Civilizações da Antiguidade/Os hititas

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Os Hititas



Um império nunca suspeitado, o Império Hitita foi tratado durante anos, desde que o homem se interessou pela história dos povos antigos, como um amontoado de tribos sem grande importância.

O Egito e todas as maravilhas lá encontradas falavam de um império poderoso, que enchia os olhos dos exploradores e estudiosos com tantas descobertas deslumbrantes.

vasos cerimoniais, Ankara, Turquia

Quem eram os Hititas então?

Seguindo as pistas[editar | editar código-fonte]

Antes mesmo da Bíblia, vamos achar menção aos hititas na Odisséia onde são chamados de Khetas.

No Antigo Testamento existem passagens que dão conta de um povo chamado Hittim, mas de um modo geral, eles eram vistos como uma das muitas tribos que habitavam a Síria.

Segundo C.W. Ceram, há menções no Livro dos Livros e há uma indicação no Genesis, que dá a entender que em algum período os hititas podem ter sido os governantes da chamada Terra da Promissão, quando Abraão pede aos filhos de Heth o direito de sepultar o morto.

Na verdade os hititas são muitas vezes mencionados na Bíblia mas há um trecho, que coloca o rei dos hititas no mesmo patamar dos faraós é em IV Reis, VII, 6:

...Sem dúvida, que o Rei de Israel mandou assoldadar contra nós os reis dos Hititas e dos Egípcios, e ei-los aí, vem sobre nós.

carta de Amarna

Os assírios mencionavam a Terra de Hatti em muitos documentos. Os egípcios se referiam aos Ht ou como foi criada uma fórmula para se pronunciar, os Heta. Nos muros dos templos egípcios havia muitas menções aos hititas, mas nada que houvesse chamado atenção para a grande importância desse povo. Todos estavam ainda abismados com as descobertas no próprio Egito.

Quando foram encontradas, em Amarna, a cidade egípcia do faraó monoteísta Akhenaton, os arquivos registrados em tabuinhas de argila, contendo informações as mais variadas sobre os povos da época, os hititas começaram a tomar forma.

Com o estudo dos arquivos de Amarna, pode ser situada a época e medido o tamanho e o poder dos hititas.

Akhenaton já estava situado na história (1370-1350 a.C.) e se o rei hitita, Supiluliumas escreveu a ele para parabenizar sua subida ao trono, estava portanto datado também.

Através dos assuntos das cartas dos hititas, pode-se deduzir que eram um país em pé de igualdade com o Egito.

Um império a ser descoberto[editar | editar código-fonte]

O século XIX foi rico em curiosos, que a partir das maravilhosas descobertas no Egito, se embrenharam por locais esquecidos, em busca de sonhos.

Assim como Schliemann procurou Troia, Charles-Marie Texier saiu em busca de Tavium (cidade fundada pelos celtas na época da dominação romana). Ele se dirigiu a Boghazköy (Turquia) porque já havia menções a ruínas lá avistadas por William Hamilton, que também pensava serem de Tavium.

Império Hitita

Ao voltar a Paris e publicar a descrição de todas as maravilhas que vira, abriu um novo campo para estudos, pois ninguém sabia explicar que povo teria sido tão importante e poderoso a ponto de deixar tais monumentos, e ser ainda desconhecido.

Em 1822 em Hamath (Síria) foram arrancados da parede de um bazar, pedras inscritas, que o povo acreditava milagrosas. Houve inclusive revolta popular, mas as pedras foram enviadas para o Museu Britânico por William Wright, e ninguém sabia a que povo haviam pertencido.

E assim, em diversos outros locais desde a costa do mar Egeu, Anatólia e Síria, foram encontrados os mesmos sinais e esculturas.

Só em 1880 o arqueólogo Archibald H. Sayce, depois de muito pesquisar afirmou perante a comunidade científica que os Heteus , o povo do Antigo Testamento eram os hititas, cujas ruínas podiam ser encontradas na região da Ásia menor e todos riram dele.

Ele foi chamado de inventor dos hititas, mas a confirmação do que dizia, veio através dos estudos do alemão Hugo Winckler que desenterrou cerca de 10 000 tabletes em escrita cuneiforme em Boghazköy e conseguiu a chave para decifrá-las.

O Império Hitita havia sido descoberto!

Localização geográfica[editar | editar código-fonte]

No planalto da Ásia Menor, chamado Anatólia turca, onde hoje está localizada a Turquia.

o rio Hális

Na verdade, a península da Anatólia liga a Ásia e a Europa. Esse planalto é semi-árido e na região existem montanhas que deixam as regiões costeiras espremidas, são as costas do Mar Negro e do Mediterrâneo.

O rio Kızıl Irmak, chamado pelos antigos de rio Halis que foi citado por Heródoto, entra pela Anatólia central, corta as montanhas do norte e deságua no mar Negro. Os hititas o chamavam de rio Marassantiya, ele demarcava a fronteira da terra de Hatti, o coração do Império Hitita. Foi também a fronteira entre a Ásia menor e o resto da Ásia.

No seu auge o império hitita englobava toda a Anatólia, além da Síria e oeste da Mesopotâmia.


Os Hititas[editar | editar código-fonte]

Ainda não se sabe ao certo de onde vieram os hititas, mas acredita-se que esse povo tenha chegado à Ásia menor por volta de 2000 a.C. Eles eram indo-europeus e o fato é, que eles conseguiram dominar as tribos que viviam no local, não apenas pela força, mas pela sabedoria e diplomacia e assim os tornaram seus súditos ao invés de seus inimigos.

Criaram as primeiras cidades-estado, entre as quais Hattusa sua capital, na curva do rio Halis (hoje Boghazköy).

porta dos leões em Hattusa

O rei Telepinus menciona os três pais do reino: Labarnas (cujo nome se tornou sinônimo de rei), Hatusilis I e Mursilis I.

Labarnas foi o fundador, Hatusilis I reconstruiu Hattusa e dali partiu para conquistar novas terras. Mursilis I transformou o que era uma federação de cidades-estado em um império.

Por volta de 1600 a.C. havia três grandes potências no oriente: o Egito, a Babilônia e os Hititas.

Não se pode afirmar que, em aproximadamente 600 anos os hititas tivessem formado um império na acepção da palavra. Eles tinham como forma de governo, uma monarquia com um rei poderoso e um concílio de nobres chamado Pankus.

Podemos dividir para efeito de estudo a civilização hitita:

  • Reino antigo (1750-1500 a.C.) Hattusa se torna capital
  • Reino médio (1500-1450 a.C.)
  • Reino novo ou Império (1450-1180 a.C.) Supiluliumas I conquista a Síria; Muwatali ataca o Egito em Kadesh.

Na realidade os períodos mais importantes são o antigo reino e o novo reino ou império. Entre esses dois períodos decorreram algumas centenas de anos pouco documentados, de modo que quase nada sabemos com relação à sua importância histórica.

Reino antigo[editar | editar código-fonte]

A fundação do antigo reino é atribuída a Hatusili I que conquistou a planície de Hattusa e todas as terras até a fronteira de Yamkhad (Aleppo) na Síria. Seu herdeiro Mursili I conquistou Yamkhad e prosseguiu nas conquistas através da Mesopotâmia. Consta que saqueou Babilônia mas ao invés de incorporá-la ao seu império, a deixou para os aliados Cassitas.

Eflatunpınar local hitita encontrado na moderna Beyşehir, Turquia

Mursilis e suas campanhas militares minaram os recursos econômicos do povo e quando ele voltou foi assassinado e o país mergulhou no caos.

Os hurrianos, povo que vivia na região montanhosa entre o Tigre e o Eufrates, tomaram Aleppo e alguns territórios próximos.

Assim, os hititas entraram numa fase de reis fracos, seu território estava reduzido e foi uma época obscura.

O final do reino antigo é marcado por um rei importante, Telepinus (por volta de 1500 a.C.) que conseguiu algumas vitórias se aliando ao reino hurriano de Mitani.

Nesse governo é elaborado um código de leis hitita e o povo é grandemente influenciado pelos hurrianos, política e culturalmente.

Reino médio[editar | editar código-fonte]

O reinado de Telepinus dá inicio à fase conhecida como reino médio da qual muito pouco se sabe.

A esses primeiros reis hititas deve ser creditado o hábito de fazer tratados e alianças com os reinos vizinhos, ao invés de guerras. Talvez eles tenham sido os pioneiros no campo da política e diplomacia internacionais.

Aparentemente o controle do reino hitita se transferiu para os governantes da região de Hangilbat, que fizeram alianças com os egípcios.

Ao sul, o Mitani tomou o controle da cidade de Kizzuwadna e também estabeleceu forte aliança com o Egito.

Com governantes fracos, os inimigos dos hititas vinham de todas as direções prontos para tomar Hattusa e destruí-la.

Reino novo[editar | editar código-fonte]

Essa foi uma fase de muito poder, nesse período de mais ou menos 1400-1193 a.C. o reino dos hititas foi um dos mais poderosos, se rivalizando com o Egito, a Babilônia e a Assíria.

Foi um período de guerras constantes, tanto para tomar os territórios vizinhos, como também para proteger suas próprias terras.

Sob Supiluliuma I, um gênio político e militar eles reconquistaram Aleppo, reduziram o reino de Mitani a vassalos sob o governo de seu genro e derrotaram Carchemish (outro estado da Síria), esse rei estendeu as fronteiras de seu reino até o Líbano.

impérios hitita e egípcio

Além do mais ele teve a vantagem de, no trono do Egito, estar sentado um faraó que não se preocupava com nada além de sua nova religião, Akhenaton. Quem o sucedeu foi Tutankhamon, que morreu ainda jovem demais para tomar qualquer decisão.

Assim, Supiluliuma se tornou o grande poderoso que rivalizava com o faraó egípcio. Isso nos deixa mais curiosos com o tablete encontrado em Amarna, em que a viúva de Tutankhamon pedia a esse rei, que lhe mandasse um de seus filhos para ser seu marido. Seria curioso, no mínimo imaginar um hitita sentado no trono dos faraós.

Com Mursilis II prossegue a política de expansão. Esse filho guerreiro, atacou Arzawa, e Millawanda nas costas de Ahhiyawa, que muitos estudiosos acreditam, podem ter sido Mileto e Aquea, embora não haja ainda nenhuma prova.

Ele consolida as conquistas do pai e também deixa a obra Preces no Tempo da Peste e Anais, o que denota seu interesse por assuntos religiosos e literários.

No reinado de Muwatalis o ponto alto é a batalha de Kadesh em 1296 a.C. onde o faraó Ramsés II é derrotado.

O rei Hatusilis III sela a paz com o Egito dando uma de suas filhas em casamento a Ramsés II. Este rei também deixou uma autobiografia chamada Vida.

A batalha de Kadesh ou Egípcios x Hititas[editar | editar código-fonte]

A prosperidade dos hititas dependia muito do controle das rotas de comércio e minas.

A defesa da área ao norte da Síria era vital porque era por ali que passavam as riquezas, a ligação com a Mesopotâmia. Também estava em jogo o controle da costa oriental do Mediterrâneo.

Nas cartas de Amarna temos milhares de pedidos para que o faraó acuda com seus exércitos muitos governantes daquelas áreas, que pagavam tributos ao Egito e que estavam sendo atacados.

Há inclusive um tablete dando conta de uma governante, uma mulher que se chama Lady of Lionesses [Belit-nesheti], pedindo ajuda desesperada, que nunca chegou pois ao que parece sua cidade foi destruída, já que o faraó Akhenaton não estava preocupado com nada disso.

carro de guerra hitita, copiado de relevo egípcio

A batalha de Kadesh foi apenas a conseqüência de uma situação que perdurou durante muitos anos e foram anos em que o Egito perdeu territórios por fraqueza de seu faraó sonhador, de seu sucessor que morreu muito jovem e de um faraó que governou, já velho: Castanha do Caju.

Horemheb, quando finalmente subiu ao trono, tentou salvar ainda alguma coisa, afinal ele foi general, antes de ser faraó.

Depois dele veio Seti I que se dedicou à reconquista e dominou a faixa de terra que vai de Tiro a Damasco. Nessa altura a expansão egípcia foi detida por Muwatalis o hitita.

No quinto ano do reinado de Ramsés II, filho de Seti I, os hititas invadiram a Palestina, e o faraó decidiu ir a guerra para preservar seus territórios.

Em Karnak, Luxor, Abidos, Abu Simbel, estão todos os louvores ao grande vencedor de Kadesh, gravados em pedra. Na realidade, Ramsés II foi um mestre em propaganda, hoje seria visto como um gênio da mídia.

Na realidade, atualmente reconstituida a batalha já se sabe que Ramsés perdeu não só a luta mas quase perdeu a vida, ao contrário do que mandou inscrever nas paredes.

Foi uma batalha entre os dois maiores exércitos da época e C.W. Ceram conta em detalhes a estratégia em seu livro mencionado abaixo.

Tratado de Kadesh, museu de Istambul

O fato é que os hititas sob o comando de Muwatalis foram os grandes vencedores e ofereceram aos egípcios um Tratado de Amizade. Inclusive o governante da terra de Amurru que esteve ao lado dos egípcios, rapidamente passou-se para o lado dos vencedores.

Portanto, embora a propaganda seja a favor de Ramsés II devemos dizer que a vitória incontestável foi de Muwatalis e dos hititas.

O Tratado de Kadesh é um dos tratados completos mais antigos da história, ele fixa as fronteiras de Canaã, e foi assinado no 21º ano de governo de Ramsés II, com Hatusilis III.

Sobre os hititas[editar | editar código-fonte]

Um pouco a respeito do povo que esteve por tanto tempo desaparecido e repentinamente surpreendeu a todos por ter sido uma potência insuspeitada.

As decisões reais eram submetidas ao Pankus, um conselho de nobres, politicamente talvez o reino hitita funcionasse como um estado federativo. Os reis tinham seu poder muito mais baseado na competência militar do que no direito divino.

objeto ritual hitita

O código de leis era mais tolerante, mais humano, especialmente se comparado com o assírio.

Na sociedade hitita, até mesmo os escravos possuíam direitos, as classes dos proprietários tinham deveres éticos e morais reconhecidos.

Os hititas não possuíam uma linguagem única. A escrita cuneiforme foi tomada dos assírios.

Religiosamente, pode se dizer que eles respeitavam todos os deuses, são conhecidos como o povo dos mil deuses. Eram tolerantes e misturavam cultos dos diversos povos dominados.

A arte hitita possui características distintas com traços hurrianos e assírios, mas não tem estilo. No período do império era monumental mas não eram elegantes e nem bem acabadas.

deusa hitita

A arquitetura não dava valor aos detalhes, também os construtores não pareciam preocupados com a segurança das fortificações.

Na literatura, além das Preces no Tempo da Peste, de Mursilis, não conhecemos mais nada de relevante.

Os hititas impressionaram grandemente os outros povos pelo fato de usarem cavalos e carros de guerra leves. Eles eram mestre no adestramento de cavalos e na arte da equitação. É provável que tivessem aprendido com os hurrianos da Terra de Mitani, que eram mestres criadores de cavalos.

É muito provável que por volta de 1600 a.C. os hititas já conhecessem o ferro. A história dá conta de que em 1400 a.C. os hititas conseguiram aperfeiçoar a técnica da metalurgia do ferro. Para retirar as impurezas e obter um material resistente e maleável eles deveriam aquecer, martelar e resfriar o ferro muitas vezes.

Esse metal era mais cobiçado do que o ouro e embora seja abundante na natureza, o importante era dominar a técnica de fabricar armas em quantidade. É muito possível que os hititas detivessem o monopólio da manufatura do ferro e dessa forma fossem muito bem preparados como guerreiros.

Declínio[editar | editar código-fonte]

rei Thudalia

Enquanto os hititas estavam preocupados com os egípcios, os assírios se aproveitaram para atacar as rotas de comércio, atacar Mitani e se expandir até o Eufrates.

O rei Tudhaliya IV foi o último governante hitita com poder suficiente para manter os assírios fora da Síria e até anexar, ainda que temporáriamente a ilha de Chipre. O último rei, Supiluliuma II conseguiu algumas vitórias, inclusive contra os Povos do Mar nas costas de Chipre.

rei Supiluliuma II

Essa foi a fase em que os Povos do Mar e outros povos começam suas migrações. Ao longo da costa do Mediterrâneo, desde o Egeu esses povos foram se espalhando cortando as rotas de comércio. Os ataques vinham de todas as direções, essas novas raças se infiltraram através das fronteiras.

Hattusa foi incendiada por volta de 1180 a.C. e o império hitita entra em decadência. Em 1160 a.C. os assírios pressionavam a parte norte da Mesopotâmia e o povo Gasga que eram antigos inimigos dos hititas vinham dos territórios montanhosos ao norte entre Hatti e o mar Negro e se juntaram a eles.

Assim, os hititas formalmente desapareceram da história, porém a língua dos lídios, falada no oeste da Ásia menor até o 1º século a.C. aparentemente era descendente dos hititas. Um dos reis da Lídia conhecido pelos gregos chamava-se Myrsilis (Mursilis) que era um nome real hitita, o que pode indicar que até o quinto século depois de Cristo, podem ter permanecido alguns traços do povo hitita.

Embora o desaparecimento dos hititas da maior parte da Anatólia seja demarcado após 1200 a.C. alguns reinos neo-hititas sobreviveram no norte da Síria, em Carchemish, Zinjirli e na Cilícia, Karatepe.


Referências[editar | editar código-fonte]

O Segredo dos Hititas (A descoberta de um antigo Império) - "Enge Schulcht end schwarzer Berg" - C. W. Ceran - Editora Itatiaia - Belo Horizonte - 2a Edição 1958.