Psicologia/Psicologia social

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A psicologia social no sentido mais amplo tem como objeto, na concepção de Arthur Ramos (1903 — 1949), autor do primeiro livro de psicologia social do Brasil (1936), tudo que não pertence à psicologia fisiológica, sendo o comportamento humano social por natureza ou por seus fins já que o homem é um animal gregário e completamente dependente, ao nascer, do grupo social onde se insere. Por outro lado há várias formas e métodos de delimitar e compreender a sociedade e os grupos que o homem constrói e/ou onde está inserido, sobrepondo-se, com limites mal definidos, a abordagem da psicologia e das demais ciências sociais.

Ao estudar a natureza das relações sociais, antes de mais nada, o que precisa ser esclarecido para entender a relação do “social” com a psicologia, quer concebida como ciência da mente (psique) quer como ciência do comportamento é entender como o “social” pode ser pensado e compreendido desde o caráter assistencialista ou da gestão racional da indigência na idade média até emergência das concepções democráticas ciências humanas no século XX passando necessariamente pela formulação das questões sociais e em especial os ideais de liberdade e igualdade no século das luzes e os direitos humanos.

Contudo esse modo de abordar o tema da psicologia aplicada aos problemas sociais humanos não deixa de ser uma limitação do que pode ser compreendido como o estudo da capacidade ou condição do homem viver em sociedade. Assim sendo temos várias áreas ou arenas de discussão desse tema definido então como:

  • Psicologia comunitária
  • Psicologia cultural-histórica
  • Etnopsicologia ou Psicologia inter-cultural
  • Psicologia política
  • Psicologia das multidões
  • Psicologia dos grupos ou Dinâmica de grupos
  • Psicologia Institucional ou organizacional

Considera-se que estas diversas sub-disciplinas ou inter-disciplinas, com nítidos recortes de objeto e método definidos, são formas mais "sociológicas" ou mais "psicológicas" da psicologia social que essencialmente é o estudo do comportamento e dos processos mentais do indivíduo quando em grupos analisando-se simultaneamente a natureza da sociedade que modela e paradoxalmente é modelada por esses grupos.

Rua de Hong Kong cidade chinesa com 6.864.000 hab. (2006).

Problemas ou objetos de investigação da psicologia social[editar | editar código-fonte]

A Psicologia Social - é a ciência que procura compreender os “comos” e os “porquês” do comportamento social. A interação social, a interdependência entre os indivíduos e o encontro social. Seu campo de Ação é portanto o comportamento analisado em todos os contextos do processo de influência social. Uma pesquisa nos manuais e ensino e ementas das diversas universidades nos remetem à:

  • interação pessoa/pessoa;
  • interação pessoa/grupo (os grupos sociais)
  • interação grupo/grupo. (enfoques nacionais, regionais e locais)

Estuda as relações interpessoais:

  • influências mútuas;
  • conflitos; comportamento divergente
  • autoridade, hierarquias, poder;
  • o pai, a mãe e a família em distintos períodos históricos e culturas
  • a violência doméstica, contra o idoso, a mulher e a criança

Investiga os fatores psicológicos da vida social:

  • sistemas motivacionais (instinto);
  • estatuto (status) social;
  • liderança;
  • estereótipos (estigma);
  • alienação;
  • Identidade, valores éticos;

Teoria das representações sociais, a Produção de Sentido, Hegemonia Dialética Exclusão /Inclusão Social


Analisa os fatores sociais da Psicologia Humana

  • motivação;
  • o processo de socialização
  • as atitudes, as mudanças de atitudes;
  • opiniões / Ideologia, moral;
  • preconceitos;
  • papéis sociais
  • estilo de vida (way of life - modo ou gênero de vida)


Naturalmente a subdivisão dos temas acima enumerados é apenas didática os mesmos estão intrinsecamente relacionados. Observe-se também que muitos desses temas e conceitos foram desenvolvidos ou são também abordados por outras disciplinas (e inter-disciplinas) científicas seja das ciências sociais ou biológicas, cabe ao pesquisador na sua aproximação do problema ou delineamento da pesquisa estabelecer os limites e marco teórico de sua interpretação de resultados. Pode-se ainda dar um destaque aos temas:


Agressão humana (violência) Trabalho e Ação Social Relações de Gênero, Raça e Idade Psicologia das Classes Sociais – Relações de Poder Psicanálise e questões sócio-políticas Dinâmica dos Movimentos Sociais Saúde mental e justiça: interfaces contemporâneas


Principais correntes ou desenvolvimento linhas de pesquisa da psicologia social[editar | editar código-fonte]

Alguns autores atribuem à Jean-Gabriel de Tarde (1843 - 1904) com a publicação de seu livro “Écrits de psychologie sociale” (1898) a criação da psicologia social contudo se consideramos a psicologia científica a disciplina proposta por Wilhelm Maximilian Wundt (1832 - 1920) temos que considerar que esse autor entre 1900 e 1920 publica sua Volkerpsychologie (Pisicologia popular ou cultural) em 10 volumes inaugurando a vertente, segundo ele da psicologia como uma ciência humana (geisteswissenschaft) de caráter complementar à ciência natural e experimental (naturwissenschaft) até então desenvolvida no laboratório de psicologia da Universidade de Leipzig.

Psicanálise & Antropologia / Psicanálise de grupo

Foi em 1912 que Sigmund Freud (1856 – 1939) publicou, ao que consta influenciado por Carl Gustav Jung (1875 - 1961), “Totem e tabu, alguns pontos de concordância entre a vida mental dos selvagens e dos neuróticos” estabelecendo um diálogo com Psicologia Cultural proposta por Wundt, mas seguindo a própria concepção de metapsicologia ou ciência do inconsciente, a psicanálise. Inaugurando por sua vez uma fecunda relação entre a antropologia e esta disciplina, além de retomar os estudos de Gustave Le Bon (1841 - 1931), autor de Psicologia das multidões (1895), em seu clássico Psicologia de grupo e análise do ego. (1921) que praticamente inaugura a proposição de psicanálise de grupo posteriormente desenvolvida por Wilfred R. Bion (1897 - 1979)

Behaviorismo social / Interacionismo simbólico (Universidade de Chicago)

Georg Herbert Mead (1863 – 1931) foi o revisor dos primeiros quatros volumes da Völkerpsychologie de Wilhelm Wundt e iniciou seu curso de Psicologia Social em 1900 e o conduziu até 1930/31 definindo-se por uma linha de estudos que denominou de behaviorismo social.

Quando faleceu em 1931 foi substituído na disciplina Psicologia Social por Herbert Blumer (1900 - 1987) que lhe deu o nome de Interacionismo simbólico. Notabilizou-se pelo estudo da influencia do cinema e da delinquência além da metodologia de orientação sociológica (microsociologia) que aborda o ego (self) dos indivíduos enquanto produto social.

Outro teórico dessa linha foi Erving Goffman, (1922 –1982) embora tenha reivindicado não ter sido um interationista simbólico, fez o seu curso de mestrado e doutoramento na Universidade de Chicago e é reconhecido como um dos principais contribuintes à esta perspectiva teórica com seus estudos sobre estigma e carreira moral do doente mental.

Essa teoria se insere na teoria das ciências socias que estudam as representações sociais e etnomedodologias iniciada na sociologia e antropologia com as contribuições de Émile Durkheim (1858 –1917) e Lucien Lévy-Brühl (1857 - 1939) sobre a teoria da magia, das religiões e do pensamento mítico. Posteriormente um sobrinho de Durkheim Marcel Mauss (1872 –1950) continuador dos estudos da magia e religião e autor de um dos primeiros manuais de pesquisa de campo em etnologia enquanto fato social, publica um ensaio distinguindo a antropologia e sociologia da psicologia escrito a partir uma conferência apresentada à Sociedade Francesa de Psicologia em 1924.

Destacam-se como continuadores além de Goffman, Becker, Howard S. ambos com importantes contribuições ao estudo do desvio e comportamento divergente e Peter Berger importante teórico da Sociologia do conhecimento autor do livro A construção social da realidade em co autoria com Thomas Luckmann, da Universidade de Frankfurt que por sua vez constituem-se como uma importante vertente dessa teoria, conhecida também como escola de Frankfurt.


Psicologia cultural-histórica ou psicologia social sócio-histórica.

Os trabalhos de Lev Vygotsky (1896-1934) e Alexander Romanovich Luria (1902 -1977) versando sobre as relações da psicologia com a antropologia cultural e história na perspectiva do materialismo histórico se desenvolveu de certo modo a partir dos estudos de Wundt, também buscando a construção de uma ponte que ligasse a psicologia "natural", mais quantitativa, à psicologia "mental", mais subjetiva. com alguma influência da psicanálise Luria foi um dos fundadores da Associação Psicanalítica Kazan e trocou cartas com Sigmund Freud (1856-1939). A partir da revolução russa (1917) em especial do governo stalinista verifica-se uma cisão e isolamento cultural em relação às pesquisas desenvolvidas pelo ocidente, inclusive a clínica psicanalítica para crianças de Sabina Spielrein (1885-1942), uma psicanalista formada por C. G. Jung foi fechada em 1926 por ordem do governo de Stalin. Somente no final do século XX é que o ocidente redescobre tais autores a partir das relevantes contribuições de Luria à neuropsicologia.

A Dinâmica de Grupo ou ciência dos pequenos grupos.

O grupo como objeto de estudos ganhou densidade na psicologia social durante a segunda guerra mundial, com Kurt Lewin (1890-1947), considerado por muitos autores como fundador da psicologia social. Contemporâneo dos fundadores da psicologia da gestalt e integrante dessa teoria esse autor radicou-se nos Estados Unidos a partir de 1933 onde chefiou no MIT Massachusetts Instituto de Tecnologia o Centro de Pesquisa de Dinâmica de Grupo junto com uma série de autores que desenvolveram a escola americana de psicologia social a exemplo de Dorwin Cartwright, que assumiu a direção do instituto após a sua morte e Leon Festinger (1919-1979) que desenvolveu a teoria da dissonância cognitiva explorando o desconforto da contradição dos conflitos e estado de consistência interna ainda hoje referência para os estudos de valores éticos em psicologia social.

O que se entende hoje por psicologia de grupo incorpora tanto esse conjunto de técnicas acima descritas como as proposições da psicanálise de grupo, no mínimo enquanto hipóteses de pesquisas ao que se somam as proposições do médico romeno Jacob Levy Moreno, (1889 - 1974) foi o criador do Psicodrama e do Sociodrama.

Psicologia Social no Brasil[editar | editar código-fonte]

O curso e o livro de Psicologia Social de Arthur Ramos (1903-1949) pode ser considerado um marco fundador dessa disciplina no Brasil. Ele foi o professor convidado para ministrar o primeiro curso de psicologia social do país na recém criada Universidade do Distrito Federal no Rio de Janeiro (1935) e logo desfeita pelo contexto político da época. Não fugiu a clássica abordagem do estudo simultâneo das inter-relações psicológicas dos indivíduos na vida social e a influência dos grupos na personalidade mas face a sua experiências anteriores nos serviços de medicina legal e médico de hospital psiquiátrico na Bahia tinha em mente os problemas da inter-relação de culturas e saúde mental (com atenção especial aos aspectos místicos - primitivos da psicose) retomando-os a partir das proposições da psicanálise e psicologia social americana situando-se criticamente entre as tendências de uma sociologia psicológica e uma psicologia cultural.

Pode citar como precursores os estudos etnopsicológicos de Nina Rodrigues em 1900, "O animismo feitichista dos negros africanos" e "As coletividades anormais" (editado postumamamente por Arthur Ramos). Estudos que revelam o confronto entre a etnografia e a psicologia já anunciado por Marcel Mauss em artigo publicado no Journal de Psychologie Normale et Pathologique, 1924. Movimentos sociais e materiais etnográficos foram recolhidos a partir de observações muito precisas e interpretados no âmbito da psicologia clínica da época. Nina Rodrigues considerou os problemas da integração das populações europeias às advindas da diáspora africana segundo as concepções e preconceitos de sua época, que segundo ele, constituíam o principal obstáculo para o progresso da sociedade global, desconhecendo as revolucionárias explicações que marxistas produziam por veladas razões ideológicas, tal como explicitado pela ciência política que deveria orientar-se pelo estudo da Economia e História segundo Karl Marx (1818 — 1883) e óbvios temores das forças políticas do Estado brasileiro.

Referências[editar | editar código-fonte]

Becker, Howard S. Outsiders, estudos da sociologia do desvio. RJ, Zahar, 2008 p.17

Berger, Peter; Luckmann, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis, RJ, Vozes, 1974

Cartwright, D. ; Zander, A. Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria. 2 V. São Paulo, EPU /EDUSP, 1975.

Farr, Robert. M. As raízes da psicologia social moderna. RJ, Vozes. 2008

Lane, S. & Sawaia, B. (Orgs.). Novas veredas da psicologia social. São Paulo: Brasiliense: Educ, 1995.

Laplantine, François. Aprender etnopsiquiatria. SP, Brasiliense, 1998

Mauss, Marcel. Relações reais e práticas entre a psicologia e a sociologia. (1924). in: Mauss, Marcel Sociologia e antropologia. SP Cosac Naify, 2003

Ramos Arthur. Introdução à psicologia social. Rj, Casa do Estudante do Brasil, 1957

Rodrigues, A., Assmar, E. M. L., & Jablonski, B. Psicologia social (22ª ed.). Petrópolis, Rj. Vozes, 2003

Silva, Rosane N. A invenção da psicologia social. RJ, Vozes, 2005

Vigotski, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Chauchard, Paul. Sociedades animais, sociedades humanas, Lisboa Publicações Europa-América, 1974

Le Bon, Gustave Psicologia das multidões. SP, Martins Fontes 2008