Bioquímica/Cinética enzimática: diferenças entre revisões

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=Cinética enzimática=
= Cinética enzimática =
O estudo da função de enzimas envolve uma aproximação multidisciplinar. Por um lado, a determinação da estrutura, usando técnicas espectroscópicas como a difracção de raios-X em proteínas cristalizadas ou a ressonância magnética nuclear (RMN) em proteínas em solução, permite localizar a posição dos diferentes resíduos no espaço. Este tipo de estudo revela muitas vezes detalhes sobre o mecanismo da reacção, ou seja, a forma e sequência de ligações do substrato ao centro activo para ser catalisado. Por outro lado, é importante conhecer parâmetros cinéticos, como a velocidade da reacção catalisada, o efeito de inibidores nessa velocidade, quantas moléculas a enzima consegue catalisar por segundo, etc, para poder ser aferida a eficiência dessa enzima e a forma como é regulada.
O estudo da função de enzimas envolve uma aproximação multidisciplinar. Por um lado, a determinação da estrutura, usando técnicas espectroscópicas como a difracção de raios-X em proteínas cristalizadas ou a ressonância magnética nuclear (RMN) em proteínas em solução, permite localizar a posição dos diferentes resíduos no espaço. Este tipo de estudo revela muitas vezes detalhes sobre o mecanismo da reacção, ou seja, a forma e sequência de ligações do substrato ao centro activo para ser catalisado. Por outro lado, é importante conhecer parâmetros cinéticos, como a velocidade da reacção catalisada, o efeito de inibidores nessa velocidade, quantas moléculas a enzima consegue catalisar por segundo, etc, para poder ser aferida a eficiência dessa enzima e a forma como é regulada.


Esta última aproximação ao estudo de enzimas, a '''cinética enzimática''', é um dos campos de estudo mais clássicos da Bioquímica. Nenhum estudo sobre uma enzima se encontra completo sem estudos cinéticos.
Esta última aproximação ao estudo de enzimas, a '''cinética enzimática''', é um dos campos de estudo mais clássicos da Bioquímica. Nenhum estudo sobre uma enzima se encontra completo sem estudos cinéticos.


==Progressão da reacção==
== Progressão da reacção ==

Para que uma reacção enzimática se dê, a enzima (E) e o substrato (S) têm de se encontrar e formar o '''complexo enzima-substrato''' (ES). Como referido anteriormente, embora este possa parecer um formalismo, a formação deste complexo é uma peça chave na compreensão da progressão de uma catálise. O complexo ES é lábil: a enzima pode dissociar-se do seu substrato sem ter havido reacção. Este equilíbrio é expresso sob a forma:
Para que uma reacção enzimática se dê, a enzima (E) e o substrato (S) têm de se encontrar e formar o '''complexo enzima-substrato''' (ES). Como referido anteriormente, embora este possa parecer um formalismo, a formação deste complexo é uma peça chave na compreensão da progressão de uma catálise. O complexo ES é lábil: a enzima pode dissociar-se do seu substrato sem ter havido reacção. Este equilíbrio é expresso sob a forma:


::E+S <math>\leftrightarrows</math> ES <!-- (k1 k-1em índice) -->
:: E+S <math>\leftrightarrows</math> ES <!-- (k1 k-1em índice) -->


A enzima pode então transformar o substrato num produto (P). Existe de forma transiente um complexo EP, havendo então dissociação deste complexo em enzima livre (E) e produto (P). Este mecanismo pode escrever-se na forma simplificada:
A enzima pode então transformar o substrato num produto (P). Existe de forma transiente um complexo EP, havendo então dissociação deste complexo em enzima livre (E) e produto (P). Este mecanismo pode escrever-se na forma simplificada:


::E+S<math>\leftrightarrows</math>[ES]<math>\rightarrow</math>E+P <!-- (k2 k-2 k3) -->
:: E+S<math>\leftrightarrows</math>[ES]<math>\rightarrow</math>E+P <!-- (k2 k-2 k3) -->


A reacção de formação de ES é normalmente mais rápida que a reacção de dissociação de EP, ou seja, a libertação do produto da reacção é normalmente um '''passo limitante''' da reacção.
A reacção de formação de ES é normalmente mais rápida que a reacção de dissociação de EP, ou seja, a libertação do produto da reacção é normalmente um '''passo limitante''' da reacção.


==Velocidade inicial==
== Velocidade inicial ==

O estudo de uma reacção enzimática ''in vitro'' não reflecte a verdadeira situação das enzimas em células, mas possibilita a simplificação da determinação de parâmetros cinéticos. Dentro de uma célula, o substrato pode estar confinado a um dado compartimento e não sofrer facilmente difusão: por exemplo, pode ser o produto de uma reacção anterior numa via metabólica, pelo que passa directamente de uma enzima para a outra. Normalmente, os estudos ''in vitro'' usam uma concentração de substrato muito superior à concentração de enzima, para que a probabilidade de uma enzima encontrar uma molécula de substrato seja o mais elevada possível.
O estudo de uma reacção enzimática ''in vitro'' não reflecte a verdadeira situação das enzimas em células, mas possibilita a simplificação da determinação de parâmetros cinéticos. Dentro de uma célula, o substrato pode estar confinado a um dado compartimento e não sofrer facilmente difusão: por exemplo, pode ser o produto de uma reacção anterior numa via metabólica, pelo que passa directamente de uma enzima para a outra. Normalmente, os estudos ''in vitro'' usam uma concentração de substrato muito superior à concentração de enzima, para que a probabilidade de uma enzima encontrar uma molécula de substrato seja o mais elevada possível.
[[Image:Michaelis-Menten.png|thumb|300px|Representação da variação da velocidade inicial da reacção (V) em função da concentração de substrato ([S]).]]
[[Imagem:Michaelis-Menten.png|thumb|300px|Representação da variação da velocidade inicial da reacção (V) em função da concentração de substrato ([S]).]]
Outra vantagem do uso de uma concentração de substrato ([S]) maior que a concentração de enzima ([E]) é a possibilidade de monitorizar a variação da velocidade de reacção com [E] sem que haja uma variação apreciável de [S]. Como S está a ser convertido em P, [S] decresce com o tempo, à medida que o produto se acumula em solução. Como a [S] influencia a formação do complexo ES (e portanto da formação de produto), vai influenciar também a velocidade da reacção. No entanto, se for feita apenas a monitorização da velocidade inicial da reacção (tipicamente, durante os primeiros 30 a 60 segundos), a variação de [S] não é significativa e pode ser tomada como constante.
Outra vantagem do uso de uma concentração de substrato ([S]) maior que a concentração de enzima ([E]) é a possibilidade de monitorizar a variação da velocidade de reacção com [E] sem que haja uma variação apreciável de [S]. Como S está a ser convertido em P, [S] decresce com o tempo, à medida que o produto se acumula em solução. Como a [S] influencia a formação do complexo ES (e portanto da formação de produto), vai influenciar também a velocidade da reacção. No entanto, se for feita apenas a monitorização da velocidade inicial da reacção (tipicamente, durante os primeiros 30 a 60 segundos), a variação de [S] não é significativa e pode ser tomada como constante.


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A que se deve este comportamento? A baixas concentrações de substrato, a maior parte da enzima em solução encontra-se na forma livre, E; usando concentrações suficientemente elevadas de S, toda a enzima se encontrará, num dado instante, em complexo com molécula(s) de substrato, isto é, na forma ES. Por maior que seja a concentração de substrato utilizada, as moléculas de enzima não têm capacidade de catalisar o substrato, por todos os centros activos se encontrarem ocupados. Nestas condições, diz-se que a enzima se encontra '''saturada'''.
A que se deve este comportamento? A baixas concentrações de substrato, a maior parte da enzima em solução encontra-se na forma livre, E; usando concentrações suficientemente elevadas de S, toda a enzima se encontrará, num dado instante, em complexo com molécula(s) de substrato, isto é, na forma ES. Por maior que seja a concentração de substrato utilizada, as moléculas de enzima não têm capacidade de catalisar o substrato, por todos os centros activos se encontrarem ocupados. Nestas condições, diz-se que a enzima se encontra '''saturada'''.


==Equação de Michaelis-Menten==
== Equação de Michaelis-Menten ==

A semi-hipérbole correspondente ao comportamento da velocidade de uma enzima em função da concentração do substrato pode ser descrita matematicamente pela '''equação de Michaelis-Menten''':
A semi-hipérbole correspondente ao comportamento da velocidade de uma enzima em função da concentração do substrato pode ser descrita matematicamente pela '''equação de Michaelis-Menten''':


::<math>V_0=\frac{V_{max} [S]}{K_M + [S]}</math>
:: <math>V_0=\frac{V_{max} [S]}{K_M + [S]}</math>


em que [S], V<sub>0</sub> e V<sub>max</sub> são as grandezas anteriormente definidas e K<sub>M</sub> a '''constante de Michaelis'''. Esta equação pode ser deduzida de forma intuitiva considerando a forma como se desenrola a catálise enzimática.
em que [S], V<sub>0</sub> e V<sub>max</sub> são as grandezas anteriormente definidas e K<sub>M</sub> a '''constante de Michaelis'''. Esta equação pode ser deduzida de forma intuitiva considerando a forma como se desenrola a catálise enzimática.
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Também é assumido que a concentração de produto é negligível no início da reacção, logo é negligível a extensão da reacção inversa no equilíbrio entre substrato e produto, S <math>\leftrightarrows</math> P, considerando-se apenas a reacção directa na dedução da equação. Assim, a reacção é descrita por
Também é assumido que a concentração de produto é negligível no início da reacção, logo é negligível a extensão da reacção inversa no equilíbrio entre substrato e produto, S <math>\leftrightarrows</math> P, considerando-se apenas a reacção directa na dedução da equação. Assim, a reacção é descrita por


::E+S <math>\leftrightarrows</math> <!-- (k1 k-1) --> [ES] <math>\rightarrow</math> <!-- (k2) --> E+P
:: E+S <math>\leftrightarrows</math> <!-- (k1 k-1) --> [ES] <math>\rightarrow</math> <!-- (k2) --> E+P


Como já referido, a formação de [ES] limita a velocidade da reacção, medida como V<sub>0</sub>:
Como já referido, a formação de [ES] limita a velocidade da reacção, medida como V<sub>0</sub>:


::V<sub>0</sub>=k<sub>2</sub>[ES]
:: V<sub>0</sub>=k<sub>2</sub>[ES]


Se [ES] fosse facilmente mensurável, o valor de k<sub>2</sub> seria simples de determinar directamente. No entanto, esse não é o caso, e o valor de [ES] tem de ser deduzido. Para tal, considere-se que a concentração do total de enzima presente na reacção, [E]<sub>t</sub>, é o somatório da concentração de enzima em complexo com o substrato, [ES], e da concentração de enzima "livre" (não ligada a substrato), [E]<sub>l</sub>:
Se [ES] fosse facilmente mensurável, o valor de k<sub>2</sub> seria simples de determinar directamente. No entanto, esse não é o caso, e o valor de [ES] tem de ser deduzido. Para tal, considere-se que a concentração do total de enzima presente na reacção, [E]<sub>t</sub>, é o somatório da concentração de enzima em complexo com o substrato, [ES], e da concentração de enzima "livre" (não ligada a substrato), [E]<sub>l</sub>:


::[E]<sub>t</sub> = [E]<sub>l</sub> + [ES]
:: [E]<sub>t</sub> = [E]<sub>l</sub> + [ES]

==Tratamento matemático e gráfico da equação de Michaelis-Menten==


== Tratamento matemático e gráfico da equação de Michaelis-Menten ==
Embora o gráfico obtido directamente da equação de Michaelis-Menten seja de interpretação relativamente simples, existem tratamentos matemáticos que simplificam a representação gráfica da equação e permitem a obtenção rápida de parâmetros cinéticos.
Embora o gráfico obtido directamente da equação de Michaelis-Menten seja de interpretação relativamente simples, existem tratamentos matemáticos que simplificam a representação gráfica da equação e permitem a obtenção rápida de parâmetros cinéticos.


O tratamento mais conhecido e porventura mais utilizado é o de '''Lineweaver-Burk'''. A equação de Michaelis-Menten pode ser transformada numa equação da recta, do tipo y=ax+b:
O tratamento mais conhecido e porventura mais utilizado é o de '''Lineweaver-Burk'''. A equação de Michaelis-Menten pode ser transformada numa equação da recta, do tipo y=ax+b:


::<math>V_o=\frac{V_max [S]} {K_M + [S]}\Leftrightarrow \frac{1}{V_o}=\frac{K_M + [S]}{V_max [S]} \Leftrightarrow \frac{1}{V_o}= \frac{K_M}{V_max [S]} + \frac{[S]}{V_max [S]} \Leftrightarrow \frac{1}{V_o}=\frac{K_M}{V_max [S]} + \frac{1}{V_max}</math>
:: <math>V_o=\frac{V_max [S]} {K_M + [S]}\Leftrightarrow \frac{1}{V_o}=\frac{K_M + [S]}{V_max [S]} \Leftrightarrow \frac{1}{V_o}= \frac{K_M}{V_max [S]} + \frac{[S]}{V_max [S]} \Leftrightarrow \frac{1}{V_o}=\frac{K_M}{V_max [S]} + \frac{1}{V_max}</math>


[[Image:Lineweaver-Burke plot.PNG|thumb|250px|Gráfico de Lineweaver-Burk.]]
[[Imagem:Lineweaver-Burke plot.PNG|thumb|250px|Gráfico de Lineweaver-Burk.]]
Esta última forma da equação de Michaelis-Menten é conhecida como '''equação de Lineweaver-Burk'''. Um gráfico de <math>\frac{1}{V_o}</math> (y) em função de <math>\frac{1}{[S]}</math> (x) é uma recta de declive igual a <math>\frac{K_M}{V_max}</math> (a), que intercepta o eixo das coordenadas na origem no ponto <math>\frac{1}{V_max}</math> (b), interceptando também o eixo das abcissas no ponto <math>\frac{-1}{K_M}</math>. Este gráfico é também chamado '''duplo recíproco''' pois trata-se de uma representação gráfica do recíproco de ambos os parâmetros V<sub>o</sub> e [S].
Esta última forma da equação de Michaelis-Menten é conhecida como '''equação de Lineweaver-Burk'''. Um gráfico de <math>\frac{1}{V_o}</math> (y) em função de <math>\frac{1}{[S]}</math> (x) é uma recta de declive igual a <math>\frac{K_M}{V_max}</math> (a), que intercepta o eixo das coordenadas na origem no ponto <math>\frac{1}{V_max}</math> (b), interceptando também o eixo das abcissas no ponto <math>\frac{-1}{K_M}.</math> Este gráfico é também chamado '''duplo recíproco''' pois trata-se de uma representação gráfica do recíproco de ambos os parâmetros V<sub>o</sub> e [S].


Este tipo de tratamento matemático permite uma determinação mais precisa de V<sub>max</sub>, um parâmetro que só se obtém por aproximação num gráfico de Michaelis-Menten.
Este tipo de tratamento matemático permite uma determinação mais precisa de V<sub>max</sub>, um parâmetro que só se obtém por aproximação num gráfico de Michaelis-Menten.

Revisão das 11h58min de 17 de setembro de 2009


Cinética enzimática

O estudo da função de enzimas envolve uma aproximação multidisciplinar. Por um lado, a determinação da estrutura, usando técnicas espectroscópicas como a difracção de raios-X em proteínas cristalizadas ou a ressonância magnética nuclear (RMN) em proteínas em solução, permite localizar a posição dos diferentes resíduos no espaço. Este tipo de estudo revela muitas vezes detalhes sobre o mecanismo da reacção, ou seja, a forma e sequência de ligações do substrato ao centro activo para ser catalisado. Por outro lado, é importante conhecer parâmetros cinéticos, como a velocidade da reacção catalisada, o efeito de inibidores nessa velocidade, quantas moléculas a enzima consegue catalisar por segundo, etc, para poder ser aferida a eficiência dessa enzima e a forma como é regulada.

Esta última aproximação ao estudo de enzimas, a cinética enzimática, é um dos campos de estudo mais clássicos da Bioquímica. Nenhum estudo sobre uma enzima se encontra completo sem estudos cinéticos.

Progressão da reacção

Para que uma reacção enzimática se dê, a enzima (E) e o substrato (S) têm de se encontrar e formar o complexo enzima-substrato (ES). Como referido anteriormente, embora este possa parecer um formalismo, a formação deste complexo é uma peça chave na compreensão da progressão de uma catálise. O complexo ES é lábil: a enzima pode dissociar-se do seu substrato sem ter havido reacção. Este equilíbrio é expresso sob a forma:

E+S ES

A enzima pode então transformar o substrato num produto (P). Existe de forma transiente um complexo EP, havendo então dissociação deste complexo em enzima livre (E) e produto (P). Este mecanismo pode escrever-se na forma simplificada:

E+S[ES]E+P

A reacção de formação de ES é normalmente mais rápida que a reacção de dissociação de EP, ou seja, a libertação do produto da reacção é normalmente um passo limitante da reacção.

Velocidade inicial

O estudo de uma reacção enzimática in vitro não reflecte a verdadeira situação das enzimas em células, mas possibilita a simplificação da determinação de parâmetros cinéticos. Dentro de uma célula, o substrato pode estar confinado a um dado compartimento e não sofrer facilmente difusão: por exemplo, pode ser o produto de uma reacção anterior numa via metabólica, pelo que passa directamente de uma enzima para a outra. Normalmente, os estudos in vitro usam uma concentração de substrato muito superior à concentração de enzima, para que a probabilidade de uma enzima encontrar uma molécula de substrato seja o mais elevada possível.

Representação da variação da velocidade inicial da reacção (V) em função da concentração de substrato ([S]).

Outra vantagem do uso de uma concentração de substrato ([S]) maior que a concentração de enzima ([E]) é a possibilidade de monitorizar a variação da velocidade de reacção com [E] sem que haja uma variação apreciável de [S]. Como S está a ser convertido em P, [S] decresce com o tempo, à medida que o produto se acumula em solução. Como a [S] influencia a formação do complexo ES (e portanto da formação de produto), vai influenciar também a velocidade da reacção. No entanto, se for feita apenas a monitorização da velocidade inicial da reacção (tipicamente, durante os primeiros 30 a 60 segundos), a variação de [S] não é significativa e pode ser tomada como constante.

Nestas condições, a velocidade medida (velocidade inicial, V0) depende apenas de [E]. Um gráfico de V0 em função de [S] apresenta uma forma característica de semi-hipérbole: a baixas concentrações de substrato, a variação de V0 com [S] é linear; à medida que se usam [S] mais elevadas, V0 sofre uma variação cada vez menor, tendendo para um valor limite. Este valor é denominado velocidade máxima, Vmax.

A que se deve este comportamento? A baixas concentrações de substrato, a maior parte da enzima em solução encontra-se na forma livre, E; usando concentrações suficientemente elevadas de S, toda a enzima se encontrará, num dado instante, em complexo com molécula(s) de substrato, isto é, na forma ES. Por maior que seja a concentração de substrato utilizada, as moléculas de enzima não têm capacidade de catalisar o substrato, por todos os centros activos se encontrarem ocupados. Nestas condições, diz-se que a enzima se encontra saturada.

Equação de Michaelis-Menten

A semi-hipérbole correspondente ao comportamento da velocidade de uma enzima em função da concentração do substrato pode ser descrita matematicamente pela equação de Michaelis-Menten:

em que [S], V0 e Vmax são as grandezas anteriormente definidas e KM a constante de Michaelis. Esta equação pode ser deduzida de forma intuitiva considerando a forma como se desenrola a catálise enzimática.

É assumida, nesta dedução, a existência de um estado estacionário, em que [ES] permanece constante ao longo do tempo. A teoria do estado estacionário, introduzida por G. E. Briggs e J. B. S. Haldane em 1925, considera que a velocidade a que o complexo ES se forma é aproximadamente igual à velocidade da sua dissociação. Existe um curto período de tempo, normalmente na ordem dos microssegundos, em que há uma acumulação de ES – estado pré-estacionário. O estudo da cinética enzimática envolvendo a teoria do estado estacionário é referida como cinética do estado estacionário.

Também é assumido que a concentração de produto é negligível no início da reacção, logo é negligível a extensão da reacção inversa no equilíbrio entre substrato e produto, S P, considerando-se apenas a reacção directa na dedução da equação. Assim, a reacção é descrita por

E+S [ES] E+P

Como já referido, a formação de [ES] limita a velocidade da reacção, medida como V0:

V0=k2[ES]

Se [ES] fosse facilmente mensurável, o valor de k2 seria simples de determinar directamente. No entanto, esse não é o caso, e o valor de [ES] tem de ser deduzido. Para tal, considere-se que a concentração do total de enzima presente na reacção, [E]t, é o somatório da concentração de enzima em complexo com o substrato, [ES], e da concentração de enzima "livre" (não ligada a substrato), [E]l:

[E]t = [E]l + [ES]

Tratamento matemático e gráfico da equação de Michaelis-Menten

Embora o gráfico obtido directamente da equação de Michaelis-Menten seja de interpretação relativamente simples, existem tratamentos matemáticos que simplificam a representação gráfica da equação e permitem a obtenção rápida de parâmetros cinéticos.

O tratamento mais conhecido e porventura mais utilizado é o de Lineweaver-Burk. A equação de Michaelis-Menten pode ser transformada numa equação da recta, do tipo y=ax+b:

Gráfico de Lineweaver-Burk.

Esta última forma da equação de Michaelis-Menten é conhecida como equação de Lineweaver-Burk. Um gráfico de (y) em função de (x) é uma recta de declive igual a (a), que intercepta o eixo das coordenadas na origem no ponto (b), interceptando também o eixo das abcissas no ponto Este gráfico é também chamado duplo recíproco pois trata-se de uma representação gráfica do recíproco de ambos os parâmetros Vo e [S].

Este tipo de tratamento matemático permite uma determinação mais precisa de Vmax, um parâmetro que só se obtém por aproximação num gráfico de Michaelis-Menten.

Outra vantagem na utilização da equação de Lineweaver-Burk é visível em estudos de inibição enzimática, sendo relativamente simples de detectar e distinguir entre diferentes tipos de inibição: ao usar diferentes concentrações de inibidores, e consoante o tipo de inibição efectuada, o gráfico de Lineweaver-Burk muda de uma forma bem estudada, como será mais claro no capítulo sobre inibição enzimática.