pelo abandono do pai.
Segundo consta do relatório da Assistente Social de plantão Da. Margarida abandonada pelo marido, que sofre das faculdades mentais viu-se forçada a deixar seus filhos com famílias conhecidas.
Recorreu ao S.S.M. para solicitar ajuda financeira, o que foi concedido. Foi realizada visita domiciliar na qual constatou-se a veracidade da situação.
II-RESUMO DO ESTUDO DO CASO
a)SOCIAL:
Nesta ocasião combinou-se que os menores continuariam com as famílias até acertar um tratamento mais adequado ao caso.
Verificou-se que Da. Margarida é mãe compenetrada de sua responsabilidade, interessando-se pela sorte dos filhos.
Em 26-12-60, Da. Margarida retornou ao plantão acompanhada de todos os seus filhos. Achava-se em situação precária pois, as famílias devolveram seus filhos, alegando não poderem mais continuar com os mesmos.
Solicitou a internação dos menores comunicando que ficará com Maria Aparecida no emprego, pois seus patrões permitem.
Por outro lado, a interessada acha que não poderá continuar no emprego onde tem encontrado dificuldades muito grandes.
Em virtude da situação o encarregado do plantão deu parecer favorável a internação dos menores Osmar, Luiza e Osvaldo, tendo em vista a impossibilidade da mãe tê-los junto a si por enquanto.
Em 27-12-60 os menores Osvaldo, Osmar e Luiza foram internados respectivamente no S.A.T., Casa da Criança, S.A.T. pavilhão II o Instituto de Aprendizado Doméstico.
Neste S.A.T., a mãe compareceu para visitar os menores, comunicando que havia saído do emprego e que no momento não está em condições de desinternar as crianças.
CLÍNICO : O menor apresenta mucoses descoradas, tomando ferruginose, teve parotidite epidérmica.
III – PARECER:
Diante dos dados expostos, somos pela transferência do menor para a “CASA DE PERMANÊNCIA DA RUA MARIA FIGUEIREDO” … onde aguardará desinternação tão logo seja possível.
São Paulo, 28 de março de 1961
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Assistente Social Médico
Nos primeiros dias de interno, chorava muito. Não me conformava com a situação. A falta da minha família, principalmente de minha mãe, me consumia por dentro, pouco a pouco, fui me definhando. A lembrança de meu pai sendo levado por homens estranhos, não saía da minha cabeça e, até hoje, carrego essa imagem comigo. Sentia-me deprimido e temeroso, nem sabia se ele estava vivo. Mais tarde soube o motivo da sua prisão, como veremos nas próximas páginas deste livro.
Meus irmãos, Luzia e Osmar, também penaram e pagaram um preço muito alto, com a “perda” do chefe da família. Luzia com seis anos, foi internada no Instituto de Aprendizado Doméstico (IAD), situado na Rua Tamandaré. O Osmar com oito anos, foi encaminhado para o Educandário Dom Duarte (EDD). Minhas irmãs Maria José, com 10 anos, e Maria Aparecida, com 1 ano iam ficar por enquanto com minha mãe.
Fiquei doente, estava muito triste. Não comia direito, peguei sarna, tive que operar as amídalas. Vivia na enfermaria cheio de pomada branca, deitado no beliche. Chorava muito com saudade dos meus pais. Então, Deus sentiu piedade de mim e colocou no meu caminho um anjo. Esse anjo, em forma de mulher, era uma senhora muito bondosa, Dona Açucena, uma espécie de “mãe de todos”. Muito carinhosa e atenciosa, conquistou minha confiança e meu respeito. Meu apego a ela fez com que eu conseguisse me adaptar ao meu novo lar. Fui me acostumando, fiz amizade com outras crianças que se encontravam na mesma situação que a minha. Meus melhores amiguinhos eram: Silas, Mário Lúcio, Rusti e Robseque.
Havia também um homem chamado Cláudio, que parecia mais um chefe de escoteiro. De vez em quando, ele aparecia na Casa da Criança para distrair a criançada. Fazia mágicas, contava histórias e brincava com a gente. Nos nossos encontros sempre levava diversos bichos, mostrava como se defender e até mesmo pegá-los, um desses bichos era a aranha caranguejeira (daquelas bem grandes!). Nos ensinou também como se defender do bote das cobras venenosas.
Mas o que eu gostava mesmo era das suas histórias, cada uma de dar medo! Às vezes apagava a luz do quarto, batia com madeira no chão, pra fazer o “toque-toque” do pica-pau, os gritos tornavam as histórias mais reais. Cláudio sabia ensinar, ensinava brincando. Fiquei maravilhado quando descobri que o pica-pau consegue dar cem bicadas na árvore por um minuto! – “Puxa!”
Nosso amigo Cláudio levava também as crianças para fazer caminhadas ecológicas, ensinava tudo sobre sobrevivência na floresta. Dizia que a raiz do sapê dava um bom caldo de cana e algumas árvores tinham os galhos doces. Chegamos a chupar muitos galhinhos doces. Ele nos ensinou a adotar e plantar árvores, colher os frutos, plantar e colher verduras, legumes, etc. Cláudio nos dizia que era preciso aprender a trabalhar com a terra, a plantar e lidar com os animais; um dia, dependeríamos deles para sobreviver. O cultivo da terra é a sobrevivência do homem. Seus ensinamentos fizeram de mim o ambientalista que hoje eu sou.
Permaneci quatro anos na Casa da Criança, não me lembro, durante esse período, ter recebido visita de algum parente. Esperava ansiosamente em vão. Não via minha mãe e nem meus irmãos, muito menos, tinha notícias de meu pai. Estava com sete pra oito anos, crianças dessa idade não ficavam na Casa da Criança. Meus dias de tranqüilidade estavam chegando ao fim.
Em vinte e três de fevereiro de mil novecentos e sessenta e quatro, fui transferido com outros internos para o Educandário Dom Duarte, onde meu irmão Osmar já se encontrava. O EDD situava-se, naquela época, na Estrada Velha da Cutia, Km 16 – São Paulo – Tel.: (011) 3782-0773.
RELATÓRIO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E UMA PARA A FICHA MÉDICA – OSVALDO)
Capítulo 3
NO EDUCANDÁRIO DOM DUARTE
REGULAMENTOS – ALIMENTAÇÃO
Só os filmes “Um Sonho de Liberdade” e “Alcatraz”, poderiam dizer o que eu passei no Educandário Dom Duarte. Distante quarenta minutos do Centro de Pinheiros, em São Paulo , o lugar era um tipo de penitenciária: muros altos, com mais ou menos três metros de altura; guarita; funcionários “linha dura” e, lá dentro, 25 pavilhões. Cada Pavilhão tinha um casal que tomava conta de aproximadamente 50 crianças.
O regulamento interno estabelecia: visita dos parentes uma vez por mês, levantar cinco horas da manhã, arrumar a cama, tomar banho gelado, depois descer em fila para o refeitório.
Após o café o trabalho era duro: enxada, enxadão, foice e picareta. Às 12:00h, era servido o almoço no refeitório; na parte da tarde tínhamos aulas com os professores na sala e nas oficinas de aprendizagem no Grupo Escolar Rural do EDD. As 18:00h, o jantar era servido; as 20:00h, alojamento, todo mundo na cama! Os sapos e rãs faziam o som noturno.
Os internos com um bom comportamento, tinham o direito à missa e a recreação geral no domingo com piscina, futebol e cinema.
Quem cometesse alguma infração, durante a semana, perdia o direito das visitas e das recreações dos domingos por período indeterminado. Os castigos variavam: ajoelhar no milho, palmatórias, surras com porretes de madeira no lombo, vara de marmelo nas pernas, etc. Uma desobediência considerada mais grave, levava os internos para a solitária.
A solitária era um porão escuro que ficava em baixo do cinema: chão de terra, grades e muito rato! Foram inúmeras vezes que estive na solitária. Quando ficava na solitária, meditava sobre minha vida, a tristeza batia e tentava afugentá-la cantando. Para não ficar mais desesperado inventava histórias pra mim mesmo e para os ratos, que me faziam companhia. Dormia tenso, com um olho aberto e o outro fechado, com medo que um rato pulasse em cima de mim, ou algo parecido. E barata? Ah, essas existiam aos montes! Faziam a festa naquele chão úmido. Como a solitária ficava num porão de baixo do cinema, dava para ouvir o som dos filmes, fechava os olhos e imaginava as cenas. Ali sozinho, deitado abandonado no chão de terra (não tinha cama, nem cochonete), construía meu mundo de sonhos e possibilidades. Que garantias têm uma criança excluída da sociedade, distante do mundo, isolada de tudo e todos, vencer na vida? Hoje, refletindo em tudo o que passei até chegar onde estou, vejo que na verdade, nunca estive sozinho. Mesmo naquela solitária fria, escura e úmida; sem vida, luz e calor humano, não me encontrava só. Uma Força Superior me acompanhava, me protegia, me energizava. Por isso nunca percam a fé, de um jeito ou de outro, coisas boas acontecem. Eu acreditava nisso. Sonhar é extremamente necessário, é o curativo para dor da alma; sem esperanças o desespero vem e acaba nos consumindo, pouco a pouco.
Os motivos que levavam os internos à solitária, ou receberem outros castigos, variavam: o não cumprimento dos trabalhos na enxada; não executar as tarefas no seu pavilhão e na oficina; desacato as ordens dos monitores e chefes de pavilhões. Brigas, falar palavrões ou roubos, também eram razões de severos castigos.
A alimentação era muito ruim. A lei do mais forte imperava, o chefe do pavilhão tirava o melhor para si e o resto ficava na disputa dos internos menores. Eu e meu amigo Silas, que foi transferido da Casa da Criança para o EDD comigo, éramos voluntários. Sempre fazíamos o transporte da comida em padiolas pesadas do pavilhão 25 (pavilhão cozinha) para o nosso pavilhão. No meio do caminho, a gente entrava no mato, abria as panelas e enchia a barriga. Depois seguíamos para o nosso avilhão.
Certa vez, soube que um juiz ia visitar o Educandário e fazer uma vistoria, devido à denúncia de maus tratos. Juntei uns colegas e fizemos uma composição musical, depois a gente distribuiu entre os internos e ensaiamos pra fazer bonito no dia da visita. Quando o juiz do Juizado de Menores chegou no nosso pavilhão (pavilhão 12), todos cantaram:
Oh! Seu Juiz tenha compaixão
Tire os menores desta prisão,
Estamos todos de amarelão,
Lavando roupa de pé no chão.
Lá vem a bóia da macacada,
Arroz queimado, feijão sem sal
E mais a traz vem à batatinha
Que parece chumbo de matar rolinha
E depois vem o macarrão
Que parece cola de colar balão
E mais a trás vem à sobremesa
Bananas podres em cima da mesa.
Nosso “grito de ajuda” valeu a pena, a cara do diretor quando os internos começaram a cantar caiu no chão. O Juiz de Menores, pareceu ter gostado da música, com ar sorridente pediu a letra e disse ao diretor que era uma bela canção. A composição não agradou muito o diretor, por causa da proeza meu castigo foi duro: apanhei “pra burro”, peguei cinco dias na solitária, além de perder, por três meses o direito de receber visitas.
Quando estava no EDD, “apareceu” por lá, uma “tal”de febre amarela. Muitos internos adoeceram e outros morreram. Vieram de fora médicos e enfermeiras, umas até bonitas. Nesta mesma época inventei uma dor na barriga, só para ser tratado pela enfermeira. Felizmente a febre amarela não me pegou. Por outro lado, fiquei muito preocupado com meus amigos e, principalmente, com meu irmão Osmar. Depois chegou a vacina e os internos foram vacinados; a fase passou e tudo voltou ao normal, inclusive a rotina.
O MEU PAVILHÃO – PAVILHÃO 12
O pavilhão que eu morava, tinha aproximadamente 50 internos, o monitor do meu pavilhão era o mais temido de todos os pavilhões. Possuía fama de carrasco e tinha a mão pesada. Morava no Educandário Dom Duarte com sua mulher (poucas foram as vezes que ela apareceu para ver os internos). Tudo para o monitor era na “base da porrada”, uma maneira covarde de agir com os internos. Para ele qualquer coisinha era motivo de castigos. Sempre andava no pavilhão com um porrete na mão, qualquer coisa que acontecia para tirar sua paciência, não pensava duas vezes: porrada! Como não trocavam os monitores de pavilhões, meus colegas e eu rezávamos todos os dias para ele morrer.
Um dia voltávamos da roça com o monitor que, passando pelo um riacho, contraiu uma doença transmitida por um caramujo. Ficou magro, “pele e osso”; quase morreu. Todos os internos do pavilhão, inclusive eu, ficamos na torcida pra ele morrer logo, mas a praga do homem sobreviveu à doença e se recuperou. Hoje, analiso o fato e penso que foi obra de Deus. Quando o monitor ficou bom da doença se transformou. Era outro homem. Ficou mais humano, aprendeu a conversar em vez de bater. Passou a andar com sua esposa pelo salão e juntos conversavam com a gente. A mulher dele agradeceu a todos os internos que tinham rezado por ele. Não pude conter a gargalhada… brincadeira!
Quando estava no pavilhão ficava sempre com minha turma, principalmente com meus amigos fiéis. A gente ficava de fora das partidas de futebol, destacados dos tumultos, sempre observando tudo, como se estivesse passando um filme. Participei poucas vezes dos jogos de futebol, gostava mais de correr, nadar na piscina, saltar à distância, caçar, atirar com estilingue (atiradeira), brincar de índio com arco e flecha na mão.
As nossas melhores distrações eram as brincadeiras de índio. A gente fazia oca de bambus , folhas de bananeiras e galhos de árvores. Pintávamos a cara e formávamos grupos, para dizer que eram tribos diferentes. As “armas”eram arcos e flechas improvisados. As lanças eram feitas de bambus, caniço de pescar. A gente caçava, pescava e travava batalhas: uma “tribo” contra outra. As brigas sempre eram corporais.
Uma vez, briguei (numa daquelas batalhas das tribos) e encarei um garoto mais forte do meu pavilhão, dei sorte, ele dava dois de mim. Acertei um soco no meio da cara dele e… pronto! Foi a nocaute! Assim, todos passaram a me respeitar ainda mais. Foi minha primeira briga… e a última.
“Nossa tribo” fazia caminhada pelas matas e caçadas pelas florestas, subíamos nas árvores como se fossemos macacos. As matas fechadas do educandário tinham muitos bichos. Cobras e aranhas não faltavam! O bicho mais temido era a jaguatirica, costumava ficar em cima das bananeiras. Quando estávamos trabalhando na enxada ou roçando o mato, a jaguatirica aparecia pra assustar. Foi trabalhando no laranjal, que eu presenciei quando um colega foi picado por uma cobra, ainda com a enxada na mão, ele ficou tremendo e piscando os olhos. Ouvi o grito, corri em sua direção. Ao chegar perto para socorrê-lo, vi uma enorme cobra, estava nos pés do garoto. A cobra me atacou, deu um bote, pulei e corri pra pegar um galho com uma forca. O garoto continuava tremendo. Naquela hora, lembrei-me dos ensinamentos do escoteiro da Casa da Criança, nosso amigo Cláudio e, agindo com técnica, pude prender a cobra e salvar a vida do meu companheiro. Ao cair da noite, fui dormir ao som dos sapos e rãs, fiquei meditando sobre o fato acontecido.
Muitas vezes ao levantar, quando ia calçar os sapatos, encontrava dentro deles uma enorme aranha caranguejeira. O Educandário Dom Duarte ficava afastado da cidade, isolado no meio do mato.
Capítulo 4
AS VISITAS – UMA MULHER GUERREIRA
Somente depois que fui para o Educandário Dom Duarte, passei a receber visitas de minha mãe. As visitas eram apenas nos domingos, uma vez por mês. Os internos de bom comportamento tinham o direito a uma visita mensal, no horário das 14:00h às 16:00h. Na Casa da Criança não me lembro de nenhuma visita, eu era muito pequeno. Com as visitas, veio a esperança.
Quando vi minha mãe pela primeira vez, depois de muitos anos, não contive minha emoção. Abracei-a bem forte, por um bom tempo. Queria sentir seu calor; seu perfume. Sua presença me mostrou o que significava ter uma mãe. Estudei cada traço do seu rosto, detive-me no seu olhar… triste, mas profundo! Entreguei-me aos seus beijos, carinhos, ao seu colo maternal sem nenhuma vergonha. Estava vivendo um sonho.
As crianças excluídas da sociedade, são muito carentes. Carentes de tudo! Sentem demais a falta de uma mãe, da família.
Na primeira visita, passei o tempo todo chorando, quase não conseguia falar. Pedia, implorava entre lágrimas e soluços pra voltar a morar com ela.
Eu queria sair do Educandário de qualquer jeito, minha mãe era a única esperança. Ela me examinou, me olhou… abraçou-me bem forte e disse: “Um dia meu filho, eu vou reunir todos vocês de novo. Vou comprar uma casa. Com fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida , nós vamos sair dessa.”
Nessa visita minha mãe mostrou fotos da família e me deu um retratinho 3x4 da minha irmã Luzia. Eu queria saber tudo sobre meus irmãos; meu pai, onde e como ele estava; queria saber sobre minha mãe. Mas, o tempo de visita era curto, não dava para resumir tantos anos de separação em apenas duas horas. Quando começamos a conversar, depois das lágrimas, abraços e promessas, veio a campainha e acabou o tempo da visita.
Com as outras visitas, capítulos por capítulos, fui aprendendo a conhecer a minha mãe. Sua luta, coragem e força de vontade fizeram dela meu maior orgulho. Não era simplesmente minha mãe que ia me visitar, era a mulher-guerreira. Sua força me energizou.
Ela me contou tudo o que tinha acontecido com meu pai. No Relatório da Assistência Social está registrado que meu pai tinha “abandonado o emprego e a família por sofrer das faculdades mentais”, isso não era verdade. Depois do seqüestro dele a coitada ficou sem nenhum tostão, sem moradia ou condições para se sustentar com os cinco filhos. Sem casa, pedindo esmolas de porta em porta e passando muita fome, conseguiu, depois de muito custo um emprego de doméstica. Minha mãe viu-se forçada a nos deixar com famílias conhecidas, mas as famílias nos devolveram, alegando não poderem mais continuar nos sustentando.
Perdeu o emprego como doméstica e no seu desespero não viu solução melhor, foi forçada a nos internar em instituições. Continuou com minha irmã mais velha, Maria José, e com a minha irmã mais nova, Aparecida, com apenas 1 ano. Depois a situação foi apertando mais e foi obrigada, pelas dificuldades, a mandar minha irmã mais velha, Maria José, ao Rio de Janeiro para casa do meu tio Zezeco, que se dispôs a cuidar dela.
Dois anos depois do seqüestro de meu pai, minha mãe conseguiu localizá-lo num Hospital Psiquiátrico. Ele estava magro, todo sujo; cheio de marcas pelo corpo e sedado. Minha mãe passou a visitá-lo constantemente, ficava ao seu lado, conversavam e saíam para passear. Conforme ela, mantinham relações como um casal normal. Então, percebi que meu pai não era nenhum louco, era normal. Apenas falava o que pensava, não tinha medo de nada e de ninguém.
Continuava falando o que falava antes. O sofrimento causado pelas torturas não mudou suas idéias a respeito do governo. Para ele nosso país era governado por “corruptos e sacanas”; não existia uma filosofia de responsabilidade social; eram todos ladrões. Acreditava que algo deveria ser feito para reverter o quadro de instabilidade econômica e social; lutava por uma sociedade mais justa e solidária.
Ainda escrevia e lia muito. Nada tinha mudado nesse respeito, nem a sua paixão pela música. Minha mãe levava discos de óperas, livros, jornais e revistas velhas em todas as visitas. Tudo que meu pai falava ou escrevia era taxado de louco. Anos mais tarde, com a ajuda de tio Zezeco, minha mãe conseguiu transferi-lo para uma clínica no Rio de Janeiro.
Aquela mulher guerreira, continuou trabalhando como doméstica e não deixava de visitar os filhos no orfanato. Minha mãe teve mais um filho, Tadeu Gomes Bomfim, “resultado” das visitas feitas ao meu pai no hospital psiquiátrico.
Foi trabalhando como doméstica, na Vila Alpina, que minha mãe teve uma oportunidade. Viveu um bom tempo de favor num quarto na casa da sua patroa, D. Efigênia, uma senhora muito bondosa que motivou minha mãe a melhorar de vida. Dona Efigênia ajudou-a criar Maria Aparecida e Tadeu, meus irmãos menores. Movida pela vontade de vencer e incentivada pela patroa, minha mãe foi à luta para conseguir um emprego na indústria, melhorar seu salário para realizar seu sonho: a casa própria. Até que a sorte bateu na sua porta. Mamãe foi trabalhar nas Linhas Correntes, como só tinha o primário, pegou o cargo de faxineira, mas mesmo assim o seu salário dobrou.
Nas Linhas Correntes, suas amigas souberam do seu drama e da luta que enfrentava para reunir novamente toda família. Resolveram então, ajudar no que podiam. Era o Espírito de Solidariedade . As amigas, mesmo num cargo baixo como faxineiras numa indústria, demonstravam humanidade, expressavam sentimento de bondade. Sentimento esse tão esquecido no mundo em que vivemos. As colegas de trabalho doavam suas refeições para minha mãe levar para casa e dividir com os filhos menores.
Assim o tempo foi passando, as visitas aos filhos nas instituições continuavam. O trabalho na faxina da indústria, horário noturno, era duro e fazia de minha mãe uma heroína.
Mamãe tinha uma irmã muito religiosa que também tinha vindo de Pernambuco e morava em Mauá, SP. Chamava-se Virgínia Gomes Trindade, casou-se com um comerciante chamado José Trindade. Tinham cinco filhos. O filho mais velho era o João, empresário bem sucedido. João sensibilizou-se com o drama e o sonho de minha mãe em ter sua casa própria. Então, emprestou-lhe o dinheiro para comprar uma casa próxima de Virgínia, na cidade de Mauá.
Assim que ela comprou a casa, trouxe de volta meu pai e minha irmã mais velha Maria José. O sonho dela estava se tornando realidade. Maria José ficava com Tadeu e Aparecida para que mamãe pudesse trabalhar. Meu pai ficava em casa escrevendo, lendo e ouvindo ópera dia e noite. Minha mãe fazia horas extras na “Linhas Correntes” para melhorar o salário. Em casa, panelas quase sempre vazias; um ovo dividido para quatro. Ela trazia o bife que era servido nas refeições da indústria e dividia a mistura entre os filhos e o marido. As frutas, vinham do final da feira. Nos finais de semana, quando acabava a feira do bairro, minha mãe e irmãos, catavam no chão, tudo o que era aproveitável e levavam pra casa.
Meu pai era um homem muito falante, conversava e dava atenção pra todo mundo na rua, por isso a vizinhança o adorava. Falava sobre tudo; qualquer assunto era com ele mesmo: música, arte, política… ele era o “tal”. No final do papo, sempre pedia dinheiro ou cigarro às pessoas que conversavam com ele. Bebia muito café e fumava o tempo inteiro.
Outra coisa que ele adorava fazer era criar passarinhos. Tinha canário da terra, curió, bigodinho, canário belga entre outros. Andava pelo bairro com a gaiola na mão, vivia fazendo trocas e ganhava uns “trocadilhos”. Certa vez ele trocou alguns passarinhos por rádios e relógios.
Durante os quatros anos que vivi no Educandário D. Duarte, recebi poucas visitas da minha mãe, isso pode ser facilmente verificado nas folhas de visitas do educandário. Minha mãe era pobre, não tinha muitas vezes o dinheiro da passagem para visitar o Oscar, Luzia e eu. Tia Virgínia, de vez em quando, emprestava o dinheiro da passagem para ela.

Capítulo 5
PAVILHÃO 24
Cada pavilhão tinha um “cacique” que era respeitado por todos. No pavilhão 24, ficava o “cacique” geral dos internos, o Rochinha. Ele era o mais temido, todos o respeitavam. Meu irmão mais velho, Osmar, estava no pavilhão 24 e era o braço direito do Rochinha. Quando fui transferido da Casa da Criança para o Educandário Dom Duarte, o Osmar já sabia. Tinha conhecimento do dia e da hora. Osmar e Rochinha mandaram uma mensagem aos 25 pavilhões: “Ai de quem mexer com o Osvaldo, ninguém toca nele!”. No momento que cheguei no educandário, meu irmão me recebeu, ficou muito feliz, fazia muitos anos que não nos víamos. Eu pedi aos dois cobertura para meus inseparáveis amigos: Silas, Mario Lucio, Rusti e Robseque.
A ESTRATÉGIA DE FUGA
O tempo foi passando, revistas e livros mostravam que existia outro mundo e a curiosidade em conhecer o lado de fora era cada vez maior. Sonhava em conhecer o que tinha do outro lado daquele muro tão alto. Começava a pensar em garotas bonitas… beijar na boca, namorar. Só tinha homens no educandário, eu ficava louco! Comecei a viajar nas minhas fantasias. Sonhava com bailes, festas e pensava nas músicas. Adorava compor músicas, escrever… quem sabe, do lado de fora eu teria alguma chance? – pensava.
Ficava só pensando no gostinho da liberdade… sentia a necessidade de ser livre! Foi aí que eu comecei a estudar uma maneira de fugir. Não seria fácil, os muros e portões eram bem vigiados. Os monitores estavam sempre de olho na gente, não davam uma folga. Queria sair de lá, desejava um mundo melhor do que aquele.
Finalmente, uma oportunidade surgiu: o aluno que tivesse bom comportamento, se destacasse nas notas e fosse o primeiro colocado do educandário, receberia uma bolsa de estudos para estudar fora, no Colégio Machado de Assis, em Pinheiros. Esta era a minha oportunidade, a única esperança. Tracei um plano, fiz minha estratégia, segui até o fim.
Acreditei em mim, falava com meus botões: “Sou capaz de ser o primeiro lugar dos 1.250 alunos internos, vou vencer!”. – Confiava em mim, tinha certeza que podia ganhar. Meu desafio era vencer ou vencer; ganhar ou ganhar ( no meu dicionário não existe a palavra derrota ). Determinei minha primeira meta: “Até o final do ano estarei fora do educandário!”
Para conseguir o primeiro lugar passei a me dedicar intensamente, dia e noite, metendo a cara nos cadernos e livros. Era estudar, estudar, estudar… “Estarei do lado de fora no final do ano, pô!”- dizia aos meus colegas. Mas todos falavam que eu estava louco, era impossível ser o primeiro da turma. Outros internos tinham regalias e não trabalhavam, só estudavam. Eu tinha tarefas, trabalho na roça. Trabalhava muito na enxada, na horta e o meu tempo era escasso. Para completar, os internos tinham que ir a missa todos os domingos e eu era o coroinha. Naquela mesma época, fui obrigado a participar de um curso de formação de acólitos (um curso para ser padre). Além das matérias do colégio, ainda tirava um tempo para estudos religiosos.
Eu dormia numa cama que ficava num lugar privilegiado, na janela. A lua, minha cúmplice, iluminava minha cama. Muitas vezes ela iluminou meus livros, cadernos e, principalmente, minha mente. A lua foi minha fonte de inspiração, minha companheira e amiga… minha confidente! Testemunhou meus sonhos e minha vontade de vencer… de ser livre!
Estava quase chegando o final do ano, me formei em acólito na igreja do educandário e recebi o diploma de ajudante de padre. Depois ajudei a missa e fui homenageado na igreja.
Em seguida terminei o primário (4ª série) no Grupo Escolar Rural do Educandário Dom Duarte. No mês seguinte, o diretor trouxe um homem generoso, um comerciante da cidade para apadrinhar o aluno vencedor. O iluminado senhor, José Silva, o dono das Casas José Silva, apertou minha mão no final daquele ano e declarou: “Parabéns Osvaldo, você foi agraciado, ganhou a bolsa de estudos e vai estudar no Colégio Machado de Assis, em Pinheiros.” – Ganhei também uma merendeira, roupas, sapatos novos e um uniforme do colégio. O diretor reuniu todos os internos para anunciar o resultado, mas não podia imaginar que naquele momento, estava também me premiando com a liberdade. Na verdade, a bolsa de estudos era o que menos me interessava. O que eu queria mesmo era voltar pra casa, meu sonhado lar!
PRIMEIRA FUGA: SEM SUCESSO
Assim que pude respirar o ar da liberdade, no primeiro dia de aula no Colégio Machado de Assis, as crianças me olhavam de maneira diferente. No começo eu senti o peso da indiferença e do preconceito, sabiam que eu era pobre, do educandário e tinha ganhado a bolsa de estudos, mais uma vez me senti excluído. Aos poucos os garotos começaram a me procurar, tentava me agradar e oferecer as coisas. Eu tinha vergonha e recusava. Depois fui fazendo amizade e me acostumando.
Na primeira tentativa de fuga, saí do Colégio Machado de Assis, com o endereço da minha mãe guardado no bolso. Peguei o ônibus para São Paulo. Quando já estava bem longe, dentro do ônibus que eu me encontrava, tinham dois monitores do educandário… que azar! Eles me reconheceram e perguntaram para onde ia. Tentei fugir pela tangente, inventei uma história. Disse que estava distraído no ponto e tinha pegado o ônibus errado. Mas a história não colou. Eles me pegaram e me levaram de volta para o educandário. Lá tive que explicar tudo direitinho. Fiquei de castigo e apanhei para não errar mais o caminho.
SEGUNDA FUGA: O PARQUE ENTRA NA VIDA DE OSVALDO
Aos 14 anos de idade, fugi pela segunda e última vez do Educandário Dom Duarte para nunca mais voltar. Fui parar na Vila Alpina, no endereço onde minha mãe me disse que morava. Lá chegando procurei e encontrei a casa onde minha mãe morou, mas ela tinha se mudado para outro bairro e ninguém sabia informar aonde.
Fiquei perdido, perambulando pelo bairro da Vila Alpina, quando me deparei com um grande Parque de Diversões com circo e tudo! Puxa! Nunca tinha visto tanta gente alegre e bonita. Era tudo colorido, brilhante. Permaneci acampado no parque quase dois meses, pedindo esmolas, comida… o que viesse era lucro! Estava livre! Fui ficando pelo parque.
O que não faltava era maçã do amor, pipoca, cocada e doces diversos envolvidos pelo brilho das luzes da Roda Gigante, do carrossel e outros brinquedos. As atrações do circo me fascinavam: vários palhaços, homens engoledores de fogo, malabaristas, mágicos, equilibrista, etc. O que chamava mais a atenção de todos era o Trem Fantasma e a Montanha Russa. Fiquei encantado com o parque, nunca tinha conhecido nada igual. Foi um momento de curtição, de sonho. Era hora de aproveitar e viver com intensidade aquela chance que a vida me oferecia, afinal de contas, estava livre num mundo de cores, fantasia e beleza. Estava vivendo um sonho… perdido naquele mundo encantado! Perdido… mas mesmo perdido, naquele instante, eu me encontrei. Senti ser plantada em mim a semente de um sonho que hoje, passados tantos anos, está crescendo e florindo.
Estava vivendo os melhores dias da minha vida, porém a realidade foi mostrando a sua cara. Apesar de livre, havia momentos que eu me sentia sozinho no meio da multidão. Precisava de qualquer jeito encontrar minha mãe, minha família. Pedi a Deus, com muita fé, para me ajudar.
Quase dois meses se passaram e eu continuava no parque, já estava ficando sem esperanças de reencontrar minha família, mas por outro lado, não queria nunca mais voltar para o educandário. Com certeza uma boa surra me esperava. Só pensar em enfrentar a solitária me fazia tremer todinho, dos pés à cabeça.
Um dia, era domingo, o parque estava fervilhando de gente, estava distraído chutando uma lata no chão. O sol brilhava forte, quente, sedutor. O vento soprava de mansinho, brincando com meus cabelos. Levantei meu rosto para sentir a brisa fresca que me agraciava, quando, de repente, uma imagem no meio de tanta gente me seduziu. Achei aquele rosto familiar. Corri para me aproximar mais e saber direitinho quem era. Será que eu estava tendo uma visão? Não, de jeito nenhum! Eu conhecia aquela pessoa! – “Não é possível! Só pode ser… tem que ser ela!” – pensei num misto de alegria, ansiedade e medo de estar errado. Reconheci aquele rosto, um rosto que só conhecia através de um retratinho 3x4. Minha irmã Luzia.
Corri desesperadamente, atropelando as pessoas em minha frente e tropeçando nas pedrinhas que estavam no chão. Gritei seu nome bem alto: “Luziaaaaaaa……”- ela me viu, correu na minha direção. Era realmente a Luzia.
Eu sei que o que aconteceu naquele dia foi um milagre. Tenho certeza disso. Até hoje quando me lembro dessa cena as lágrimas rolam em meu rosto. Os anjos sorriram para mim.
Abracei minha irmã com toda minha força. Ela olhou pra mim com os olhos marejados de lágrimas, pegou meu rosto entre suas mãos e sorriu. Passamos um bom tempo assim, chorando, nos abraçando, rindo… foi uma confusão de sentimentos! Luzia caiu do céu. No momento em que estava nos seus braços, senti a presença viva de Deus em mim. Nesse instante as mãos de Deus começavam a escrever a história do Parque da Maçã, o Projeto Praia da Maçã.


Jurujuba, Nierói-RJ, o local do Projeto Praia da Maçã
JURUJUBA ENTRA NA MINHA VIDA
AMOR À PRIMEIRA VISTA
Em 1976, fui trabalhar na Indústria de Conservas Santa Iria, fica na Rua Carlos Ermelindo Marins, no ponto final de Jurujuba, um bairro da cidade de Niterói. A Industria de Conservas Santa Iria era uma fábrica de pescado vizinha da Igreja de São Pedro, o protetor dos pescadores.
O Bairro de Jurujuba é situado a Leste da entrada da Baía da Guanabara. Jurujuba é uma península cercada pelas águas oceânicas e da própria Baía, limitando-se por terra com Charitas, próximo ao cruzamento entre a Avenida Carlos Ermelindo Marins e o caminho para o Forte Imbuí; e com Piratininga, pela linha de cumeada do Morro do Ourives.
Jurujuba é uma colônia de pescadores; o berço da natureza! Estava naquele momento contemplando a vista mais bela do mundo!
A origem do nome de Jurujuba se deu quando os franceses invadiram a Baía da Guanabara, os índios viram pela primeira vez os franceses com aquele pescoço longo e barba ruiva, começaram a gritar: “Iuru e Iuba! Iuru e Iuba!…” - Iuru, na língua Tupy Guarani, significa pescoço longo, e Yuba significa barba ruiva. Então o índio Araribóia batizou o nome deste Paraíso Terrestre de “Jurujuba”. JURUJUBA , na língua Tupy Guarani significa PAPAGAIO AMARELO.
A Bíblia conta a história do Paraíso, do primeiro homem e da primeira mulher: Adão e Eva. Jurujuba abriga em seu recanto paradisíaco as praias de Adão e Eva. Mais tarde, aos longos dos anos, eu denominei uma linda praia escondida das vistas humanas, protegida pelos encantos da natureza, de Praia da Maçã, complementando assim, a visão do verdadeiro paraíso terrestre. A cidade de Niterói foi escolhida para guardar o maior dos tesouros da natureza:JURUJUBA.
Eu sempre digo pra todo mundo que nasci em Jurujuba porque assim que cheguei no bairro, senti como se estivesse na minha própria casa. Foi amor à primeira vista! Jurujuba é um pedacinho do céu, qualquer pessoa se encanta por “ela”. É um paraíso com direito a São Pedro e tudo!
Respirei fundo o ar puro, o cheiro de vida! Vislumbrei o cenário… mergulhei meu olhar na paisagem: o céu azul, o mar… as garças bailando no céu e se refrescando nas águas. Observei o trabalho dos pescadores, os barcos de pescas, as traineiras com suas longas redes de pescar. Apreciei o verde das matas, os micos, os pássaros. Conversei comigo mesmo durante horas: “Ah, meu Deus que lugar maravilhoso! Eu estou no céu!” – falava com meus botões.
Eu nasci mais uma vez. Não sei bem ao certo se eu faço parte de Jurujuba, ou se Jurujuba faz parte de mim. Só sei, com absoluta certeza, que essa terra paradisíaca e eu somos um só.
Naquele momento, senti que Jurujuba estava me chamando. Era como se aquele paraíso maravilhoso, criado há mais de um século, tivesse sido preparado para num determinado momento se realizar um filme. O filme onde Jurujuba fosse a atriz principal e eu o coadjuvante.
O NAMORO
Todos os dias às 7:00h da manhã eu chegava no ponto final de Jurujuba. Descia do ônibus 33 em frente a fábrica, tomava um cafezinho no bar da esquina, batia o cartão na entrada e subia para o meu setor.
Trabalhava no setor da contabilidade, onde tinha uma máquina de mecanografia Audit 1513 me esperando. O meu serviço era de auxiliar de contabilidade, quando classificava os documentos, e mecanógrafo, quando lançava os documentos classificados na máquina, tirando assim o balancete mensal. Eu trabalhava diretamente com o contador Sr. Baís. Naquela época, há mais de 20 anos atrás, as máquinas de mecanografia eram como se fossem os computadores de hoje.
Apesar da minha pouca idade comecei a trabalhar muito cedo, então adquiri muita prática como operador mecanógrafo. O serviço da fábrica era pouco para mim, em quatro dias fazia todo o serviço do mês. O restante do tempo ficava na janela observando o mar e o cotidiano de Jurujuba. Numa dessas ocasiões, admirando a beleza do bairro pela janela, me encantei com a visão de uma linda morena.
A imagem da moça não saía da minha cabeça. Fiquei enfeitiçado com sua beleza, parecia uma índia. Procurei saber pelos outros quem era a morena que povoava meus sonhos à noite, me informaram que seu nome era Hedylamar. Da janela da fábrica eu ficava paquerando a minha morena. Ela passava a pé, outras vezes de moto, com seus lindos cabelos negros e compridos soltos ao vento. Foram vários dias de paquera, troca de olhares até nos conhecermos pessoalmente, cara a cara.
Hedylamar é nascida e criada em Jurujuba, a colônia de pesca. Quase toda sua família era de Jurujuba, inclusive seu avô Pedro Novaes de Miranda, conhecido como Pedrinho, foi o pescador que trouxe o primeiro barco de pesca para Jurujuba. Pedrinho colocou o nome de seu barco de Boêmio, em homenagem a música “Boêmia” de Nelson Gonçalves.
Hedylamar me apresentou a sua família. Conheci seus pais, irmãos, tios, primos… a família toda! Já não saía mais de Jurujuba, passei a fazer parte da família. Trabalhava na fábrica durante a semana e nos finais de semana Hedy e eu passávamos juntos, curtindo os encantos das praias de Adão e Eva.
Eu tinha 18 anos quando conheci Hedy e ela tinha apenas 16. Hedylamar era realmente uma “índia” muita linda, era a moça mais bonita do bairro. Naquela época, no último Concurso de Beleza do Colégio Fernandes Magalhães, Hedy ganhou o título de Miss Jurujuba.
Levei Hedy para conhecer meus tios em São Gonçalo. A paixão foi crescendo, não conseguíamos mais ficar longe um do outro. Jurujuba era nosso paraíso, vivíamos uma história de amor como no filme “A Lagoa Azul”. Nadávamos nas águas cristalinas das praias de Jurujuba, na Ilha dos Amores, na Prainha de Fora, na Dna Estréia, que ficava no Morro do Morcego. Sempre caminhávamos até a praia de Eva de mãos dadas, apreciando a paisagem. O canto dos pássaros dava a nota musical ao nosso romance. Sentados nas pedras, abraçadinhos, observávamos o trabalho dos pescadores, a pesca de arrastão nas praias de Adão e Eva. Curtíamos o verde e nos embriagávamos com o ar puro que vinha das matas ao redor das praias. Jurujuba era o nosso mundo, nossa ilha, nosso lar e nossa paixão em comum.
O CASAMENTO
Depois de seis meses de namoro, resolvemos ficar noivos para nos casar. Em Jurujuba correu tudo bem. Seus pais, dona Neide e seu Edésio, deram o maior apoio ao noivado, mas na minha casa a reação foi totalmente oposta. Meu tio esbravejou muito, disse que eu era muito jovem para me casar. Gritou alto e em bom tom que não concordava com o noivado e muito menos com o casamento.
Tio Zezeco ligou para nossa família na Bahia e comunicou aos meus tios Tuca e China a situação. Todos foram contra. Meus tios disseram que nós éramos duas crianças dependentes e que se cassássemos iríamos passar fome. Não tínhamos experiência de vida e nem meios para nos sustentar. Realmente eles tinham razão, mas estávamos muito apaixonados para desistirmos do casamento. Para se ter uma idéia, nem casa nós tínhamos. No início nós iríamos morar num quarto na casa dos meus sogros.
— Casamento não é brincadeira, meu rapaz! Vocês não passam de duas crianças! Não posso apoiar essa loucura, seria irresponsabilidade minha. - esbravejava em altos berros o tio Zezeco.
Meu tio falou na frente de Hedy que era contra o casamento. Hedylamar saiu da casa do meu tio chateada e não quis mais falar com ele. Mesmo assim, minha família sendo contra, Hedy e eu resolvemos nos casar. Fizemos uma pequena festa de noivado na casa dos pais dela, toda a família de Hedy compareceu, menos a minha. Eu dei a ela uma lindo anel solitário e marcamos a data do casamento na Igreja de São Lourenço, no Bairro do Barreto.
Para conseguir os recursos do “casório”, fiz um acordo na fábrica de sardinha e com o dinheiro da indenização, arquei com todas as despesas. Robertinho emprestou seu apartamento no Rio de Janeiro para a “Lua de mel”; o Carlinhos, que trabalhava na Procuradoria Santa Cecília, de São Gonçalo, cedeu o carro e o motorista; a galera, meus amigos de São Gonçalo, fizeram uma “vaquinha” e arrecadaram a verba para os “comes-e-bebes”. O Edmar, meu grande amigo organizou a despedida de solteiro que fizemos em São Gonçalo. O Hércules foi nosso padrinho de casamento.
Hedy e eu estávamos decididos a nos casar. Estávamos apaixonados e curtíamos cada momentos juntos. Mandamos convites para todos os nossos amigos e conhecidos, principalmente para as pessoas que a gente gostava muito. Mandamos convites também para minha tia Rosemarie e meu tio Zezeco. Não esqueci da vózinha Estela e dos meus primos, os quais sempre estiveram presentes nos melhores momentos da minha vida.
Tio Zezeco não se conformou de jeito nenhum com o casamento, ele foi o único que não compareceu a igreja. Inclusive, chegou até a comprar para mim, nas vésperas do meu casamento, uma passagem à Bahia. Tentou me convencer dizendo:
— Pode ir para a Bahia sossegado que eu resolvo tudo. Eu converso com a Hedylamar. Não se case de jeito nenhum! Isso é uma loucura nesta idade! Onde já se viu?! Eu não quero o seu mal Osvaldo, nem o mal da menina. Eu te quero muito bem, meu filho. Aliás, todos nós queremos o seu bem. Já falei com seus tios da Bahia, eles estão esperando por você. Aqui está sua passagem. Ponha a sua cabeça no lugar e não pense duas vezes. Vocês dois vão passar fome, necessidade…
Deixei meu tio falando sozinho, virei as costas e fui embora para a casa da Hedylamar.
Nós nos casamos no dia 2 de abril de 1977, na Igreja de São Lourenço, no Barreto. Ney, o tio de Hedylamar, prometeu as fotos do casamento, mas o fotógrafo, depois da igreja, sumiu com as fotos e não pudemos recordar aquele dia que foi tão importante em nossas vidas.
SÃO PEDRO - PROTETOR DOS PESCADORES RECORDAÇÕES!
Todos os anos, no dia 29 de junho, São Pedro é lembrado. O povo católico celebra nesse dia os nomes de São Pedro e São Paulo, que foram discípulos de Jesus Cristo. Jurujuba, colônia pesqueira, não se esquece dessa data tão importante, devotando sua fé e respeito a São Pedro, o Protetor dos Pescadores.
A festa de São Pedro é uma das festas mais tradicionais da Cidade de Niterói e Jurujuba é um dos bairros que faz a festa mais bonita e animada, enfeitando a festa com sua bela enseada.
Como é bom recordar! Eu me lembro, quando cheguei em Jurujuba há quase trinta anos atrás, como era a Festa de São Pedro. Hoje em dia, a festa continua muito bonita e animada, mas perdeu algumas de suas características.
A homenagem feita para São Pedro no passado, era a festa do pescador.
A festa realizava-se em um só dia, precisamente no dia 29 de junho. Era o dia inteiro. Os festejos começavam às 5:00h da manhã e estendia-se durante o dia e a noite.
Às 5:00h tinha a “Banda da Alvorada”, dona Dina preparava o café da manhã para os músicos em sua casa.
Após a alvorada começavam as brincadeiras: pau de sebo, mula cega, corrida do ovo, corrida do saco, pega porco, etc. A criançada se esbaldava!
Às 10:00h da manhã todos os barcos de Jurujuba, enfeitados pelos próprios pescadores com muita fé e amor, seguiam procissão com São Pedro pela Baía da Guanabara. Os barcos de Jurujuba que faziam a procissão eram: Ascânio, Pata Choca, Camões, Paulo Roberto, Vilar, Boêmio ( o barco do pescador Pedrinho, avô da minha esposa), Diesel, João Maurício I, II e III, sempre seguidos por diversas embarcações menores. Normalmente se encontravam no mar com outras procissões que vinham da Ilha da Conceição e Ponta da Areia. Quando as embarcações se cruzavam soltavam fogos e faziam uma grande homenagem a São Pedro.
Conceição e Pedro (o coroinha da igreja) eram os organizadores de toda a programação da Igreja de São Pedro, em Jurujuba. O Pedro é irmão de Zilinha.
Dona Neca, zeladora da igreja, mantinha a igreja sempre bem cuidada, não deixava faltar nada, cuidava de tudo nos mínimos detalhes. Depois apareciam outras pessoas para ajudar dona Neca: Sequinho, Creuza, dona Lourdes, Estela, Marildinha, Maiza, Jorge, Sandra, Luci, Tereza, Célia, Mariza, Chico, entre outros, que trabalhavam cada um em sua equipe para o melhoramento da Igreja de São Pedro, não só no dia do Padroeiro, mas todos os dias. A equipe dava estudos bíblicos e preparações para louvar o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo.
As moças da comunidade de Jurujuba angariavam prendas para a realização do leilão, que acontecia na noite da festa, e prendas para as barraquinhas. Dona Vilma era responsável e encarregada pelas prendas angariadas, acompanhava as moças por todo o percurso: da Fortaleza de Santa Cruz até Niterói. Dona Vilma também era a responsável pela arrecadação de dinheiro para a igreja de Jurujuba, a Igreja de São Pedro.
Na noite da festa, realizava-se o leilão com as prendas. Danças de quadrilhas animavam a festa, era muito lindo! Até a quadrilha de Cachoeira vinha dançar com a quadrilha de Jurujuba. Embelezava a noite uma grande fogueira preparada pelos moradores do bairro. Balões coloridos e brilhantes enfeitavam essa noite especial. Para completar a magia da festa, mágicos e barracas montadas animavam a criançada e a todos. Naquela época montavam as barraquinhas e não se pagava pelo espaço, diferente de hoje.
Antigamente, não havia luz elétrica, a festa era iluminada com tochas, dando ao ambiente um ar tropical e romântico.
Os pescadores que se empenhavam no enriquecimento e na realização da festa eram: Vivaldo, Osmar, Humberto, Movado, Vilar, Alzerino, Roberto, Valdemiro, Athayde, Osvaldo, Paulo Roberto, Edson, Louro, Djalma, Bidi, Gilson, Paulo Trezzi e Carlos Trezzi (este nome foi escolhido para representar no Espaço Cultural, na Sede da ONG DA MAÇÃ, todos os pescadores de Jurujuba, sede inaugurada no dia 29 de junho de 2003, “Dia de São Pedro” na Travessa do Chafariz, nº 55 - sobrado, com a presença do Ilustre José Fritz, Ministro da Pesca e o Prefeito Godofredo Pinto). Outros nomes faziam parte da grande lista de pescadores jurujubenses empenhados em homenagear São Pedro : Caboclo, Argemiro, Noco… e tantos outros!
A Festa de São Pedro realizada anualmente há várias décadas, hoje em dia ainda conta, entre outras atividades, com a ornamentação do andor pela comunidade, com uma alvorada festiva, com uma missa e uma procissão marítima.
Está tudo modernizado e comercial.
Durante o período das comemorações realiza-se ainda grande quermesse em que ocorrem leilões, shows artísticos em palcos iluminados, dança de quadrilhas, brincadeiras e jogos. (Não há mais tochas iluminando à noite e provocando o romantismo na festa.) As diversas barracas comercializam variadas comidas típicas, doces e bebidas. No encerramento, sempre há grande queima de fogos.
Salve São Pedro, o protetor dos pescadores!
Composição feita para fazer alvorada na festa de São Pedro em 1999
SAMBA DA ALVORADA - CARNAPEDRO
Autor : Osvaldo da Maçã e Nego Ni
Jurujuba traz uma nova atração
É o Carnapedro que chegou
Trazendo muita alegria
Fé esperança e amor
Olha lá rapaziada
Soltar balão é proibido
Bom é brincar de cabra cega e pega o porco
Que é bem mais divertido
Depois subir no pau-de-cebo
Dançar quadrilha e cair neste enredo
É neste bloco que eu vou
Pegar carona para a procissão
Sou pescador devoto de São Pedro
O protetor da nossa navegação
Erguei…
Erguei as mãos e daí a gloria a Deus
HEDYLAMAR, MINHA ETERNA PAIXÃO
Logo após o casamento ficamos morando num quarto na casa da minha sogra, mas saí correndo atrás de emprego. Não suportava lembrar a frase do tio Zezeco: “Vocês vão passar fome, necessidade…” – isso não saía da minha cabeça.
Todo mundo sabia que eu saí da Indústria de Conservas Santa Iria, apenas para levantar o dinheiro da pequena indenização que eu tinha direito para viabilizar o casamento. Pela nossa felicidade, naquela hora, eu faria qualquer coisa. Na minha mente, eu precisava da benção de Deus, concretizando nossa união nos votos da igreja, assim eu me livrava das frases pessimistas do tio Zezeco. Eu acreditava (e ainda acredito) que “o que Deus une, ninguém separa”. Queria um casamento que marcasse para sempre nossas lembranças, com direito a festa e tudo mais!
Sempre acreditei em Deus e na sua Presença. Sua Força sempre esteve viva e fiel na minha vida. Uma prova disso é que, certa vez, (morava nessa época no Rio de Janeiro) eu estava caminhando pela Praia de Botafogo e pude sentir Deus conversando comigo. Foi como se Deus tivesse contando a história do meu casamento. Ele falava à minha mente e ao meu coração que um dia eu conheceria uma mulher muito bonita, de pele morena como uma índia, e que esta mulher estava em Niterói. Cheguei , diversas vezes em oração, pedir a Ele para conhecer logo esta mulher. Essa conversa com Deus me marcou tanto, que muitas vezes refleti antes de tomar qualquer decisão. Renunciei muita coisa para não perder esse casamento e não me arrependo disso. Hedylamar é a pessoa que eu pedi a Deus. Reconheço que ela é um presente dos céus; é a mulher da minha vida.
Tive muitas mulheres; muitas namoradas, mas nenhuma delas me tocou tanto quanto Hedylamar. Ela me provocava só com o olhar. Sua pele morena, seus expressivos olhos castanhos e seu sorriso de menina faceira me faziam dançar nas estrelas. A primeira vez que nos amamos transformou minhas fantasias em realidade. Seus cabelos exalavam o perfume misterioso da noite… doce índia!
Nosso romance era abençoado pelo mar, pelas matas, pelo poder exótico e maestral de Jurujuba. Tudo estava ao nosso favor. A natureza era cúmplice da paixão que consumia meu coração. Quando estávamos juntos, o mundo parecia parar, nada existia, só nós dois e Jurujuba. Sentia como Adão e Eva no Paraíso. - “Não , não, não…” - gritava comigo mesmo - “Eu não posso perde-la de jeito nenhum!”
Por isso enfrentei minha família; meu tio Zezeco, que tanto adorava; enfrentei tudo que podia e não podia suportar para ficar com a única mulher que realmente amei.
Nunca beijei ninguém como a beijei; nunca fiz amor com ninguém como fiz com ela. Nos entendíamos sem palavras, só com o olhar. O toque de sua pele na minha faziam florescer em mim um turbilhão de emoções. Ela foi a mulher que escolhi para ser a mãe das minhas filhas; a avó da minha neta; minha esposa, companheira, amante… é ela que eu desejo que me acompanhe para o resto da minha vida.
Sou um homem sonhador, as vezes, um grande teimoso! Reconheço isso. Pelos meus sonhos eu luto, brigo, vou até o fim! Algumas vezes Hedylamar e eu nos desentendemos por causa das minhas ‘loucuras”, ela me ama tanto que não quer que eu sofra, eu sei disso. Apesar de alguns conflitos que passamos (todo o casal passa por problemas) tenho certeza que ela é minha alma gêmea.
Hedylamar eu te amo!

Osvaldo Gomes Bomfim


== Estrutura dos livros ==
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Um Sonho, um Louco e a necessidade de sonhar, SEMEANDO SONHOS APRESENTAÇÃO Certa vez, assistindo uma teleconferência do Fórum Econômico Mundial, promovido na cidade Suíça de Davos pelo Banco Mundial, experimentei uma certa dose de decepção, pois enquanto estava ávido pelas intervenções do “Guru dos gurus”, Peter Drucker; do mega-investidor Geoger Soros e de outros não menos votados no Universo corporativo como: Jack “Ge” Welch, Bill Gates, Alvim Toffler, R. Murdoch e Alan Grespann, deparei com nomes “excêntricos” e poucos afeitos ao que achava que deveria ser aquilo ali. O que poderiam contar aquela platéia, interessada nos rumos e perspectivas da globalização dos mercados, o escritor comunista português José Zaramago, a Dra. Zilda Arns, o “Mago” Paulo Coelho, um poeta japonês, um psiquiatra italiano e (pasmem!) o mímico francês Marcel Marceu, celebrizado pelo personagem Bip? Pouco importou o resultado daqueles 3 dias de conferências em circuito fechado via satélite. O que valeu foram dois pequenos insights, que por belos momentos me encheram de prazer e esperança: um era a Possibilidade/ Necessidade do Sonho; e o outro, paralelo e siamês, era a Liberdade da Loucura. Fui surpreendido ao encontrar, em meio a um ambiente tingido pelos “uniformizados” e engravatados de ternos azuis-marinhos, pequenas histórias, flashes biográficos de alguns ícones da cultura ocidental e do “capitalismo nosso de cada dia”, homens que antes de acumular fama e fortuna foram “taxados de loucos”. OSVALDO GOMES BOMFIM, o Osvaldo da Maçã

Prefácio

PREFÁCIO EXCLUSÃO SOCIAL, UMA REALIDADE BRASILEIRA. Em seu escritório, fim de mais um dia de luta, Osvaldo Gomes Bomfim, o Osvaldo da Maçã, como é mais conhecido na cidade sorriso que é Niterói, após atender ao último cliente como corretor de imóveis e de ter realizado muitos negócios de compra e vendas de imóveis e comércios, trabalhando há mais de vinte anos nesta profissão, entra em devaneios sobre seu passado de lutas e pensa nas futuras realizações de sonhos visionários. Pelo passado lembra a luta da Sra sua mãe, uma mulher guerreira que sem recursos que é obrigada a internar seus filhos, logo depois do seqüestro de seu marido e depois luta desesperadamente para comprar uma casa para reunir toda a sua família, tenta de todas as formas proporcionar uma vida mais digna aos seus filhos. Osvaldo da Maçã, que teve como avô paterno: Honorato Manoel Bonfim, médico muito conceituado, professor universitário, escritor, que serviu durante vários anos ao Estado da Bahia. Poliglota, escritor e falando dezenove idiomas, teve seus méritos por ter recepcionado chefes de Estado vindo do exterior, deixou várias obras literárias de valor inestimável. Após o falecimento de seu avô em 1950, o seu genitor Oscar da Silva Bomfim, junto com o irmão José Seraphim decidem aventurar-se ao sudeste no Rio de Janeiro e São Paulo. Oscar vai morar em São Paulo e é seqüestrado, Osvaldo e seus irmãos são completamente Excluídos da Sociedade. E é assim que se inicia a luta pela inclusão, porque não dizer esta Odisséiadeste visionário e abnegado lutador que é: Osvaldo Gomes Bomfim, o Osvaldo da Maçã, autor deste livro, que retrata uma realidade brasileira. Um parque lá na infância entra na vida do Osvaldo e quarenta anos mais tarde o parque volta na vida do nosso personagem para garantir o futuro turístico da cidade de Niterói. Vale a pena ter este primeiro livro em sua biblioteca e completando os demais volumes a serem publicados futuramente. Eu li e recomendo como lição de abnegação e luta de um sucesso próximo. Parabéns Osvaldo. Carlos Alberto B. Cunha ( Carlos kaká)


Semeando Sonhos, a história do Projeto Praia da Maçã FLASH BACK Quarta-feira 17:00 horas, um cliente acaba de sair do meu escritório. Respiro fundo, encosto minha cabeça na cadeira e olho para o teto. Viro-me para a janela e observo a chuva fina que cai lá fora, molhando a cidade de Niterói. Pego o calendário: 10 de Abril de 2013, “puxa como o tempo voa!”. Enfeitando minha mesa, estão as fotos das minhas filhas e minha neta. Sorrio. Um sorriso misto de alívio e satisfação. Meu Deus, quantos obstáculos enfrentei para chegar até aqui! Quem poderia imaginar que um menino separado da sua família aos cinco anos, criado em instituições, totalmente excluído da sociedade conseguiria vencer? Passo as mãos pela cabeça e aliso meus cabelos (os poucos que ainda me restam!). Contemplo tudo em minha volta, os objetos parecem me cumprimentar. Afundo-me cada vez mais na cadeira, fecho os olhos e mergulho nos meus devaneios. Sinto o perfume da minha mãe envolvendo a sala, as músicas preferidas do meu pai me chamando de volta à infância. Ah, minha infância… que vida! Num “flash back”, viajo ao passado. E esta é a minha história…


Semeando Sonhos, a História do Projeto Praia da Maçã

A HISTÓRIA DO PROJETO PRAIA DA MAÇÃ Capítulo 1 O COMEÇO Meu nome é Osvaldo Gomes Bomfim, nasci em São Paulo em 29 de maio de 1955. Minha história começa muito antes do meu nascimento, com a lembrança de meu avô paterno, Honorato Manoel do Bomfim. Meu avô era um médico bem conceituado, professor universitário de medicina e escritor. Serviu durante muitos anos ao governo do Estado da Bahia. Era poliglota, falava dezenove idiomas, por esse mérito recepcionava todos os chefes de Estado vindos do exterior. Ele era daquelas figuras consideradas brilhantes, deixou várias obras literárias. Seus feitos foram considerados tão grandiosos, que após seu falecimento, a casa onde morava, foi transformada no Museu de Artes da Cidade, sediado na rua principal de Feira de Santana, instituição que obviamente recebeu o seu nome. Meu avô casou duas vezes. Sua primeira esposa chamava-se Eulina da Silva Bomfim, que era de uma família tradicional portuguesa. Deste casamento nasceu um filho, Oscar Gomes Bomfim, meu pai. O segundo matrimônio foi com Lucídia Soares Bomfim. Tiveram seis filhos: José Seraphin Soares Bomfim, Antônio Carlos Soares Bomfim, Yolanda Soares Bomfim, Artur Soares Bomfim, Lenise Soares Bomfim e Honorato Manoel do Bomfim Filho. Meu Bisavô por parte do pai de mamãe chamava-se Manoel Gomes de Sá Ferraz, também foi respeitado e destaque no cenário nacional, casado com Maria Edwirges de Jesus. Tiveram seis filhos: João Gomes de Sá Ferraz, Pedro Gomes de Sá Ferraz, Antonio Gomes de Sá Ferraz, Manoel Gomes de Sá Ferraz, Constança Gomes de Sá Ferraz e Margarida Gomes de Sá Ferraz. O Bisavô por parte da mãe de mamãe chamava-se Jerônimo de Souza e Maria da Conceição de Souza. Tiveram seis filhos: Pedro Jerônimo Souza, João Jerônimo Souza, Manoel Jerônimo Souza, Maria Madalena de Souza, Ana Maria de Souza e Luiz Gomes de Souza. Do matrimônio do vovô João Gomes de Sá Ferraz e Luzia Gomes de Sá, nasceram onze filhos: Maria Gomes de Sá, Josefa Gomes de Sá, Manoel Gomes de Sá, Virginia Gomes de Sá, Maria do Carmo Gomes de Sá, Jerônimo Gomes de Sá, João Gomes de Sá, Iraci Gomes de Sá, José Gomes de Sá e Margarida Gomes de Sá, a mamãe. A AVENTURA NO RIO, MINAS GERAIS E SÃO PAULO Após o falecimento de meu avô, em 1950, meu pai e meu tio José Seraphin, fizeram um acerto com Lucídia. Receberam a parte da herança que cabia a cada um e resolveram, então, aventurar a vida no sudeste. Meu pai aquela época, já era casado com minha mãe, a pernambucana Margarida Gomes Bomfim. Partiram com a filha recém nascida, Maria José Gomes Bomfim, em direção a Minas Gerais. Lá ficaram em Teófilo Otoni , onde nasceu o segundo filho, Osmar Gomes Bomfim. Depois o casal seguiu para São Paulo, enquanto meu tio, José Seraphin, pegou o rumo do Rio de Janeiro. Em São Paulo , meus pais foram morar na Vila Alpina. Meu pai era contador, empregou-se como escriturário da Real Aerovias. Passado um ano nasceu minha irmã Luzia Gomes Bomfim, dois anos depois, em 29 de maio de 1955, eu nasci. Naquele momento nasceu comigo o estigma de um sonho, o “personagem” conhecido como “Osvaldo da Maçã”. MINHA FAMÍLIA Tinha apenas quatro anos de idade, mas lembro-me muito bem como era feliz na segurança do lar. Costumava ficar o tempo todo ao lado de minha mãe. Aonde ela fosse, eu ia atrás: no quarto, na sala, na cozinha… ah, como eu gostava de ver minha mãe no tanque lavando roupa, ouvi-la cantar suas músicas preferidas: “Trem das Onze”, “Ei, você aí, me dá um dinheiro aí!”… e tantas outras músicas alegres daquela época. Cantarolava o tempo todo, enchendo a casa de melodia: “Lá, lá,ia… lá, lá, iaaá…” Em casa, meu pai não deixava faltar nada, comprava sacos de 60 quilos de arroz, feijão, leite em pó, etc. Era um homem trabalhador, muito dedicado a família. Um marido querido, um pai amoroso. Gostava de nos ensinar brincando… que saudades! Umas das lembranças mais viva em mim era a paixão do meu pai por livros e música. Era um homem muito politizado, sem ser filiado a nenhum tipo de movimento ou partido político. Vivia dizendo que o nosso país “era governado por políticos corruptos e sacanas”. Para meu pai, os governantes eram “todos ladrões!” “Não podemos cruzar os braços. Alguma coisa precisa ser feita, para termos uma sociedade mais justa e solidária!” – e era isso que ele fazia. Não se calava diante dos erros. Gostava muito de escrever diariamente, às vezes, escrevia de dia ou à noite, para jornais e revistas. Mandava notinhas expressando suas idéias e pensamentos sobre as tomadas de decisões dos governantes. Meu pai tocava piano. Era amante da boa música, principalmente, clássicos. Gostava de ouvir as músicas e noticiários na rádio, tinha uma coleção de discos de ópera. Para meu pai, livros e discos eram sagrados. Seus preferidos eram: Bethoven, Tchaykovysk, Chopin, e outros. Quando meu pai estava escutando um conserto, dizia: “Você precisa sentir a música, deixá-la tocar seu interior e distinguir cada instrumento tocado”. Num certo Natal, em mil novecentos e alguma coisa… (não me lembro muito bem da data), ganhei dele um trenzinho elétrico. Foi a maior alegria! Brincávamos juntos, no chão da sala, o tempo todo. Meu pai fazia com a boca barulhos engraçados imitando um trem. Meu pai me trazia segurança, esse sentimento era tão forte, tão real que acreditava que nada de ruim pudesse acontecer comigo. Ninguém roubaria de mim a minha família, o meu “mundo feliz”, mas… o destino brincou: eu me enganei. O SEQUESTRO DO MEU PAI Certo dia, estava em casa sozinho com meu pai, minha mãe tinha saído com meus irmãos. De repente ouvi gritos, porta batendo. Fiquei temeroso. Homens desconhecidos, fardados, invadiram nossa casa. Vi quando bateram no meu pai. Estavam furiosos: xingavam, chutavam… não pude fazer nada, o que eu poderia fazer? Era apenas um menino de quase cinco anos. Tive tanto medo! Tentei me esconder… só tinha um jeito: correr para rua! Havia um buraco, que a prefeitura tinha aberto para colocar canos d’água. Não pensei duas vezes, corri e entrei na vala. Permaneci dentro do buraco, só com a cabecinha de fora, escondido. Não gritei, fiquei calado porque achava que eles podiam me pegar também. Vi quando colocaram meu pai num carro e o levaram embora. Naquele momento senti meu mundo se desmoronar, estava sozinho, sem saber o que fazer. Senti-me perdido no meio do nada. Dali pra frente, minha vida e da minha família se transformou radicalmente. Quando minha mãe chegou em casa e perguntou pelo meu pai, no meu desespero me atropelei nas palavras. Contei o que tinha visto. Ela também ficou desesperada. Os dias e meses se passaram, não tivemos nenhuma notícia sobre ele. Naquela altura, minha mãe com cinco filhos para criar, a comida começando a faltar, contas e mais contas… a coitada não sabia o que fazer. Hoje fico imaginando o drama interno que minha mãe passou naquele momento. Não tinha nenhuma condição de nos manter, a única alternativa era internar os filhos em instituições e começar a trabalhar como doméstica.


Capítulo 2 

UM MENINO EXCLUÍDO DA SOCIEDADE A CASA DA CRIANÇA Em vinte e sete de dezembro de 1960, já com cinco anos, fui completamente excluído da sociedade. Internaram-me na Casa da Criança (hoje, conforme me informei, Casa da Infância), pertencente a uma entidade da Liga das Senhoras Católicas. – naquela época, situava-se na Travessa Maria Figueiredo, na Avenida Paulista – Centro – São Paulo. – Tel. (011) 3873-2911. RELATORIO SOCIAL SUMÁRIO DE TRANSFERÊNCIA I – IDENTIFICAÇÃO: Pt. 51.302 Processo assistido MENOR: OSVALDO GOMES BOMFIM, 5 anos, branco, sexo masculino, nascido no Hospital São Paulo, Capital, registrado no Cartório de Vila Prudente, batizado, internado neste S.A.T. em 27-12-60. FILIAÇÃO: Pai:- Oscar Silva Bomfim, 35 anos, casado, brasileiro, natural da Bahia, casado no civil e religioso com a mãe dos menores, era escriturário da Real Aerovias, porém abandonou o emprego e está em local ignorado. Mãe Margarida Gomes Bomfim , 30 anos, branca natural de Pernambuco, doméstica atualmente desempregada. IRMÃOS: 1)Maria José Gomes Bomfim, 10 anos, registrada, está no 3° ano primário, atualmente na companhia da mãe. 2)Osmar Gomes Bomfim, 8 anos, sexo masculino, branco, registrado no Cartório do 37° Subdistrito de Vila Maria n° 16.993, fls. 95 Livro A-03. 3)Luiza Gomes Bomfim, 6 anos, registrada internada no I.A.D., na rua Tamandaré. 4)Maria Aparecida Gomes Bomfim, 1 ano registrada, atualmente com a mãe. II-Resumo Do Estudo Do Caso : a)SOCIAL: Trata-se do menor internado através do plantão S.S.M. neste S.A.T., Casa da criança em 27-12-60, em virtude da desagregação da família motivada pelo abandono do pai. Segundo consta do relatório da Assistente Social de plantão Da. Margarida abandonada pelo marido, que sofre das faculdades mentais viu-se forçada a deixar seus filhos com famílias conhecidas. Recorreu ao S.S.M. para solicitar ajuda financeira, o que foi concedido. Foi realizada visita domiciliar na qual constatou-se a veracidade da situação. II-RESUMO DO ESTUDO DO CASO a)SOCIAL: Nesta ocasião combinou-se que os menores continuariam com as famílias até acertar um tratamento mais adequado ao caso. Verificou-se que Da. Margarida é mãe compenetrada de sua responsabilidade, interessando-se pela sorte dos filhos. Em 26-12-60, Da. Margarida retornou ao plantão acompanhada de todos os seus filhos. Achava-se em situação precária pois, as famílias devolveram seus filhos, alegando não poderem mais continuar com os mesmos. Solicitou a internação dos menores comunicando que ficará com Maria Aparecida no emprego, pois seus patrões permitem. Por outro lado, a interessada acha que não poderá continuar no emprego onde tem encontrado dificuldades muito grandes. Em virtude da situação o encarregado do plantão deu parecer favorável a internação dos menores Osmar, Luiza e Osvaldo, tendo em vista a impossibilidade da mãe tê-los junto a si por enquanto. Em 27-12-60 os menores Osvaldo, Osmar e Luiza foram internados respectivamente no S.A.T., Casa da Criança, S.A.T. pavilhão II o Instituto de Aprendizado Doméstico. Neste S.A.T., a mãe compareceu para visitar os menores, comunicando que havia saído do emprego e que no momento não está em condições de desinternar as crianças. CLÍNICO : O menor apresenta mucoses descoradas, tomando ferruginose, teve parotidite epidérmica. III – PARECER: Diante dos dados expostos, somos pela transferência do menor para a “CASA DE PERMANÊNCIA DA RUA MARIA FIGUEIREDO” … onde aguardará desinternação tão logo seja possível. São Paulo, 28 de março de 1961 ________________ ________________ Assistente Social Médico Nos primeiros dias de interno, chorava muito. Não me conformava com a situação. A falta da minha família, principalmente de minha mãe, me consumia por dentro, pouco a pouco, fui me definhando. A lembrança de meu pai sendo levado por homens estranhos, não saía da minha cabeça e, até hoje, carrego essa imagem comigo. Sentia-me deprimido e temeroso, nem sabia se ele estava vivo. Mais tarde soube o motivo da sua prisão, como veremos nas próximas páginas deste livro. Meus irmãos, Luzia e Osmar, também penaram e pagaram um preço muito alto, com a “perda” do chefe da família. Luzia com seis anos, foi internada no Instituto de Aprendizado Doméstico (IAD), situado na Rua Tamandaré. O Osmar com oito anos, foi encaminhado para o Educandário Dom Duarte (EDD). Minhas irmãs Maria José, com 10 anos, e Maria Aparecida, com 1 ano iam ficar por enquanto com minha mãe. Fiquei doente, estava muito triste. Não comia direito, peguei sarna, tive que operar as amídalas. Vivia na enfermaria cheio de pomada branca, deitado no beliche. Chorava muito com saudade dos meus pais. Então, Deus sentiu piedade de mim e colocou no meu caminho um anjo. Esse anjo, em forma de mulher, era uma senhora muito bondosa, Dona Açucena, uma espécie de “mãe de todos”. Muito carinhosa e atenciosa, conquistou minha confiança e meu respeito. Meu apego a ela fez com que eu conseguisse me adaptar ao meu novo lar. Fui me acostumando, fiz amizade com outras crianças que se encontravam na mesma situação que a minha. Meus melhores amiguinhos eram: Silas, Mário Lúcio, Rusti e Robseque. Havia também um homem chamado Cláudio, que parecia mais um chefe de escoteiro. De vez em quando, ele aparecia na Casa da Criança para distrair a criançada. Fazia mágicas, contava histórias e brincava com a gente. Nos nossos encontros sempre levava diversos bichos, mostrava como se defender e até mesmo pegá-los, um desses bichos era a aranha caranguejeira (daquelas bem grandes!). Nos ensinou também como se defender do bote das cobras venenosas. Mas o que eu gostava mesmo era das suas histórias, cada uma de dar medo! Às vezes apagava a luz do quarto, batia com madeira no chão, pra fazer o “toque-toque” do pica-pau, os gritos tornavam as histórias mais reais. Cláudio sabia ensinar, ensinava brincando. Fiquei maravilhado quando descobri que o pica-pau consegue dar cem bicadas na árvore por um minuto! – “Puxa!” Nosso amigo Cláudio levava também as crianças para fazer caminhadas ecológicas, ensinava tudo sobre sobrevivência na floresta. Dizia que a raiz do sapê dava um bom caldo de cana e algumas árvores tinham os galhos doces. Chegamos a chupar muitos galhinhos doces. Ele nos ensinou a adotar e plantar árvores, colher os frutos, plantar e colher verduras, legumes, etc. Cláudio nos dizia que era preciso aprender a trabalhar com a terra, a plantar e lidar com os animais; um dia, dependeríamos deles para sobreviver. O cultivo da terra é a sobrevivência do homem. Seus ensinamentos fizeram de mim o ambientalista que hoje eu sou. Permaneci quatro anos na Casa da Criança, não me lembro, durante esse período, ter recebido visita de algum parente. Esperava ansiosamente em vão. Não via minha mãe e nem meus irmãos, muito menos, tinha notícias de meu pai. Estava com sete pra oito anos, crianças dessa idade não ficavam na Casa da Criança. Meus dias de tranqüilidade estavam chegando ao fim. Em vinte e três de fevereiro de mil novecentos e sessenta e quatro, fui transferido com outros internos para o Educandário Dom Duarte, onde meu irmão Osmar já se encontrava. O EDD situava-se, naquela época, na Estrada Velha da Cutia, Km 16 – São Paulo – Tel.: (011) 3782-0773. RELATÓRIO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E UMA PARA A FICHA MÉDICA – OSVALDO) Capítulo 3 NO EDUCANDÁRIO DOM DUARTE REGULAMENTOS – ALIMENTAÇÃO Só os filmes “Um Sonho de Liberdade” e “Alcatraz”, poderiam dizer o que eu passei no Educandário Dom Duarte. Distante quarenta minutos do Centro de Pinheiros, em São Paulo , o lugar era um tipo de penitenciária: muros altos, com mais ou menos três metros de altura; guarita; funcionários “linha dura” e, lá dentro, 25 pavilhões. Cada Pavilhão tinha um casal que tomava conta de aproximadamente 50 crianças. O regulamento interno estabelecia: visita dos parentes uma vez por mês, levantar cinco horas da manhã, arrumar a cama, tomar banho gelado, depois descer em fila para o refeitório. Após o café o trabalho era duro: enxada, enxadão, foice e picareta. Às 12:00h, era servido o almoço no refeitório; na parte da tarde tínhamos aulas com os professores na sala e nas oficinas de aprendizagem no Grupo Escolar Rural do EDD. As 18:00h, o jantar era servido; as 20:00h, alojamento, todo mundo na cama! Os sapos e rãs faziam o som noturno. Os internos com um bom comportamento, tinham o direito à missa e a recreação geral no domingo com piscina, futebol e cinema. Quem cometesse alguma infração, durante a semana, perdia o direito das visitas e das recreações dos domingos por período indeterminado. Os castigos variavam: ajoelhar no milho, palmatórias, surras com porretes de madeira no lombo, vara de marmelo nas pernas, etc. Uma desobediência considerada mais grave, levava os internos para a solitária. A solitária era um porão escuro que ficava em baixo do cinema: chão de terra, grades e muito rato! Foram inúmeras vezes que estive na solitária. Quando ficava na solitária, meditava sobre minha vida, a tristeza batia e tentava afugentá-la cantando. Para não ficar mais desesperado inventava histórias pra mim mesmo e para os ratos, que me faziam companhia. Dormia tenso, com um olho aberto e o outro fechado, com medo que um rato pulasse em cima de mim, ou algo parecido. E barata? Ah, essas existiam aos montes! Faziam a festa naquele chão úmido. Como a solitária ficava num porão de baixo do cinema, dava para ouvir o som dos filmes, fechava os olhos e imaginava as cenas. Ali sozinho, deitado abandonado no chão de terra (não tinha cama, nem cochonete), construía meu mundo de sonhos e possibilidades. Que garantias têm uma criança excluída da sociedade, distante do mundo, isolada de tudo e todos, vencer na vida? Hoje, refletindo em tudo o que passei até chegar onde estou, vejo que na verdade, nunca estive sozinho. Mesmo naquela solitária fria, escura e úmida; sem vida, luz e calor humano, não me encontrava só. Uma Força Superior me acompanhava, me protegia, me energizava. Por isso nunca percam a fé, de um jeito ou de outro, coisas boas acontecem. Eu acreditava nisso. Sonhar é extremamente necessário, é o curativo para dor da alma; sem esperanças o desespero vem e acaba nos consumindo, pouco a pouco. Os motivos que levavam os internos à solitária, ou receberem outros castigos, variavam: o não cumprimento dos trabalhos na enxada; não executar as tarefas no seu pavilhão e na oficina; desacato as ordens dos monitores e chefes de pavilhões. Brigas, falar palavrões ou roubos, também eram razões de severos castigos. A alimentação era muito ruim. A lei do mais forte imperava, o chefe do pavilhão tirava o melhor para si e o resto ficava na disputa dos internos menores. Eu e meu amigo Silas, que foi transferido da Casa da Criança para o EDD comigo, éramos voluntários. Sempre fazíamos o transporte da comida em padiolas pesadas do pavilhão 25 (pavilhão cozinha) para o nosso pavilhão. No meio do caminho, a gente entrava no mato, abria as panelas e enchia a barriga. Depois seguíamos para o nosso avilhão. Certa vez, soube que um juiz ia visitar o Educandário e fazer uma vistoria, devido à denúncia de maus tratos. Juntei uns colegas e fizemos uma composição musical, depois a gente distribuiu entre os internos e ensaiamos pra fazer bonito no dia da visita. Quando o juiz do Juizado de Menores chegou no nosso pavilhão (pavilhão 12), todos cantaram: Oh! Seu Juiz tenha compaixão Tire os menores desta prisão, Estamos todos de amarelão, Lavando roupa de pé no chão. Lá vem a bóia da macacada, Arroz queimado, feijão sem sal E mais a traz vem à batatinha Que parece chumbo de matar rolinha E depois vem o macarrão Que parece cola de colar balão E mais a trás vem à sobremesa Bananas podres em cima da mesa. Nosso “grito de ajuda” valeu a pena, a cara do diretor quando os internos começaram a cantar caiu no chão. O Juiz de Menores, pareceu ter gostado da música, com ar sorridente pediu a letra e disse ao diretor que era uma bela canção. A composição não agradou muito o diretor, por causa da proeza meu castigo foi duro: apanhei “pra burro”, peguei cinco dias na solitária, além de perder, por três meses o direito de receber visitas. Quando estava no EDD, “apareceu” por lá, uma “tal”de febre amarela. Muitos internos adoeceram e outros morreram. Vieram de fora médicos e enfermeiras, umas até bonitas. Nesta mesma época inventei uma dor na barriga, só para ser tratado pela enfermeira. Felizmente a febre amarela não me pegou. Por outro lado, fiquei muito preocupado com meus amigos e, principalmente, com meu irmão Osmar. Depois chegou a vacina e os internos foram vacinados; a fase passou e tudo voltou ao normal, inclusive a rotina. O MEU PAVILHÃO – PAVILHÃO 12 O pavilhão que eu morava, tinha aproximadamente 50 internos, o monitor do meu pavilhão era o mais temido de todos os pavilhões. Possuía fama de carrasco e tinha a mão pesada. Morava no Educandário Dom Duarte com sua mulher (poucas foram as vezes que ela apareceu para ver os internos). Tudo para o monitor era na “base da porrada”, uma maneira covarde de agir com os internos. Para ele qualquer coisinha era motivo de castigos. Sempre andava no pavilhão com um porrete na mão, qualquer coisa que acontecia para tirar sua paciência, não pensava duas vezes: porrada! Como não trocavam os monitores de pavilhões, meus colegas e eu rezávamos todos os dias para ele morrer. Um dia voltávamos da roça com o monitor que, passando pelo um riacho, contraiu uma doença transmitida por um caramujo. Ficou magro, “pele e osso”; quase morreu. Todos os internos do pavilhão, inclusive eu, ficamos na torcida pra ele morrer logo, mas a praga do homem sobreviveu à doença e se recuperou. Hoje, analiso o fato e penso que foi obra de Deus. Quando o monitor ficou bom da doença se transformou. Era outro homem. Ficou mais humano, aprendeu a conversar em vez de bater. Passou a andar com sua esposa pelo salão e juntos conversavam com a gente. A mulher dele agradeceu a todos os internos que tinham rezado por ele. Não pude conter a gargalhada… brincadeira! Quando estava no pavilhão ficava sempre com minha turma, principalmente com meus amigos fiéis. A gente ficava de fora das partidas de futebol, destacados dos tumultos, sempre observando tudo, como se estivesse passando um filme. Participei poucas vezes dos jogos de futebol, gostava mais de correr, nadar na piscina, saltar à distância, caçar, atirar com estilingue (atiradeira), brincar de índio com arco e flecha na mão. As nossas melhores distrações eram as brincadeiras de índio. A gente fazia oca de bambus , folhas de bananeiras e galhos de árvores. Pintávamos a cara e formávamos grupos, para dizer que eram tribos diferentes. As “armas”eram arcos e flechas improvisados. As lanças eram feitas de bambus, caniço de pescar. A gente caçava, pescava e travava batalhas: uma “tribo” contra outra. As brigas sempre eram corporais. Uma vez, briguei (numa daquelas batalhas das tribos) e encarei um garoto mais forte do meu pavilhão, dei sorte, ele dava dois de mim. Acertei um soco no meio da cara dele e… pronto! Foi a nocaute! Assim, todos passaram a me respeitar ainda mais. Foi minha primeira briga… e a última. “Nossa tribo” fazia caminhada pelas matas e caçadas pelas florestas, subíamos nas árvores como se fossemos macacos. As matas fechadas do educandário tinham muitos bichos. Cobras e aranhas não faltavam! O bicho mais temido era a jaguatirica, costumava ficar em cima das bananeiras. Quando estávamos trabalhando na enxada ou roçando o mato, a jaguatirica aparecia pra assustar. Foi trabalhando no laranjal, que eu presenciei quando um colega foi picado por uma cobra, ainda com a enxada na mão, ele ficou tremendo e piscando os olhos. Ouvi o grito, corri em sua direção. Ao chegar perto para socorrê-lo, vi uma enorme cobra, estava nos pés do garoto. A cobra me atacou, deu um bote, pulei e corri pra pegar um galho com uma forca. O garoto continuava tremendo. Naquela hora, lembrei-me dos ensinamentos do escoteiro da Casa da Criança, nosso amigo Cláudio e, agindo com técnica, pude prender a cobra e salvar a vida do meu companheiro. Ao cair da noite, fui dormir ao som dos sapos e rãs, fiquei meditando sobre o fato acontecido. Muitas vezes ao levantar, quando ia calçar os sapatos, encontrava dentro deles uma enorme aranha caranguejeira. O Educandário Dom Duarte ficava afastado da cidade, isolado no meio do mato. Capítulo 4 AS VISITAS – UMA MULHER GUERREIRA Somente depois que fui para o Educandário Dom Duarte, passei a receber visitas de minha mãe. As visitas eram apenas nos domingos, uma vez por mês. Os internos de bom comportamento tinham o direito a uma visita mensal, no horário das 14:00h às 16:00h. Na Casa da Criança não me lembro de nenhuma visita, eu era muito pequeno. Com as visitas, veio a esperança. Quando vi minha mãe pela primeira vez, depois de muitos anos, não contive minha emoção. Abracei-a bem forte, por um bom tempo. Queria sentir seu calor; seu perfume. Sua presença me mostrou o que significava ter uma mãe. Estudei cada traço do seu rosto, detive-me no seu olhar… triste, mas profundo! Entreguei-me aos seus beijos, carinhos, ao seu colo maternal sem nenhuma vergonha. Estava vivendo um sonho. As crianças excluídas da sociedade, são muito carentes. Carentes de tudo! Sentem demais a falta de uma mãe, da família. Na primeira visita, passei o tempo todo chorando, quase não conseguia falar. Pedia, implorava entre lágrimas e soluços pra voltar a morar com ela. Eu queria sair do Educandário de qualquer jeito, minha mãe era a única esperança. Ela me examinou, me olhou… abraçou-me bem forte e disse: “Um dia meu filho, eu vou reunir todos vocês de novo. Vou comprar uma casa. Com fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida , nós vamos sair dessa.” Nessa visita minha mãe mostrou fotos da família e me deu um retratinho 3x4 da minha irmã Luzia. Eu queria saber tudo sobre meus irmãos; meu pai, onde e como ele estava; queria saber sobre minha mãe. Mas, o tempo de visita era curto, não dava para resumir tantos anos de separação em apenas duas horas. Quando começamos a conversar, depois das lágrimas, abraços e promessas, veio a campainha e acabou o tempo da visita. Com as outras visitas, capítulos por capítulos, fui aprendendo a conhecer a minha mãe. Sua luta, coragem e força de vontade fizeram dela meu maior orgulho. Não era simplesmente minha mãe que ia me visitar, era a mulher-guerreira. Sua força me energizou. Ela me contou tudo o que tinha acontecido com meu pai. No Relatório da Assistência Social está registrado que meu pai tinha “abandonado o emprego e a família por sofrer das faculdades mentais”, isso não era verdade. Depois do seqüestro dele a coitada ficou sem nenhum tostão, sem moradia ou condições para se sustentar com os cinco filhos. Sem casa, pedindo esmolas de porta em porta e passando muita fome, conseguiu, depois de muito custo um emprego de doméstica. Minha mãe viu-se forçada a nos deixar com famílias conhecidas, mas as famílias nos devolveram, alegando não poderem mais continuar nos sustentando. Perdeu o emprego como doméstica e no seu desespero não viu solução melhor, foi forçada a nos internar em instituições. Continuou com minha irmã mais velha, Maria José, e com a minha irmã mais nova, Aparecida, com apenas 1 ano. Depois a situação foi apertando mais e foi obrigada, pelas dificuldades, a mandar minha irmã mais velha, Maria José, ao Rio de Janeiro para casa do meu tio Zezeco, que se dispôs a cuidar dela. Dois anos depois do seqüestro de meu pai, minha mãe conseguiu localizá-lo num Hospital Psiquiátrico. Ele estava magro, todo sujo; cheio de marcas pelo corpo e sedado. Minha mãe passou a visitá-lo constantemente, ficava ao seu lado, conversavam e saíam para passear. Conforme ela, mantinham relações como um casal normal. Então, percebi que meu pai não era nenhum louco, era normal. Apenas falava o que pensava, não tinha medo de nada e de ninguém. Continuava falando o que falava antes. O sofrimento causado pelas torturas não mudou suas idéias a respeito do governo. Para ele nosso país era governado por “corruptos e sacanas”; não existia uma filosofia de responsabilidade social; eram todos ladrões. Acreditava que algo deveria ser feito para reverter o quadro de instabilidade econômica e social; lutava por uma sociedade mais justa e solidária. Ainda escrevia e lia muito. Nada tinha mudado nesse respeito, nem a sua paixão pela música. Minha mãe levava discos de óperas, livros, jornais e revistas velhas em todas as visitas. Tudo que meu pai falava ou escrevia era taxado de louco. Anos mais tarde, com a ajuda de tio Zezeco, minha mãe conseguiu transferi-lo para uma clínica no Rio de Janeiro. Aquela mulher guerreira, continuou trabalhando como doméstica e não deixava de visitar os filhos no orfanato. Minha mãe teve mais um filho, Tadeu Gomes Bomfim, “resultado” das visitas feitas ao meu pai no hospital psiquiátrico. Foi trabalhando como doméstica, na Vila Alpina, que minha mãe teve uma oportunidade. Viveu um bom tempo de favor num quarto na casa da sua patroa, D. Efigênia, uma senhora muito bondosa que motivou minha mãe a melhorar de vida. Dona Efigênia ajudou-a criar Maria Aparecida e Tadeu, meus irmãos menores. Movida pela vontade de vencer e incentivada pela patroa, minha mãe foi à luta para conseguir um emprego na indústria, melhorar seu salário para realizar seu sonho: a casa própria. Até que a sorte bateu na sua porta. Mamãe foi trabalhar nas Linhas Correntes, como só tinha o primário, pegou o cargo de faxineira, mas mesmo assim o seu salário dobrou. Nas Linhas Correntes, suas amigas souberam do seu drama e da luta que enfrentava para reunir novamente toda família. Resolveram então, ajudar no que podiam. Era o Espírito de Solidariedade . As amigas, mesmo num cargo baixo como faxineiras numa indústria, demonstravam humanidade, expressavam sentimento de bondade. Sentimento esse tão esquecido no mundo em que vivemos. As colegas de trabalho doavam suas refeições para minha mãe levar para casa e dividir com os filhos menores. Assim o tempo foi passando, as visitas aos filhos nas instituições continuavam. O trabalho na faxina da indústria, horário noturno, era duro e fazia de minha mãe uma heroína. Mamãe tinha uma irmã muito religiosa que também tinha vindo de Pernambuco e morava em Mauá, SP. Chamava-se Virgínia Gomes Trindade, casou-se com um comerciante chamado José Trindade. Tinham cinco filhos. O filho mais velho era o João, empresário bem sucedido. João sensibilizou-se com o drama e o sonho de minha mãe em ter sua casa própria. Então, emprestou-lhe o dinheiro para comprar uma casa próxima de Virgínia, na cidade de Mauá. Assim que ela comprou a casa, trouxe de volta meu pai e minha irmã mais velha Maria José. O sonho dela estava se tornando realidade. Maria José ficava com Tadeu e Aparecida para que mamãe pudesse trabalhar. Meu pai ficava em casa escrevendo, lendo e ouvindo ópera dia e noite. Minha mãe fazia horas extras na “Linhas Correntes” para melhorar o salário. Em casa, panelas quase sempre vazias; um ovo dividido para quatro. Ela trazia o bife que era servido nas refeições da indústria e dividia a mistura entre os filhos e o marido. As frutas, vinham do final da feira. Nos finais de semana, quando acabava a feira do bairro, minha mãe e irmãos, catavam no chão, tudo o que era aproveitável e levavam pra casa. Meu pai era um homem muito falante, conversava e dava atenção pra todo mundo na rua, por isso a vizinhança o adorava. Falava sobre tudo; qualquer assunto era com ele mesmo: música, arte, política… ele era o “tal”. No final do papo, sempre pedia dinheiro ou cigarro às pessoas que conversavam com ele. Bebia muito café e fumava o tempo inteiro. Outra coisa que ele adorava fazer era criar passarinhos. Tinha canário da terra, curió, bigodinho, canário belga entre outros. Andava pelo bairro com a gaiola na mão, vivia fazendo trocas e ganhava uns “trocadilhos”. Certa vez ele trocou alguns passarinhos por rádios e relógios. Durante os quatros anos que vivi no Educandário D. Duarte, recebi poucas visitas da minha mãe, isso pode ser facilmente verificado nas folhas de visitas do educandário. Minha mãe era pobre, não tinha muitas vezes o dinheiro da passagem para visitar o Oscar, Luzia e eu. Tia Virgínia, de vez em quando, emprestava o dinheiro da passagem para ela.

Capítulo 5 PAVILHÃO 24 Cada pavilhão tinha um “cacique” que era respeitado por todos. No pavilhão 24, ficava o “cacique” geral dos internos, o Rochinha. Ele era o mais temido, todos o respeitavam. Meu irmão mais velho, Osmar, estava no pavilhão 24 e era o braço direito do Rochinha. Quando fui transferido da Casa da Criança para o Educandário Dom Duarte, o Osmar já sabia. Tinha conhecimento do dia e da hora. Osmar e Rochinha mandaram uma mensagem aos 25 pavilhões: “Ai de quem mexer com o Osvaldo, ninguém toca nele!”. No momento que cheguei no educandário, meu irmão me recebeu, ficou muito feliz, fazia muitos anos que não nos víamos. Eu pedi aos dois cobertura para meus inseparáveis amigos: Silas, Mario Lucio, Rusti e Robseque. A ESTRATÉGIA DE FUGA O tempo foi passando, revistas e livros mostravam que existia outro mundo e a curiosidade em conhecer o lado de fora era cada vez maior. Sonhava em conhecer o que tinha do outro lado daquele muro tão alto. Começava a pensar em garotas bonitas… beijar na boca, namorar. Só tinha homens no educandário, eu ficava louco! Comecei a viajar nas minhas fantasias. Sonhava com bailes, festas e pensava nas músicas. Adorava compor músicas, escrever… quem sabe, do lado de fora eu teria alguma chance? – pensava. Ficava só pensando no gostinho da liberdade… sentia a necessidade de ser livre! Foi aí que eu comecei a estudar uma maneira de fugir. Não seria fácil, os muros e portões eram bem vigiados. Os monitores estavam sempre de olho na gente, não davam uma folga. Queria sair de lá, desejava um mundo melhor do que aquele. Finalmente, uma oportunidade surgiu: o aluno que tivesse bom comportamento, se destacasse nas notas e fosse o primeiro colocado do educandário, receberia uma bolsa de estudos para estudar fora, no Colégio Machado de Assis, em Pinheiros. Esta era a minha oportunidade, a única esperança. Tracei um plano, fiz minha estratégia, segui até o fim. Acreditei em mim, falava com meus botões: “Sou capaz de ser o primeiro lugar dos 1.250 alunos internos, vou vencer!”. – Confiava em mim, tinha certeza que podia ganhar. Meu desafio era vencer ou vencer; ganhar ou ganhar ( no meu dicionário não existe a palavra derrota ). Determinei minha primeira meta: “Até o final do ano estarei fora do educandário!” Para conseguir o primeiro lugar passei a me dedicar intensamente, dia e noite, metendo a cara nos cadernos e livros. Era estudar, estudar, estudar… “Estarei do lado de fora no final do ano, pô!”- dizia aos meus colegas. Mas todos falavam que eu estava louco, era impossível ser o primeiro da turma. Outros internos tinham regalias e não trabalhavam, só estudavam. Eu tinha tarefas, trabalho na roça. Trabalhava muito na enxada, na horta e o meu tempo era escasso. Para completar, os internos tinham que ir a missa todos os domingos e eu era o coroinha. Naquela mesma época, fui obrigado a participar de um curso de formação de acólitos (um curso para ser padre). Além das matérias do colégio, ainda tirava um tempo para estudos religiosos. Eu dormia numa cama que ficava num lugar privilegiado, na janela. A lua, minha cúmplice, iluminava minha cama. Muitas vezes ela iluminou meus livros, cadernos e, principalmente, minha mente. A lua foi minha fonte de inspiração, minha companheira e amiga… minha confidente! Testemunhou meus sonhos e minha vontade de vencer… de ser livre! Estava quase chegando o final do ano, me formei em acólito na igreja do educandário e recebi o diploma de ajudante de padre. Depois ajudei a missa e fui homenageado na igreja. Em seguida terminei o primário (4ª série) no Grupo Escolar Rural do Educandário Dom Duarte. No mês seguinte, o diretor trouxe um homem generoso, um comerciante da cidade para apadrinhar o aluno vencedor. O iluminado senhor, José Silva, o dono das Casas José Silva, apertou minha mão no final daquele ano e declarou: “Parabéns Osvaldo, você foi agraciado, ganhou a bolsa de estudos e vai estudar no Colégio Machado de Assis, em Pinheiros.” – Ganhei também uma merendeira, roupas, sapatos novos e um uniforme do colégio. O diretor reuniu todos os internos para anunciar o resultado, mas não podia imaginar que naquele momento, estava também me premiando com a liberdade. Na verdade, a bolsa de estudos era o que menos me interessava. O que eu queria mesmo era voltar pra casa, meu sonhado lar! PRIMEIRA FUGA: SEM SUCESSO Assim que pude respirar o ar da liberdade, no primeiro dia de aula no Colégio Machado de Assis, as crianças me olhavam de maneira diferente. No começo eu senti o peso da indiferença e do preconceito, sabiam que eu era pobre, do educandário e tinha ganhado a bolsa de estudos, mais uma vez me senti excluído. Aos poucos os garotos começaram a me procurar, tentava me agradar e oferecer as coisas. Eu tinha vergonha e recusava. Depois fui fazendo amizade e me acostumando. Na primeira tentativa de fuga, saí do Colégio Machado de Assis, com o endereço da minha mãe guardado no bolso. Peguei o ônibus para São Paulo. Quando já estava bem longe, dentro do ônibus que eu me encontrava, tinham dois monitores do educandário… que azar! Eles me reconheceram e perguntaram para onde ia. Tentei fugir pela tangente, inventei uma história. Disse que estava distraído no ponto e tinha pegado o ônibus errado. Mas a história não colou. Eles me pegaram e me levaram de volta para o educandário. Lá tive que explicar tudo direitinho. Fiquei de castigo e apanhei para não errar mais o caminho. SEGUNDA FUGA: O PARQUE ENTRA NA VIDA DE OSVALDO Aos 14 anos de idade, fugi pela segunda e última vez do Educandário Dom Duarte para nunca mais voltar. Fui parar na Vila Alpina, no endereço onde minha mãe me disse que morava. Lá chegando procurei e encontrei a casa onde minha mãe morou, mas ela tinha se mudado para outro bairro e ninguém sabia informar aonde. Fiquei perdido, perambulando pelo bairro da Vila Alpina, quando me deparei com um grande Parque de Diversões com circo e tudo! Puxa! Nunca tinha visto tanta gente alegre e bonita. Era tudo colorido, brilhante. Permaneci acampado no parque quase dois meses, pedindo esmolas, comida… o que viesse era lucro! Estava livre! Fui ficando pelo parque. O que não faltava era maçã do amor, pipoca, cocada e doces diversos envolvidos pelo brilho das luzes da Roda Gigante, do carrossel e outros brinquedos. As atrações do circo me fascinavam: vários palhaços, homens engoledores de fogo, malabaristas, mágicos, equilibrista, etc. O que chamava mais a atenção de todos era o Trem Fantasma e a Montanha Russa. Fiquei encantado com o parque, nunca tinha conhecido nada igual. Foi um momento de curtição, de sonho. Era hora de aproveitar e viver com intensidade aquela chance que a vida me oferecia, afinal de contas, estava livre num mundo de cores, fantasia e beleza. Estava vivendo um sonho… perdido naquele mundo encantado! Perdido… mas mesmo perdido, naquele instante, eu me encontrei. Senti ser plantada em mim a semente de um sonho que hoje, passados tantos anos, está crescendo e florindo. Estava vivendo os melhores dias da minha vida, porém a realidade foi mostrando a sua cara. Apesar de livre, havia momentos que eu me sentia sozinho no meio da multidão. Precisava de qualquer jeito encontrar minha mãe, minha família. Pedi a Deus, com muita fé, para me ajudar. Quase dois meses se passaram e eu continuava no parque, já estava ficando sem esperanças de reencontrar minha família, mas por outro lado, não queria nunca mais voltar para o educandário. Com certeza uma boa surra me esperava. Só pensar em enfrentar a solitária me fazia tremer todinho, dos pés à cabeça. Um dia, era domingo, o parque estava fervilhando de gente, estava distraído chutando uma lata no chão. O sol brilhava forte, quente, sedutor. O vento soprava de mansinho, brincando com meus cabelos. Levantei meu rosto para sentir a brisa fresca que me agraciava, quando, de repente, uma imagem no meio de tanta gente me seduziu. Achei aquele rosto familiar. Corri para me aproximar mais e saber direitinho quem era. Será que eu estava tendo uma visão? Não, de jeito nenhum! Eu conhecia aquela pessoa! – “Não é possível! Só pode ser… tem que ser ela!” – pensei num misto de alegria, ansiedade e medo de estar errado. Reconheci aquele rosto, um rosto que só conhecia através de um retratinho 3x4. Minha irmã Luzia. Corri desesperadamente, atropelando as pessoas em minha frente e tropeçando nas pedrinhas que estavam no chão. Gritei seu nome bem alto: “Luziaaaaaaa……”- ela me viu, correu na minha direção. Era realmente a Luzia. Eu sei que o que aconteceu naquele dia foi um milagre. Tenho certeza disso. Até hoje quando me lembro dessa cena as lágrimas rolam em meu rosto. Os anjos sorriram para mim. Abracei minha irmã com toda minha força. Ela olhou pra mim com os olhos marejados de lágrimas, pegou meu rosto entre suas mãos e sorriu. Passamos um bom tempo assim, chorando, nos abraçando, rindo… foi uma confusão de sentimentos! Luzia caiu do céu. No momento em que estava nos seus braços, senti a presença viva de Deus em mim. Nesse instante as mãos de Deus começavam a escrever a história do Parque da Maçã, o Projeto Praia da Maçã.


Jurujuba, Nierói-RJ, o local do Projeto Praia da Maçã JURUJUBA ENTRA NA MINHA VIDA AMOR À PRIMEIRA VISTA Em 1976, fui trabalhar na Indústria de Conservas Santa Iria, fica na Rua Carlos Ermelindo Marins, no ponto final de Jurujuba, um bairro da cidade de Niterói. A Industria de Conservas Santa Iria era uma fábrica de pescado vizinha da Igreja de São Pedro, o protetor dos pescadores. O Bairro de Jurujuba é situado a Leste da entrada da Baía da Guanabara. Jurujuba é uma península cercada pelas águas oceânicas e da própria Baía, limitando-se por terra com Charitas, próximo ao cruzamento entre a Avenida Carlos Ermelindo Marins e o caminho para o Forte Imbuí; e com Piratininga, pela linha de cumeada do Morro do Ourives. Jurujuba é uma colônia de pescadores; o berço da natureza! Estava naquele momento contemplando a vista mais bela do mundo! A origem do nome de Jurujuba se deu quando os franceses invadiram a Baía da Guanabara, os índios viram pela primeira vez os franceses com aquele pescoço longo e barba ruiva, começaram a gritar: “Iuru e Iuba! Iuru e Iuba!…” - Iuru, na língua Tupy Guarani, significa pescoço longo, e Yuba significa barba ruiva. Então o índio Araribóia batizou o nome deste Paraíso Terrestre de “Jurujuba”. JURUJUBA , na língua Tupy Guarani significa PAPAGAIO AMARELO. A Bíblia conta a história do Paraíso, do primeiro homem e da primeira mulher: Adão e Eva. Jurujuba abriga em seu recanto paradisíaco as praias de Adão e Eva. Mais tarde, aos longos dos anos, eu denominei uma linda praia escondida das vistas humanas, protegida pelos encantos da natureza, de Praia da Maçã, complementando assim, a visão do verdadeiro paraíso terrestre. A cidade de Niterói foi escolhida para guardar o maior dos tesouros da natureza:JURUJUBA. Eu sempre digo pra todo mundo que nasci em Jurujuba porque assim que cheguei no bairro, senti como se estivesse na minha própria casa. Foi amor à primeira vista! Jurujuba é um pedacinho do céu, qualquer pessoa se encanta por “ela”. É um paraíso com direito a São Pedro e tudo! Respirei fundo o ar puro, o cheiro de vida! Vislumbrei o cenário… mergulhei meu olhar na paisagem: o céu azul, o mar… as garças bailando no céu e se refrescando nas águas. Observei o trabalho dos pescadores, os barcos de pescas, as traineiras com suas longas redes de pescar. Apreciei o verde das matas, os micos, os pássaros. Conversei comigo mesmo durante horas: “Ah, meu Deus que lugar maravilhoso! Eu estou no céu!” – falava com meus botões. Eu nasci mais uma vez. Não sei bem ao certo se eu faço parte de Jurujuba, ou se Jurujuba faz parte de mim. Só sei, com absoluta certeza, que essa terra paradisíaca e eu somos um só. Naquele momento, senti que Jurujuba estava me chamando. Era como se aquele paraíso maravilhoso, criado há mais de um século, tivesse sido preparado para num determinado momento se realizar um filme. O filme onde Jurujuba fosse a atriz principal e eu o coadjuvante. O NAMORO Todos os dias às 7:00h da manhã eu chegava no ponto final de Jurujuba. Descia do ônibus 33 em frente a fábrica, tomava um cafezinho no bar da esquina, batia o cartão na entrada e subia para o meu setor. Trabalhava no setor da contabilidade, onde tinha uma máquina de mecanografia Audit 1513 me esperando. O meu serviço era de auxiliar de contabilidade, quando classificava os documentos, e mecanógrafo, quando lançava os documentos classificados na máquina, tirando assim o balancete mensal. Eu trabalhava diretamente com o contador Sr. Baís. Naquela época, há mais de 20 anos atrás, as máquinas de mecanografia eram como se fossem os computadores de hoje. Apesar da minha pouca idade comecei a trabalhar muito cedo, então adquiri muita prática como operador mecanógrafo. O serviço da fábrica era pouco para mim, em quatro dias fazia todo o serviço do mês. O restante do tempo ficava na janela observando o mar e o cotidiano de Jurujuba. Numa dessas ocasiões, admirando a beleza do bairro pela janela, me encantei com a visão de uma linda morena. A imagem da moça não saía da minha cabeça. Fiquei enfeitiçado com sua beleza, parecia uma índia. Procurei saber pelos outros quem era a morena que povoava meus sonhos à noite, me informaram que seu nome era Hedylamar. Da janela da fábrica eu ficava paquerando a minha morena. Ela passava a pé, outras vezes de moto, com seus lindos cabelos negros e compridos soltos ao vento. Foram vários dias de paquera, troca de olhares até nos conhecermos pessoalmente, cara a cara. Hedylamar é nascida e criada em Jurujuba, a colônia de pesca. Quase toda sua família era de Jurujuba, inclusive seu avô Pedro Novaes de Miranda, conhecido como Pedrinho, foi o pescador que trouxe o primeiro barco de pesca para Jurujuba. Pedrinho colocou o nome de seu barco de Boêmio, em homenagem a música “Boêmia” de Nelson Gonçalves. Hedylamar me apresentou a sua família. Conheci seus pais, irmãos, tios, primos… a família toda! Já não saía mais de Jurujuba, passei a fazer parte da família. Trabalhava na fábrica durante a semana e nos finais de semana Hedy e eu passávamos juntos, curtindo os encantos das praias de Adão e Eva. Eu tinha 18 anos quando conheci Hedy e ela tinha apenas 16. Hedylamar era realmente uma “índia” muita linda, era a moça mais bonita do bairro. Naquela época, no último Concurso de Beleza do Colégio Fernandes Magalhães, Hedy ganhou o título de Miss Jurujuba. Levei Hedy para conhecer meus tios em São Gonçalo. A paixão foi crescendo, não conseguíamos mais ficar longe um do outro. Jurujuba era nosso paraíso, vivíamos uma história de amor como no filme “A Lagoa Azul”. Nadávamos nas águas cristalinas das praias de Jurujuba, na Ilha dos Amores, na Prainha de Fora, na Dna Estréia, que ficava no Morro do Morcego. Sempre caminhávamos até a praia de Eva de mãos dadas, apreciando a paisagem. O canto dos pássaros dava a nota musical ao nosso romance. Sentados nas pedras, abraçadinhos, observávamos o trabalho dos pescadores, a pesca de arrastão nas praias de Adão e Eva. Curtíamos o verde e nos embriagávamos com o ar puro que vinha das matas ao redor das praias. Jurujuba era o nosso mundo, nossa ilha, nosso lar e nossa paixão em comum. O CASAMENTO Depois de seis meses de namoro, resolvemos ficar noivos para nos casar. Em Jurujuba correu tudo bem. Seus pais, dona Neide e seu Edésio, deram o maior apoio ao noivado, mas na minha casa a reação foi totalmente oposta. Meu tio esbravejou muito, disse que eu era muito jovem para me casar. Gritou alto e em bom tom que não concordava com o noivado e muito menos com o casamento. Tio Zezeco ligou para nossa família na Bahia e comunicou aos meus tios Tuca e China a situação. Todos foram contra. Meus tios disseram que nós éramos duas crianças dependentes e que se cassássemos iríamos passar fome. Não tínhamos experiência de vida e nem meios para nos sustentar. Realmente eles tinham razão, mas estávamos muito apaixonados para desistirmos do casamento. Para se ter uma idéia, nem casa nós tínhamos. No início nós iríamos morar num quarto na casa dos meus sogros. — Casamento não é brincadeira, meu rapaz! Vocês não passam de duas crianças! Não posso apoiar essa loucura, seria irresponsabilidade minha. - esbravejava em altos berros o tio Zezeco. Meu tio falou na frente de Hedy que era contra o casamento. Hedylamar saiu da casa do meu tio chateada e não quis mais falar com ele. Mesmo assim, minha família sendo contra, Hedy e eu resolvemos nos casar. Fizemos uma pequena festa de noivado na casa dos pais dela, toda a família de Hedy compareceu, menos a minha. Eu dei a ela uma lindo anel solitário e marcamos a data do casamento na Igreja de São Lourenço, no Bairro do Barreto. Para conseguir os recursos do “casório”, fiz um acordo na fábrica de sardinha e com o dinheiro da indenização, arquei com todas as despesas. Robertinho emprestou seu apartamento no Rio de Janeiro para a “Lua de mel”; o Carlinhos, que trabalhava na Procuradoria Santa Cecília, de São Gonçalo, cedeu o carro e o motorista; a galera, meus amigos de São Gonçalo, fizeram uma “vaquinha” e arrecadaram a verba para os “comes-e-bebes”. O Edmar, meu grande amigo organizou a despedida de solteiro que fizemos em São Gonçalo. O Hércules foi nosso padrinho de casamento. Hedy e eu estávamos decididos a nos casar. Estávamos apaixonados e curtíamos cada momentos juntos. Mandamos convites para todos os nossos amigos e conhecidos, principalmente para as pessoas que a gente gostava muito. Mandamos convites também para minha tia Rosemarie e meu tio Zezeco. Não esqueci da vózinha Estela e dos meus primos, os quais sempre estiveram presentes nos melhores momentos da minha vida. Tio Zezeco não se conformou de jeito nenhum com o casamento, ele foi o único que não compareceu a igreja. Inclusive, chegou até a comprar para mim, nas vésperas do meu casamento, uma passagem à Bahia. Tentou me convencer dizendo: — Pode ir para a Bahia sossegado que eu resolvo tudo. Eu converso com a Hedylamar. Não se case de jeito nenhum! Isso é uma loucura nesta idade! Onde já se viu?! Eu não quero o seu mal Osvaldo, nem o mal da menina. Eu te quero muito bem, meu filho. Aliás, todos nós queremos o seu bem. Já falei com seus tios da Bahia, eles estão esperando por você. Aqui está sua passagem. Ponha a sua cabeça no lugar e não pense duas vezes. Vocês dois vão passar fome, necessidade… Deixei meu tio falando sozinho, virei as costas e fui embora para a casa da Hedylamar. Nós nos casamos no dia 2 de abril de 1977, na Igreja de São Lourenço, no Barreto. Ney, o tio de Hedylamar, prometeu as fotos do casamento, mas o fotógrafo, depois da igreja, sumiu com as fotos e não pudemos recordar aquele dia que foi tão importante em nossas vidas. SÃO PEDRO - PROTETOR DOS PESCADORES RECORDAÇÕES! Todos os anos, no dia 29 de junho, São Pedro é lembrado. O povo católico celebra nesse dia os nomes de São Pedro e São Paulo, que foram discípulos de Jesus Cristo. Jurujuba, colônia pesqueira, não se esquece dessa data tão importante, devotando sua fé e respeito a São Pedro, o Protetor dos Pescadores. A festa de São Pedro é uma das festas mais tradicionais da Cidade de Niterói e Jurujuba é um dos bairros que faz a festa mais bonita e animada, enfeitando a festa com sua bela enseada. Como é bom recordar! Eu me lembro, quando cheguei em Jurujuba há quase trinta anos atrás, como era a Festa de São Pedro. Hoje em dia, a festa continua muito bonita e animada, mas perdeu algumas de suas características. A homenagem feita para São Pedro no passado, era a festa do pescador. A festa realizava-se em um só dia, precisamente no dia 29 de junho. Era o dia inteiro. Os festejos começavam às 5:00h da manhã e estendia-se durante o dia e a noite. Às 5:00h tinha a “Banda da Alvorada”, dona Dina preparava o café da manhã para os músicos em sua casa. Após a alvorada começavam as brincadeiras: pau de sebo, mula cega, corrida do ovo, corrida do saco, pega porco, etc. A criançada se esbaldava! Às 10:00h da manhã todos os barcos de Jurujuba, enfeitados pelos próprios pescadores com muita fé e amor, seguiam procissão com São Pedro pela Baía da Guanabara. Os barcos de Jurujuba que faziam a procissão eram: Ascânio, Pata Choca, Camões, Paulo Roberto, Vilar, Boêmio ( o barco do pescador Pedrinho, avô da minha esposa), Diesel, João Maurício I, II e III, sempre seguidos por diversas embarcações menores. Normalmente se encontravam no mar com outras procissões que vinham da Ilha da Conceição e Ponta da Areia. Quando as embarcações se cruzavam soltavam fogos e faziam uma grande homenagem a São Pedro. Conceição e Pedro (o coroinha da igreja) eram os organizadores de toda a programação da Igreja de São Pedro, em Jurujuba. O Pedro é irmão de Zilinha. Dona Neca, zeladora da igreja, mantinha a igreja sempre bem cuidada, não deixava faltar nada, cuidava de tudo nos mínimos detalhes. Depois apareciam outras pessoas para ajudar dona Neca: Sequinho, Creuza, dona Lourdes, Estela, Marildinha, Maiza, Jorge, Sandra, Luci, Tereza, Célia, Mariza, Chico, entre outros, que trabalhavam cada um em sua equipe para o melhoramento da Igreja de São Pedro, não só no dia do Padroeiro, mas todos os dias. A equipe dava estudos bíblicos e preparações para louvar o nome do Nosso Senhor Jesus Cristo. As moças da comunidade de Jurujuba angariavam prendas para a realização do leilão, que acontecia na noite da festa, e prendas para as barraquinhas. Dona Vilma era responsável e encarregada pelas prendas angariadas, acompanhava as moças por todo o percurso: da Fortaleza de Santa Cruz até Niterói. Dona Vilma também era a responsável pela arrecadação de dinheiro para a igreja de Jurujuba, a Igreja de São Pedro. Na noite da festa, realizava-se o leilão com as prendas. Danças de quadrilhas animavam a festa, era muito lindo! Até a quadrilha de Cachoeira vinha dançar com a quadrilha de Jurujuba. Embelezava a noite uma grande fogueira preparada pelos moradores do bairro. Balões coloridos e brilhantes enfeitavam essa noite especial. Para completar a magia da festa, mágicos e barracas montadas animavam a criançada e a todos. Naquela época montavam as barraquinhas e não se pagava pelo espaço, diferente de hoje. Antigamente, não havia luz elétrica, a festa era iluminada com tochas, dando ao ambiente um ar tropical e romântico. Os pescadores que se empenhavam no enriquecimento e na realização da festa eram: Vivaldo, Osmar, Humberto, Movado, Vilar, Alzerino, Roberto, Valdemiro, Athayde, Osvaldo, Paulo Roberto, Edson, Louro, Djalma, Bidi, Gilson, Paulo Trezzi e Carlos Trezzi (este nome foi escolhido para representar no Espaço Cultural, na Sede da ONG DA MAÇÃ, todos os pescadores de Jurujuba, sede inaugurada no dia 29 de junho de 2003, “Dia de São Pedro” na Travessa do Chafariz, nº 55 - sobrado, com a presença do Ilustre José Fritz, Ministro da Pesca e o Prefeito Godofredo Pinto). Outros nomes faziam parte da grande lista de pescadores jurujubenses empenhados em homenagear São Pedro : Caboclo, Argemiro, Noco… e tantos outros! A Festa de São Pedro realizada anualmente há várias décadas, hoje em dia ainda conta, entre outras atividades, com a ornamentação do andor pela comunidade, com uma alvorada festiva, com uma missa e uma procissão marítima. Está tudo modernizado e comercial. Durante o período das comemorações realiza-se ainda grande quermesse em que ocorrem leilões, shows artísticos em palcos iluminados, dança de quadrilhas, brincadeiras e jogos. (Não há mais tochas iluminando à noite e provocando o romantismo na festa.) As diversas barracas comercializam variadas comidas típicas, doces e bebidas. No encerramento, sempre há grande queima de fogos. Salve São Pedro, o protetor dos pescadores! Composição feita para fazer alvorada na festa de São Pedro em 1999 SAMBA DA ALVORADA - CARNAPEDRO Autor : Osvaldo da Maçã e Nego Ni Jurujuba traz uma nova atração É o Carnapedro que chegou Trazendo muita alegria Fé esperança e amor Olha lá rapaziada Soltar balão é proibido Bom é brincar de cabra cega e pega o porco Que é bem mais divertido Depois subir no pau-de-cebo Dançar quadrilha e cair neste enredo É neste bloco que eu vou Pegar carona para a procissão Sou pescador devoto de São Pedro O protetor da nossa navegação Erguei… Erguei as mãos e daí a gloria a Deus HEDYLAMAR, MINHA ETERNA PAIXÃO Logo após o casamento ficamos morando num quarto na casa da minha sogra, mas saí correndo atrás de emprego. Não suportava lembrar a frase do tio Zezeco: “Vocês vão passar fome, necessidade…” – isso não saía da minha cabeça. Todo mundo sabia que eu saí da Indústria de Conservas Santa Iria, apenas para levantar o dinheiro da pequena indenização que eu tinha direito para viabilizar o casamento. Pela nossa felicidade, naquela hora, eu faria qualquer coisa. Na minha mente, eu precisava da benção de Deus, concretizando nossa união nos votos da igreja, assim eu me livrava das frases pessimistas do tio Zezeco. Eu acreditava (e ainda acredito) que “o que Deus une, ninguém separa”. Queria um casamento que marcasse para sempre nossas lembranças, com direito a festa e tudo mais! Sempre acreditei em Deus e na sua Presença. Sua Força sempre esteve viva e fiel na minha vida. Uma prova disso é que, certa vez, (morava nessa época no Rio de Janeiro) eu estava caminhando pela Praia de Botafogo e pude sentir Deus conversando comigo. Foi como se Deus tivesse contando a história do meu casamento. Ele falava à minha mente e ao meu coração que um dia eu conheceria uma mulher muito bonita, de pele morena como uma índia, e que esta mulher estava em Niterói. Cheguei , diversas vezes em oração, pedir a Ele para conhecer logo esta mulher. Essa conversa com Deus me marcou tanto, que muitas vezes refleti antes de tomar qualquer decisão. Renunciei muita coisa para não perder esse casamento e não me arrependo disso. Hedylamar é a pessoa que eu pedi a Deus. Reconheço que ela é um presente dos céus; é a mulher da minha vida. Tive muitas mulheres; muitas namoradas, mas nenhuma delas me tocou tanto quanto Hedylamar. Ela me provocava só com o olhar. Sua pele morena, seus expressivos olhos castanhos e seu sorriso de menina faceira me faziam dançar nas estrelas. A primeira vez que nos amamos transformou minhas fantasias em realidade. Seus cabelos exalavam o perfume misterioso da noite… doce índia! Nosso romance era abençoado pelo mar, pelas matas, pelo poder exótico e maestral de Jurujuba. Tudo estava ao nosso favor. A natureza era cúmplice da paixão que consumia meu coração. Quando estávamos juntos, o mundo parecia parar, nada existia, só nós dois e Jurujuba. Sentia como Adão e Eva no Paraíso. - “Não , não, não…” - gritava comigo mesmo - “Eu não posso perde-la de jeito nenhum!” Por isso enfrentei minha família; meu tio Zezeco, que tanto adorava; enfrentei tudo que podia e não podia suportar para ficar com a única mulher que realmente amei. Nunca beijei ninguém como a beijei; nunca fiz amor com ninguém como fiz com ela. Nos entendíamos sem palavras, só com o olhar. O toque de sua pele na minha faziam florescer em mim um turbilhão de emoções. Ela foi a mulher que escolhi para ser a mãe das minhas filhas; a avó da minha neta; minha esposa, companheira, amante… é ela que eu desejo que me acompanhe para o resto da minha vida. Sou um homem sonhador, as vezes, um grande teimoso! Reconheço isso. Pelos meus sonhos eu luto, brigo, vou até o fim! Algumas vezes Hedylamar e eu nos desentendemos por causa das minhas ‘loucuras”, ela me ama tanto que não quer que eu sofra, eu sei disso. Apesar de alguns conflitos que passamos (todo o casal passa por problemas) tenho certeza que ela é minha alma gêmea. Hedylamar eu te amo!

Osvaldo Gomes Bomfim

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  • Cada capítulo/secção/apêndice, desde que tenha conteúdo, tem que estar no seu próprio módulo.
  • Os módulos dos livros têm que ter nomes que sejam diferentes uns dos outros e diferentes de qualquer módulo de outro livro.
  • Consequência da anterior: há que arranjar uma convenção que, para cada módulo, permita criar um nome que é, de certeza, diferente de qualquer outro que possa existir alguma vez no banco de dados. Essa convenção existe e está em Wikilivros:Nomenclaturas.

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