Taoismo/História

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"(O homem realizado) age com serenidade

Por isto é incontaminável".

Lao-Tsé[1]

Huang-Ti, o Imperador Amarelo
Localização do estado de Chu (em amarelo) na China do século IV a.C.
Confúcio (à esquerda), Lao-Tsé (em cima) e santo budista (à direita) em pintura da época da dinastia Ming (1368-1644)
Lao-Tsé
Trecho do Tao Te Ching gravado na parede do templo Changchun, em Wuhan, na República Popular da China
Grande Muralha da China
Chuang-Tsé
Ge Hong

Segundo a tradição, o taoismo teve início com dois personagens lendários: Huang-Ti e Lao-Tsé (ainda que outras fontes situem o início do taoismo num momento posterior, o século II)[2]. Huang-Ti (ou Huáng Dì), o "Imperador Amarelo", importante líder político e espiritual, teria reinado entre 2697 a.C. e 2597 a.C.[3] É considerado, pela tradição chinesa, o criador lendário não apenas do taoismo, mas também de outros importantes elementos da cultura chinesa: a astrologia chinesa, a medicina chinesa e o feng shui (geomancia chinesa).[4] Lao-Tsé (ou Lao Zi) também é um lendário sábio chinês: a época em que teria vivido (se é que existiu realmente) é sujeita a controvérsias, alguns apontando o ano 1000 a.C.[5], outros os séculos 6 e 5 a.C.

"Lao-Tsé", traduzido do chinês, significa "velho mestre", "velho garoto" (com base na lenda de que haveria nascido com cabelos brancos)[6] ou "filho velho".[7] Também conhecido como "Lao-Tan" ou "Li Erh",[8] teria nascido na cidade de Guo Yang,[9] na província Quren, na comarca de Li, no condado de Hu, no estado de Chu. Teria trabalhado em Luoyang como arquivista. Exercendo essa profissão, teria tido oportunidade de ler muitos livros, adquirindo um grande conhecimento. Segundo alguns, Lao-Tsé teria sido contemporâneo de outro famoso sábio chinês, Confúcio, com quem teria trocado ideias filosóficas.

Já velho, Lao-Tsé teria deixado Luoyang e rumado para o oeste montado em um boi ou búfalo, atravessando a passagem Hangu da Grande Muralha da China. Nessa passagem, o guarda da fronteira lhe teria pedido um resumo de sua filosofia. Lao-Tsé, então, lhe teria escrito, em uma noite, o Tao Te Ching (ou Tao-te king:[10] literalmente, "Clássico do Caminho e da Virtude"), obra composta por 81 poemas que se tornaria a referência fundamental do taoismo. Lao-tsé teria, então, atravessado a Grande Muralha e seguido para o oeste, nunca mais tendo sido visto[11]. Certas fontes, no entanto, situam a confecção do Tao Te Ching por volta de 300 a.C.[12] Em 90-104 a.C., foi escrita, pelo historiador Sima Qian (145-89 a.C.), a primeira biografia de Lao-Tsé: o Shi ji ("Registros do Historiador").[13]

No período entre 4 e 1 a.C., a filosofia exposta no Tao Te Ching foi desenvolvida por dois filósofos: Chuang-Tsé ("Mestre Chuang", também conhecido como Zhuangzi e Chuang-Tzu) e Lie Yokou (também conhecido como Liezi e Lie-Tzu). Os pensamentos desses filósofos ficaram registrados em dois livros que ganharam o nome de seus autores e que se tornaram os maiores clássicos taoistas, depois do Tao Te Ching. Ainda no século III a.C., teria vivido o importante sábio taoista Mao Meng.[14] No século II a.C., outro importante livro foi acrescentado à doutrina taoista: o Huainanzi, composto por discussões de filósofos da corte da cidade de Huainan. No século I a.C., teria vivido o sábio taoista Ko Hung.[15]

Em 33 ou 34 (ou nos séculos 2 ou 3), teria nascido Chang Tao-ling (ou Zhang Daoling), um importante mestre taoista conhecido como "Mestre Celestial" e que criou a seita taoista chamada "caminho dos mestres celestiais", também conhecida como "caminho das cinco medidas de arroz". Era o início do chamado "taoismo religioso", que passou a contar com um clero e com muitos elementos da antiga religião folclórica chinesa, em oposição ao anterior "taoismo filosófico", que se baseava apenas no pensamento dos filósofos clássicos taoistas, sem igrejas organizadas. Chang Tao-ling costuma ser representado como um senhor de rosto negro e zangado e é considerado um codificador da doutrina taoista de então. Possuiria conhecimentos mágicos alquímicos e teria legado os ritos praticados, hoje, na Sociedade Taoista do Rio de Janeiro. Seus descendentes herdaram a sua liderança, sediados na montanha do Dragão-Tigre, na província de Kiang-si.

Por ocasião da Revolução Comunista Chinesa (1946-1950), o seu descendente de então foi expulso da China continental em 1949.[16][17] O taoismo religioso divinizou Lao-Tsé e passou a buscar métodos que propiciassem a imortalidade física (ou, ao menos, uma grande longevidade). Tais métodos incluíam dietas alimentares específicas, formas de ginástica e artes marciais, exercícios de respiração, disciplinas sexuais, experiências com a ingestão de substâncias (alquimia), uso de talismãs e busca por terras lendárias.[18]

No século II, Ge Hong escreveu o Baopozi, que era um comentário sobre o taoismo e o confucionismo, além de uma descrição de técnicas de alquimia objetivando a criação de elixires para a imortalidade tanto física quanto espiritual e a transmutação de metais[19]. Nesse século, também viveu o sábio taoista Wei Po-yang, que escreveu o manual esotérico Ts'an t'ung ch'i.[20] Em 184, eclodiu a revolta dos Turbantes Amarelos, liderada pela seita taoista Taiping ("Grande Paz").[21]

No século V, foi construído o Templo Suspenso da Montanha Heng, na província de Shanxi[22]. A Montanha Heng, ao longo do tempo, converteu-se numa das cinco montanhas sagradas do taoismo (as outras são a Song, a Hua, a Tai e a Heng da província de Hunan[23]). Cada uma dessas montanhas simboliza um ponto cardeal segundo a geomancia chinesa: o centro (Song), o norte (Heng-Xanxi), o leste (Tai), o oeste (Hua) e o sul (Heng-Hunan). Nesse século, teria vivido o sábio taoista T'ao Hung-king, seguidor de Ko Hung.[24]

No século VI, o patriarca budista Bodidarma (o 28º, numa linhagem que se iniciou com o fundador da religião, Sidarta Gautama) imigrou da Índia para o mosteiro Shaolin, na China, onde fundou a seita chan (zen) do budismo. O chan foi muito influenciado pelo taoismo: por exemplo, pelo costume dos aforismos e pelo uso frequente do humor.[25]

Ao longo da Idade Média Chinesa, foi escrito o Daozang, uma compilação de vários comentários sobre o Tao Te Chin e o Chuang-Tsé. No mesmo período, foi criado o tai chi chuan ("punho do estado supremo, acima das polaridades"[26]), arte marcial influenciada pela filosofia taoista. Segundo a lenda, essa arte teria sido criada pelo monge taoista Chang San Feng a partir da observação dos movimentos de uma luta entre um pássaro e uma cobra[27].

No século VII, a seita do "caminho dos mestres celestiais" foi reformulada e passou a ser denominada zenghyi (também chamados "cabeças-pretas", numa referência a seus chapéus pretos, e "cheng-i")[28]. O taoismo viveu seu apogeu na China durante as dinastias Tang (618-907) e Song (ou Sung: 960-1279), quando foi apoiado pelos imperadores e se tornou a segunda religião mais importante no país, somente atrás do budismo.[29] Durante as dinastias Sung (960-1279) e Ming (1368-1644), o budismo zen absorveu muito dos ensinamentos taoistas. Durante esta última dinastia, também o confucionismo foi influenciado pelo taoismo.[30]

Nos séculos 12 ou 13, o taoismo ficou dividido entre duas seitas: chuan-chen (também chamados "cabeças-vermelhas", por seus chapéus vermelhos, ou "quanzhen")[31] e cheng-i. Os adeptos da seita chuan-chen, que foi criada por Wang Chongyang, abandonam suas famílias para viver em templos, são vegetarianos e se dedicam à austeridade. Já os adeptos da seita cheng-i não abandonam suas famílias, comem carne e se dedicam a ajudar outras pessoas.[32] Um discípulo de Chongyang, Qiu Chuji, foi conselheiro do imperador mongol Gengis Cã e conseguiu, deste, o apoio para a construção de vários templos taoistas na China.

No final do século XVIII, o Tao Te Ching foi traduzido pela primeira vez para uma língua ocidental por missionários jesuítas na China, que apresentaram a obra na Sociedade Real na Inglaterra em 1788. A partir daí, a obra tornou-se conhecida em todos os países ocidentais. Atualmente, o Tao Te Ching é um dos livros mais traduzidos no mundo[33]. O interesse pela obra gerou estudos que puseram em dúvida a existência de seu suposto autor, Lao-tsé. Segundo esses estudos, o Tao Te Ching pode ser, na verdade, uma compilação de provérbios da tradição oral, reunidos sob a autoria de um fictício e simbólico "velho mestre" (em chinês, lao tsé)[34].

O advento da República Popular da China, em 1949, gerou um período de repressão religiosa no país.[35] Atualmente, no entanto, o taoismo é permitido pelas autoridades chinesas, constituindo uma das cinco religiões legalizadas no país (as outras são o budismo, o islamismo, o catolicismo e o protestantismo).[36] Em 1957, foi criada, em Pequim, a Organização Taoista da China (中国道教协会), que é o principal representante da religião no país. Em 1964, o neerlandês K. M. Schipper foi sagrado monge taoista, numa pioneira abertura do taoismo para o ocidente.[37] Em 1990, foi criada a Academia Chinesa de Taoismo, na República Popular da China. Ela oferece cursos sobre taoismo.[38] Em 1991, o mestre taoista Wu Jy Cherng fundou, na cidade do Rio de Janeiro, a Sociedade Taoista do Brasil, vinculada à Sociedade Taoista da China (seita zenghyi), sediada na República da China[39].

Referências

  1. LAO-TSÉ. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. São Paulo. Martin Claret. 2003. p. 42.
  2. Embaixada da República Popular da China no Brasil. Disponível em http://br.china-embassy.org/por/zggk/t150682.htm. Acesso em 20 de novembro de 2013.
  3. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 10.
  4. WU, J. Iniciação ao taoismo. Volume 2. Rio de Janeiro. Mauad. 2006. p. 63.
  5. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 63,64.
  6. WATTS, A. Tao: o curso do rio. Tradução de Terezinha Santos. São Paulo. Pensamento. p. 25.
  7. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 63,64.
  8. WATTS, A. Tao: o curso do rio. Tradução de Terezinha Santos. São Paulo. Pensamento. p. 25.
  9. WU, J. Iniciação ao taoismo. Volume 1. Rio de Janeiro. Mauad. 2006. p. 18.
  10. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 58.
  11. CHUNG, T. C. Tao em quadrinhos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. pp. 19-24
  12. LAO-TSÉ. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. São Paulo. Claret. 2003. p. 188.
  13. Internet Encyclopedia of Philosophy. Disponível em http://www.iep.utm.edu/laozi/. Acesso em 5 de dezembro de 2013.
  14. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 41.
  15. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 44-47.
  16. WU, J. Iniciação ao taoismo. Volume 2. Rio de Janeiro. Mauad. 2006. p. 64.
  17. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 41.
  18. LAO-TSÉ. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. São Paulo. Claret. 2003. p. 189.
  19. http://www.scribd.com/doc/20093309/Alquimia-chinesa
  20. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 43,44.
  21. China imperial: textos sobre história e cultura da China imperial. Disponível em http://chinaimperial.blogspot.com.br/2008/03/dinastia-han-posterior.html. Acesso em 5 de dezembro de 2013.
  22. http://ferias-paratodos.blogspot.com/2010/07/mosteiro-suspenso-de-xuan-kong-si-china.html
  23. http://muccamargo.com/2008/07/31/as-montanhas-sagradas-do-budismo-na-china/
  24. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 47,48.
  25. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Pensamento. p. 64.
  26. WU, J. Tai Chi Chuan: a alquimia do movimento. 5ª edição. Rio de Janeiro. Mauad. 2010. pp. 15,30.
  27. VELTE, H. Dicionário ilustrado de budô. Rio de Janeiro. Tecnoprint. 1981. p. 132
  28. LAO-TSÉ. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. São Paulo. Claret. 2003. p. 190.
  29. Embaixada da República Popular da China no Brasil. Disponível em http://br.china-embassy.org/por/zggk/t150682.htm. Acesso em 20 de novembro de 2013.
  30. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 49-50.
  31. LAO-TSÉ. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. São Paulo. Claret. 2003. p. 190.
  32. Embaixada da República Popular da China no Brasil. Disponível em http://br.china-embassy.org/por/zggk/t150682.htm. Acesso em 20 de novembro de 2013.
  33. CHUNG, T.C. Tao em quadrinhos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. pp. 13-14
  34. CHUNG, T. C. Tao em quadrinhos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 7
  35. BLOFELD, J. Taoismo: o caminho para a imortalidade. Tradução de Gílson César Cardoso de Souza. São Paulo. Editora Pensamento. p. 51.
  36. Epoch Times. Disponível em http://www.epochtimes.com.br/cinco-categorias-negras-reaparecem-na-china-moderna/#.UqDtGdJDsao. Acesso em 5 de dezembro de 2013.
  37. LAO-TSÉ. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. São Paulo. Claret. 2003. p. 190.
  38. Embaixada da República Popular da China no Brasil. Disponível em http://br.china-embassy.org/por/zggk/t150682.htm. Acesso em 20 de novembro de 2013.
  39. http://www.taoismo.org.br/stb/modules/dokuwiki/doku.php?id=stb
  40. WU, J. Iniciação ao taoismo. Volume 2. Rio de Janeiro. Mauad. 2006. p. 8.